A Associação para o Planeamento da Família (APF) alertou esta quinta-feira que a falta de acesso a consultas de planeamento familiar por escassez de médicos de família “é particularmente gritante” no caso das mulheres migrantes.

Na véspera do Dia Internacional da Mulher, a médica de família Mara Carvalho, da APF, falou à agência Lusa sobre os avanços feitos nos últimos anos na área no planeamento familiar e saúde sexual reprodutiva, mas também das dificuldades de acesso devido à falta de médicos de família, uma situação que abrange cerca de 1,7 milhões de utentes.

Segundo a especialista em Medicina Geral de Familiar, as dificuldades de acesso às consultas afetam “algumas populações mais vulneráveis”, nomeadamente quem não tem equipa de saúde (médico e enfermeiro de família) atribuída nos cuidados de saúde primários.

Mara Carvalho adiantou que esta situação “deixa estes utentes, particularmente as mulheres, numa posição bastante vulnerável”, dando o exemplo das jovens migrantes que são de outras áreas do país e estão a estudar, por exemplo, na área da grande Lisboa.

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“No caso das migrantes no geral é particularmente gritante, às vezes, essa falta de acesso”, disse, observando que esta situação não é de agora e “tem muito a ver com a escassez reconhecida de falta de médicos de família nos centros de saúde”.

A especialista referiu que em Portugal há poucos estudos sobre esta matéria, mas investigações internacionais mostram que as mulheres migrantes têm indicadores de saúde piores do que as outras mulheres, “não só em termos de gravidezes que não correm tão bem, de partos pré-termo ou de haver mais complicações”.

“Portanto, acabam por ter uma pior qualidade de saúde sexual e reprodutiva simplesmente porque têm menos acesso aos cuidados de saúde”, concluiu.

Por outro lado, a população crescente de mulheres migrantes também traz “desafios acrescidos” para os serviços de saúde.

“Além da formação e da capacitação técnica pura e dura”, os profissionais de saúde têm de passar a ter atenção a populações com “uma multiculturalidade que é crescente”, salientou.

Nesse sentido, defendeu ser necessária formação nesta área, transversal a todos os profissionais, porque, muitas vezes, “a primeira barreira” é no balcão administrativo.

Mara Carvalho explicou que a ideia seria que os serviços de saúde conseguissem “ser mais inclusivos”, não só ao nível do acesso, mas também no seguimento dessas mulheres.

Isso passaria por uma capacidade maior de adaptação à multiculturalidade, respeitando-a, mas também integrando-a nos serviços que são prestados.

Questionada se há dificuldades em reencaminhar mulheres que necessitem de uma consulta de especialidade, a médica referiu que “a rede de referenciação existe” e, apesar de haver diferenças a nível regional, vai funcionando, mesmo para responder a novas situações legais, como a Interrupção Voluntária da Gravidez.

“Os serviços foram tendo de se adaptar. Eu continuo a achar que a principal barreira a nível de acesso acaba por ser a pessoa ter ou não ter um médico de família atribuído ou equipa de saúde atribuída, porque as respostas que existem para a população são manifestamente insuficientes para conseguir fazer essa sinalização e esse encaminhamento”, declarou.

Para Mara Carvalho, seria importante fazer consultas específicas nalgumas, independentemente de a pessoa ter médico de família.

Apesar destas dificuldades, Mara Carvalho assinalou os avanços que têm sido feitos nos últimos anos, como melhor acesso aos métodos contracetivos de longa duração, por haver mais médicos com formação técnica para os aplicar, e a universalidade das consultas de planeamento familiar nos centros de saúde para quem tem médico de família.