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A Provedora de Justiça requereu ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade da lei da morte medicamente assistida, foi divulgado esta terça-feira.

O requerimento de Maria Lúcia Amaral, publicado esta terça-feira no sítio na Internet do provedor de justiça, pede “a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de normas constantes da Lei n.º 22/2023, de 25 de maio, que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal”.

A notícia tinha sido avançada pelo Novo Semanário, lembrando que em junho o CDS-PP tinha requerido à provedora de justiça que solicitasse, junto do TC, a fiscalização sucessiva do decreto.

No requerimento, a provedora da justiça refere que a regulação contida na lei “é contrária ao que consagra a Constituição no n.º 1 do seu artigo 24.º [A vida humana é inviolável] e no n.º 1 do seu artigo 26.º [A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação].

Maria Lúcia Amaral salienta no requerimento que o TC pronunciou-se duas vezes e clarificou “alguns dos mais fundamentais problemas” que a morte medicamente assistida coloca, como “a sua compatibilidade abstrata com o direito à vida”.

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E sublinha, entre os argumentos, que a lei da eutanásia pretende dar “um passo que é raro em direito comparado”, adotando “soluções normativas que não dão garantias suficientes de que (…) sejam apresentadas a quem requer a prestação de auxílio para morrer alternativas reais, presente e efetivas que venham a consubstanciar a livre escolha na persistência (ou não) da pretensão inicial”.

A lei da eutanásia foi promulgada em 16 de maio de 2023 pelo Presidente da República, mas aguarda regulamentação, depois de o Governo do PS ter decidido incluir a questão no dossiê de transição para o próximo executivo.

“Este requerimento, tal como aconteceu com a gestação de substituição, pode voltar a lei ao ponto zero, ou seja, fazê-la desaparecer”, explica o juiz desembargador jubilado Eurico Reis à Rádio Observador. “É óbvio que as pessoas aproveitam esta alteração de conjuntura [política] para tentar fazer com que as suas ideias tenham vencimento. Vamos esperar que o Tribunal Constitucional mantenha a mesma linha das decisões anteriores e que face a esta justa ponderação dos valores que estão em causa mantenha que a dignidade da pessoa humana é o valor fundamental de uma sociedade livre, democrática e mais fraterna”, considera.

De acordo com o juiz desembargador jubilado, que foi membro do Conselho de Procriação Medicamente Assistida (tendo-se demitido depois do chumbo Constitucional), “no direito, como na vida, não há nada absoluto, tudo é relativo”, mas recorda que “a Constituição da República começa logo no artigo número um a dizer que Portugal é uma República soberana baseado na dignidade da pessoa humana”.

“Este é o valor constitucional fundamental”, sublinha ainda. Questionado se considera que este requerimento está a condicionar a discussão sobre a eutanásia, sobretudo com uma nova conjuntura política, Eurico Reis contesta: “As pessoas têm o direito de ter as suas opiniões, vivemos numa República democrática, que coexiste com as pessoas que são autoritárias e que gostam de mandar nos outros. A questão depois é saber se a sociedade tem em si força suficiente para impor os valores da liberdade e os valores do liberalismo. [Estas] São posições iliberais. As pessoas que acham que podem mandar nos outros são pessoas tendencialmente anti-democráticas.”

Isabel Moreira: “Não quero acreditar que Luís Montenegro volte atrás”

Em declarações à Lusa, a deputada socialista e constitucionalista Isabel Moreira mostrou-se confiante de que a lei da morte medicamente assistida vá em frente e disse não ficar surpreendida com o pedido da provedora de justiça para que seja declarada inconstitucional.

“Não me surpreende pelo seguinte: em primeiro lugar, a atuação da provedora vem na sequência de um pedido que lhe foi feito pelo CDS-PP e a provedora tem um histórico de atuar no domínio destes direitos e muito pouco no domínio dos direitos sociais”, disse.

Isabel Moreira explicou ainda que o requerimento de Maria Lúcia Amaral se foca na violação do direito à vida, que “já mereceu uma posição contrária” do TC, e numa “renovada confusão entre cuidados paliativos e eutanásia”, que “já foi esclarecido ao longo de muito tempo de debate”.

“É uma atuação que não me surpreende. É, ainda assim, um poder da provedora de justiça. Parece-me que se debruça sobre questões já analisadas e que vai em linha, repito, com aquilo que é uma atuação muito pouco centrada em direitos sociais e decorre de um pedido do CDS-PP”, afirmou.

Por outro lado, recordou que “Luís Montenegro sempre defendeu que o direito já consagrado e fundamental à autodeterminação da morte deveria ter sido consagrado por referendo. Ora, quem defende isso também defenderá o seu contrário, ou seja, que se estivesse agora o processo ainda em curso, a continuar, tivesse que ser por referendo”, afirmou a constitucionalista à Lusa.

No entanto, acrescentou, “este direito já está consagrado, já existe em lei da República e é inconstitucional referendar uma lei já aprovada”.

“Não quero acreditar que Luís Montenegro volte atrás”, insistiu.

Notícia atualizada no dia 13 de março, às 8h39, com as declarações de Eurico Reis e às 11h36 com as de Isabel Moreira.