Enquanto o futebol espanhol continua a tentar sobreviver a um novo incêndio, Luis Rubiales, que volta a ser o centro de todas as atenções pelas piores razões, anda pelo calor mas noutro contexto. O programa espanhol TardeAR teve acesso às primeiras imagens do antigo presidente da Real Federação Espanhola de Futebol na República Dominicana, mais concretamente em Cap Cana, “uma das zonas de luxo do país com várias praias idílicas e restaurantes exclusivos”. Alheio a tudo, o ex-dirigente mostrava-se sorridente, a aproveitar o sol na companhia de uma mulher, como se estivesse de férias apesar de ter dito que estava há um mês longe de Espanha em “trabalho”. Agora, percebe-se que essa presença, com o amigo Nené, é tudo menos por acaso.

O ABC concentra-se esta sexta-feira naquele que é o epicentro do último terramoto que abalou o futebol em Espanha: a realização da Supertaça de Espanha na Arábia Saudita. Segundo a publicação, a juíza do caso ficou saturada da falta de colaboração por parte da Federação e avançou com toda a operação de buscas à sede da RFEF e a vários domicílios para tentar recolher provas de que Luis Rubiales, Gerard Piqué (dono da Kosmos, que intermediou o negócio) e outras pessoas combinaram entre si comissões ilegais no acordo que posteriormente seriam branqueadas. Elemento decisivo? Um documento com apenas duas páginas e três assinaturas, de Rubiales, Piqué e Ahmed Mohtaseb, responsável pela companhia pública saudita SELA.

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Buscas na Federação, detenções e contratos da Supertaça na Arábia Saudita na mira: mais um escândalo no futebol espanhol

É esse anexo assinado no mesmo dia em que foi feito o contrato para a Supertaça de Espanha passar a ser jogada na Arábia Saudita, a 11 de setembro de 2019, que poderá mostrar a existência de ocultação de fundos, até porque nem o Comité de Integridade, nem o Comité de Ética, nem os demais gabinetes da RFEF sabiam do mesmo pelos possíveis conflitos de interesse que poderiam implicar. Ou seja, a investigação segue uma linha que defende que esse anexo foi assinado dois minutos depois do contrato porque Rubiales terá imposto à Arábia Saudita que o intermediário fosse a Kosmos – e isso justificaria que a Federação não pudesse dizer que não tinha qualquer tipo de relação com a empresa gerida pelo antigo central do Barcelona, alegando que essa intermediação tinha sido contratada pela outra parte envolvida, a Arábia Saudita.

Ainda de acordo com a mesma publicação, foi a Agência Tributária que deu conta de algo estranho em toda esta operação. Em resumo: o primeiro contrato assinado entre a Real Federação Espanhola de Futebol e a Arábia Saudita previa aquilo que era descrito como uma “compensação de êxito” de quatro milhões de euros por edição mas o anexo assinado minutos depois diz de forma expressa que o agente mencionado nas cláusulas 6.3 e 6.5 era a Kosmos Fotball, que teria direito aos quais quatro milhões por edição pagos pela Arábia Saudita (caso esse valor não fosse liquidado, a Federação poderia rescindir contrato). A investigação segue outra linha que passa pelos contactos entre Tomás González Cueto, jurista que trabalhava com a RFEF e era um homem de confiança de Rubiales, e a Kosmos para pedir uma “compensação” por esse anexo.

O El Mundo dá mais um detalhe sobre essa operação: quando começaram a existir as primeiras investigações à gestão de Luis Rubiales, ainda antes da queda do cargo na sequência do polémico beijo a Jenni Hermoso na final do Campeonato do Mundo feminino na Austrália, a ideia do dirigente passava por tornar-se um assessor para o futebol da Arábia Saudita, tendo em vista também a organização do Mundial de 2034, mas a inibição de exercer qualquer tipo de cargo durante três anos por ordem da FIFA excluiu essa possibilidade.

Estou surpreendido com tudo isto. Estou há meses a trabalhar aqui na República Dominicana, agora estou cá há um mês e a minha família vinha cá passar a Páscoa”, disse Rubiales na quarta-feira. “Não tenho nada a esconder, posso voltar quando quiserem”, referiu no dia seguinte.

Luis Rubiales regressa a Espanha em abril e deve ser detido depois das buscas na RFEF e no Estádio Olímpico

No entanto, apesar de muitos telefones de pessoas próximas da Real Federação Espanhola de Futebol terem passado a chamar sem que ninguém respondesse do outro lado, houve uma figura que nunca deixou “cair” Luis Rubiales: Francisco Javier Martín Alcaide, mais conhecido como Nené e descrito pela investigação como uma espécie de “facilitador” ou “conseguidor”. Foi o antigo jogador do Granada que levou um grupo de mulheres para uma festa com elementos da Federação, foi o antigo jogador do Granada que apareceu nos estádios que deveriam sofrer intervenções para jogos da Taça do Rei ou das seleções (daí que a construtora Gruconsa esteja também na lista das entidades investigadas), é o antigo jogador do Granada que faz a ligação entre o antigo presidente da Federação e a República Dominicana… onde está agora com o próprio Rubiales. Houve também notícias de que estaria a tentar a nacionalidade dominicana, algo que negou ao jornal Marca.

Tentando aproveitar a esfera de influência do antigo dirigente quando liderava a RFEF, Nené, que após ter jogado e exercido funções diretivas no Granada se tornou CEO da cadeia de hotéis Urban Dream, foi procurando investidores para um projeto chamado 365 Punta Cana Club Experience, que começava na compra de um parque aquático já existente para a partir daí criar um resort com todas as facilidades que pudesse ser ainda um Centro de Congressos. A ideia, que poderia ter Rubiales como um dos “cérebros”, acabou por não passar à prática mas ex-líder federativo manteve a intenção de fazer investimentos na República Dominicana como um restaurante, naquilo que o El Mundo descreve como uma “pequena Arábia” que estava a ser criada. Assim se explica, como escreve o El País, que as autoridades tenham rastreado milhares de emails na RFEF, com cinco palavras: Supercopa, Arabia, Nené, Cartuja e Gruconsa.

O mesmo jornal espanhol coloca mais pastas entre os cinco anos de contratos da Real Federação Espanhola de Futebol que estão a ser investigados no âmbito da “operação Brody”. Assim, e além da realização dos jogos da Supertaça de Espanha na Arábia Saudita e da adjudicação à Gruconsa das obras no Estádio de la Cartuja, em Sevilha, está também a ser analisado o acordo feito entre Rubiales e um consórcio de empresas chinesas no âmbito de um protocolo de “assessoria e formação para o desenvolvimento do futebol na China” durante dez anos. Em paralelo, a Europol explicou ao El País que estão a ser verificadas as transações de contas em criptomoedas atribuídas aos intervenientes de toda a alegada trama para ocultação de fundos.