O Governo norte-americano considerou esta segunda-feira que a resolução adotada pelo Conselho de Segurança da ONU a exigir um cessar-fogo em Gaza “não é vinculativa”, apesar de vários diplomatas garantirem o contrário.

Esta interpretação, explorada pela primeira vez pela embaixadora dos Estados Unidos junto da ONU, Linda Thomas-Greenfield, durante a sessão desta segunda-feira do Conselho de Segurança, foi posteriormente acolhida por vários altos funcionários do Governo de Joe Biden.

Questionado durante uma conferência de imprensa se acredita que Israel anunciará um cessar-fogo como resultado da resolução, o porta-voz diplomático dos EUA, Matthew Miller, negou. “É uma resolução não vinculativa”, acrescentou.

Miller não deu mais explicações sobre esta posição adotada pelos Estados Unidos, contrariando a consideração geral de que as resoluções aprovadas pelo Conselho de Segurança são vinculativas.

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“Consideramos que a resolução não é vinculativa”, insistiu quando pressionado.

O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby, manteve essa mesma posição durante uma conferência de imprensa na Casa Branca: “É uma resolução não vinculativa, por isso não tem impacto sobre Israel ou na sua capacidade de continuar a lutar contra o Hamas”.

Tal como Miller, Kirby também não forneceu uma explicação jurídica para a razão pela qual os Estados Unidos consideram esta resolução específica como não vinculativa.

Contudo, apesar da posição norte-americana, vários diplomatas das Nações Unidas confirmaram que se trata de uma resolução vinculativa, como é o caso dos embaixadores de Moçambique e da Serra Leoa, ambos com formação jurídica.

“Ao abrigo da Carta da ONU, todas as resolução do Conselho de Segurança da ONU são vinculativas e obrigatórias e todos os Estados-membros estão obrigados a implementar essas resoluções. (…) Eu fui membro da Comissão de Direito Internacional [um órgão responsável por ajudar a desenvolver e codificar o direito internacional] durante 15 anos e sei o que estou a dizer”, afirmou o representante de Moçambique junto da ONU, Pedro Comissário Afonso.

“Seguindo a visão do representante permanente de Moçambique, que foi membro e presidente da Comissão de Direito Internacional, e sendo eu próprio um advogado e fazendo parte do Sexto Comité [principal fórum para a consideração de questões jurídicas na Assembleia Geral da ONU] há mais de cinco anos, direi que é vinculativa. Não são apenas as minhas palavras. São também as palavras do Tribunal Internacional de Justiça (…) Logo, acho que deveria ser claro para todos que esta resolução é vinculativa para as partes”, salientou o embaixador da Serra Leoa, Michael Imran Kanu.

A resolução, aprovada com 14 votos a favor e uma abstenção — a dos Estados Unidos — exige “um cessar-fogo imediato” na Faixa de Gaza durante o período do Ramadão.

A exigência de um cessar-fogo não está condicionada a outras ações, mas o texto também apela à libertação dos reféns detidos pelo Hamas.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, aplaudiu a aprovação da resolução do Conselho de Segurança e defendeu a aplicação da mesma, argumentando que o seu “fracasso seria imperdoável”.

O facto de os Estados Unidos terem permitido que a resolução fosse aprovada com a sua abstenção, após terem vetado várias tentativas, provocou a ira do Governo de Israel e, em particular, do seu primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu.

O ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant, em visita oficial a Washington, disse após a aprovação que o seu país não iria parar a guerra: “Moralmente, não temos o direito de parar a guerra enquanto ainda houver reféns detidos em Gaza”.

“Operaremos contra o Hamas em todo o lado, mesmo em locais onde ainda não estivemos”, acrescentou, sem mencionar diretamente Rafah, onde mais de um milhão de pessoas se refugiam e que constitui um importante ponto de atrito entre Washington e Israel.