A pensar nos que “temem a liberdade e a diversidade”, João Costa, ex-ministro da Educação, escreveu um livro onde diz que existe na sociedade portuguesa um “ataque a direitos adquiridos” e uma “tentativa de imposição de uma conceção moral”. Em concreto, o ex-ministro não esconde que está a falar, por exemplo, daqueles que publicaram o livro “Identidade e Família”, apresentado por Pedro Passos Coelho. Sobre o ensino, área onde teve responsabilidades, diz que a “’sovietização’ da escola é uma ficção na cabeça de Passos Coelho”.

“Manifesto pelas Identidades e Famílias. Portugal Plural” (edição da Ideias de Ler) é lançado dois meses depois de “Identidade e Família”, o controverso livro que conta com textos de 22 personalidades, como Bagão Félix, antigo ministro das Finanças e da Segurança Social, e Paulo Otero, professor catedrático de Direito. Para João Costa, entrevistado pelo Público, o livro é uma evidência do “crescimento ou pelo menos da externalização de um conjunto de vozes muito conservadoras, que questionam direitos conquistados, com custo, por vários grupos”.

Havendo toda a liberdade para tomar essas posições, é preciso reafirmar a oposição a essas tentativas de voltar atrás nesses direitos já conquistados”, advoga o ex-ministro da Educação.

João Costa diz que “o livro ‘Identidade e Família’ fala muito de um suposto ataque à família tradicional, não sabendo eu muito bem o que é família tradicional, mas assumindo que é um casal, homem e mulher, que têm filhos, essas são as famílias que não têm problemas de afirmação, que não têm de se esconder, que nunca encontraram repúdio e, portanto, não estão sob ataque”.

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Um dos 11 capítulos do livro de João Costa fala sobre a escola, em particular a escola pública. A escola, para o ex-ministro, está na mira de quem a acusa de não ser ideologicamente neutra, designadamente por causa da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento. Mas essa é uma não-questão, diz João Costa, salientando que “a escola é um espaço de sociabilização com regras de convivência e essas regras não são neutras”.

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Aliás, acrescenta, “quando definimos que a escolaridade é obrigatória e para todos, não é uma afirmação ideologicamente neutra”. Até “quando se selecionam os conteúdos que se ensinam em História, por exemplo, há escolhas e não são neutras”, nota, ainda, o ex-ministro.

Há alguma confusão entre o que são os padrões morais de alguns, que são legítimos, e aquilo que são os direitos civis de todos”, sublinha.

É neste contexto que João Costa se refere à “sovietização do ensino”, expressão usada por Passos Coelho na apresentação do livro. Isso não é mais do que “uma ficção da cabeça de Pedro Passos Coelho, que só pode ser explicada por um profundo desconhecimento do trabalho que é feito nas escolas e do que é feito pelos professores”.

Na entrevista ao Público, João Costa comentou, também, a controvérsia em torno do comentário de André Ventura sobre o povo turco (dizendo que este povo não era conhecido por ser “o povo mais trabalhador do mundo”). O ex-ministro critica o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar Branco, por não ter dado uma advertência ao líder do Chega.

“Não se deve retirar a palavra quando temos liberdade de expressão, mas não se deve legitimar, sem qualquer advertência, aquilo que pode configurar discurso de ódio”, diz João Costa, acrescentando que “o presidente da Assembleia poderá ter aberto uma caixa de Pandora em relação ao tipo de injúrias que podem vir a acontecer no Parlamento”.