A intervenção da polícia levou esta terça-feira à noite à “fuga em debandanda” de centenas de antigos oficiais das Forças de Defesa e Segurança acampados em protesto à porta das Nações Unidas, em Maputo, disse o líder do grupo.

“Não consigo confirmar se foi feita alguma detenção. Estavam cerca de 200 pessoas que tiveram de fugir em debandada. A polícia usou a força, chegaram sete carrinhas cheias de polícias de todos os tipos e bem armados”, descreveu à Lusa Adolfo Samuel, porta-voz do protesto, antigo oficial superior da segurança do Estado.

“Agora estamos desorganizados, tivemos todos de fugir. Ainda não sabemos o que vamos fazer”, acrescentou, avançando que a intervenção policial aconteceu cerca das 20h00 locais (menos uma hora em Lisboa).

Em causa está um protesto iniciado em 28 de maio, com centenas de antigos oficiais das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique a acamparem à porta das Nações Unidas para reclamar supostas compensações resultantes do Acordo Geral de Paz, que pôs fim à guerra civil no país.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Estamos aqui na representação das Nações Unidas porque a nossa desvinculação foi no âmbito do Acordo Geral de Paz (1992), assinado em Roma entre o Governo e a Renamo [principal força de oposição], sob a égide das Nações Unidas. Fomos desvinculados com a promessa de sermos compensados, só que, desde lá, nem água vai nem água vem”, declarou à Lusa, em 28 de maio, Adolfo Samuel.

No total, segundo Adolfo Samuel, na mesma situação há pelo menos 1.856 antigos oficiais das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique, de diferentes ramos, sobretudo afetos à secreta moçambicana.

“Por várias vezes contactámos as instituições do Estado, incluindo a Presidência da República, mas todos ignoraram-nos. Então, como as Nações Unidas estiveram a par da nossa desvinculação e brevemente o atual Governo termina o seu mandato, achamos conveniente vir cobrar a dívida que o Governo e as Nações Unidas têm para connosco”, acrescentou o líder do grupo.

A Lusa contactou as Nações Unidas, que preferiram não comentar o caso, remetendo qualquer posicionamento para o executivo moçambicano.

“Desde o mandato do Presidente [Armando] Guebuza até hoje, fomos prometidos, mas não temos respostas. O que nós estamos a reivindicar aqui é compensação. Mesmo as pensões que recebemos estão a sofrer descontos e nós não sabemos porquê”, declarou à Lusa, na semana passada, Paulo Momade, antigo membro das Forças de Defesa e Segurança e um dos manifestantes.

Entre os queixosos, há também viúvas de antigos oficiais das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique.

“Eu estou aqui a representar o meu marido que era combatente. Ele faleceu a lutar para ter este dinheiro, mas não conseguiu. Eu também estou aqui a envelhecer, já cansada, mas não consigo ter este problema resolvido”, afirmou Filomena Micas, mulher de um antigo combatente, que também participou no protesto iniciado na semana passada.

O Acordo Geral de Paz pôs fim à guerra dos 16 anos, que opôs o exército governamental, do qual os queixosos faziam parte, e a guerrilha da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), que já desarmou e tem estado a reintegrar os seus guerrilheiros envolvidos nesta guerra.

O conflito, que deixou milhares de mortos, viria a terminar com a assinatura do acordo, em 4 de outubro de 1992, em Roma, entre o então Presidente, Joaquim Chissano, e o líder histórico da Renamo, Afonso Dhlakama, que morreu em maio de 2018.

O Acordo Geral de Paz foi violado em 2013 por confrontos armados entre as duas partes, devido a diferendos relacionados com as eleições gerais.

Em 2014, as duas partes assinaram um outro acordo de cessação das hostilidades militares, que também voltou a ser violado até ao terceiro entendimento, em agosto de 2019, o Acordo de Paz e Reconciliação Nacional, do qual resultou o desarmamento do braço armado do principal partido de oposição em Moçambique.