O investigador Pedro Vicente disse à agência Lusa que a religião não é “uma causa profunda” do conflito em Cabo Delgado, Moçambique, mas está a ser usada para mobilizar insurgentes, através do radicalismo Islâmico.

O centro de investigação NOVAFRICA, da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE, em inglês), fez “uma série de trabalhos de investigação sobre sensibilização religiosa em Cabo Delgado”, explicou à Lusa um dos fundadores do centro, Pedro Vicente.

“A ideia principal [dos trabalhos] é a de prevenção de dissidências, num contexto em que, embora a religião não seja uma causa profunda do conflito [em Cabo Delgado, na região norte de Moçambique], ela está a ser utilizada para mobilizar insurgentes, especificamente através do radicalismo islâmico“, declarou o também professor na Nova SBE.

Um dos trabalhos foi feito em Pemba, a capital da província de Cabo Delgado, junto dos jovens, “sobre os impactos de uma sensibilização religiosa à volta da ideia de que o Islão defende a paz e não a violência”, disse. E acrescentou: “Descobrimos que essa sensibilização diminuiu comportamentos antissociais.”

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“Fizemos outro trabalho em que mensagens de paz foram difundidas por líderes religiosos muçulmanos e cristãos em oito rádios comunitárias de Cabo Delgado. Descobrimos que essas mensagens diminuíram a incidência de eventos de violência”, medidos através da organização não-governamental Armed Conflict Location & Event Data Project (ACLED) e do Uppsala Conflict Data Program (UCDP), indicou.

Por isso, para Pedro Vicente “o envolvimento das organizações religiosas locais pode ser um ponto importante na estratégia de prevenção de conflitos em Cabo Delgado”. Para si, “a situação em Cabo Delgado continua a ser muito preocupante”.

O investigador relatou que esteve em Pemba em maio, na altura em que eclodiram os ataques em Macomia, onde cerca de uma centena de insurgentes saquearam a vila, provocando vários mortos e fortes combates com as Forças de Defesa e Segurança de Moçambique. “De facto os ataques acontecem em sítios muito diversos o que indicia que os insurgentes se movem com frequência”, alertou.

A saída do contingente militar da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) “traz riscos para a evolução da situação, dado que existe alguma incerteza sobre a capacidade do exército moçambicano em assegurar a mesma presença e nível de resposta militar”, sublinhou.

“Julgo que a par da via da melhoria direta da segurança e da sua dimensão militar, é muito importante continuar a trabalhar na via do desenvolvimento de oportunidades económicas para os jovens de Cabo Delgado e de sensibilização das populações, para além da integração de deslocados”, declarou.

Na sua opinião, a criação da Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte foi um passo importante da parte do Governo moçambicano nessa direção, “mas precisa de passar das ideias aos atos”, concluiu.

O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, destacou, em 27 de junho, um “retorno gradual à normalidade” em Cabo Delgado – uma província que enfrenta desde outubro de 2017 uma rebelião armada com ataques reclamados por movimentos associados ao grupo extremista Estado Islâmico – reiterando que os grupos rebeldes não possuem atualmente qualquer base na região.

De acordo com dados de junho das Nações Unidas, mais de 189.000 pessoas foram forçadas a abandonar as suas casas desde o final do ano passado em Cabo Delgado, a maior deslocação desde o início do conflito, que matou mais de 4.000 pessoas e provocou mais de 700.000 deslocados desde 2017.