O secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, alertou esta quarta-feira para o risco de “danos irreparáveis” do avanço israelita na Cisjordânia ocupada, onde a própria geografia “está a ser constantemente alterada” por Israel.

“Os desenvolvimentos recentes estão a colocar em jogo qualquer perspetiva de uma solução de dois Estados [Israel e Palestina]. A geografia da Cisjordânia ocupada está a ser constantemente alterada através de medidas administrativas e legais israelitas”, disse Guterres, num discurso que foi lido numa reunião do Conselho de Segurança da ONU pelo seu chefe de gabinete, Earle Courtenay Rattray.

O líder da ONU defendeu que as medidas israelitas “estão a minar” a Autoridade Palestiniana, paralisando a economia dos territórios ocupados e provocando instabilidade, recordando ainda que, este mês, o Gabinete de Segurança israelita aprovou “uma série de medidas punitivas” contra a liderança política palestiniana.

As medidas incluem a legalização — ao abrigo da lei israelita — de cinco postos avançados israelitas na Cisjordânia ocupada, o avanço de milhares de unidades habitacionais em colonatos e demolições em partes da Área B na Cisjordânia ocupada.

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O alerta de Guterres foi feito no debate trimestral do Conselho de Segurança sobre a situação no Médio Oriente, com foco na questão palestiniana, que foi presidido por Serguei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia—- país que assume este mês a presidência rotativa deste órgão da ONU —, e que contou com a presença de dezenas de países, incluindo Portugal.

Ainda sobre a situação na Cisjordânia ocupada, Guterres alertou para os planos de Telavive de apreender “grandes parcelas de terra em áreas estratégicas” e para “as mudanças no planeamento, gestão de terras e governação”, que deverão acelerar “significativamente a expansão dos colonatos”.

Estas mudanças incluem a emissão de duas ordens militares no final de maio, que transferiram poderes e nomearam um deputado na Administração Civil de Israel, “o que é alarmante”, frisou o secretário-geral.

Esta medida constitui mais um avanço significativo na transferência de autoridade em curso sobre muitos aspetos da vida quotidiana na Cisjordânia ocupada, e mais um passo no sentido da extensão da soberania israelita sobre este território ocupado, observou.

“Se não forem abordadas, estas medidas correm o risco de causar danos irreparáveis”, vincou Guterres.

O ex-primeiro-ministro português abordou também a persistência de elevados níveis de violência na Cisjordânia ocupada, por forças de segurança israelitas, colonos e grupos armados palestinianos.

Entre 7 de outubro de 2023 — quando o grupo islamita palestiniano Hamas atacou Israel — e 17 de julho último, 557 palestinianos — incluindo 138 crianças — foram mortos na Cisjordânia ocupada, incluindo Jerusalém Oriental.

A grande maioria, assinalou a ONU, foi morta no contexto das operações de segurança israelitas. Estes incluem 540 mortos pelas forças israelitas, 10 por colonos israelitas e sete cuja autoria permanece desconhecida.

Durante o mesmo período, 22 israelitas, incluindo nove membros das forças israelitas, foram mortos por palestinianos em Israel e na Cisjordânia ocupada, incluindo Jerusalém Oriental.

Sobre a guerra em Gaza, Guterres reiterou os apelos a um cessar-fogo no enclave palestiniano, avaliando que a situação humanitária no local é “uma mancha moral para todos”, num momento em que o sistema de apoio “está perto do colapso total”.

“Nenhum lugar em Gaza é seguro. (…) As doenças transmissíveis estão a aumentar. (…) A ilegalidade e a criminalidade são galopantes. (…) Há um colapso total da ordem pública. E o espetro de novas repercussões regionais aumenta a cada dia”, refletiu.

Num balanço dos sete meses de guerra em números, Guterres indicou que mais de 38 mil palestinianos foram mortos, citando dados Ministério da Saúde em Gaza — controlado pelo Hamas — que dá ainda conta de cerca de 87 mil feridos e milhares de desaparecidos — muitos dos quais são mulheres e crianças.

Além disso, mais de 1.500 israelitas e cidadãos de outras nacionalidades foram mortos, segundo fontes de Israel, com mais de 7.000 feridos e 125 reféns ainda detidos em Gaza.

“E esta terrível guerra tem de acabar. (…) Garantir que a governação seja restaurada em Gaza sob um governo palestiniano único e legítimo é essencial para esse esforço”, concluiu Guterres, defendendo a solução de Dois Estados, com Israel e um Estado Palestiniano “independente, democrático, contíguo, viável e soberano” a viver “lado a lado em paz e segurança, num ambiente seguro e fronteiras reconhecidas, com base nas linhas anteriores a 1967, com Jerusalém como capital de ambas”.