Mais inquéritos pendentes, mais processos de cibercrime, de violência conjugal e de tráfico de droga e acusações em apenas 2% dos inquéritos concluídos — assim é o balanço feito pelo Ministério Público em relação ao ano passado. O relatório foi divulgado esta segunda-feira e deverá ser agora analisado pelos deputados antes da audição no Parlamento de Lucília Gago, Procuradora-Geral da República, marcada para o dia 11 de setembro.

O relatório deveria ter ficado concluído até 31 de maio e a Comissão de Assuntos Constitucionais requereu o acesso ao documento até ao dia 26 de julho, para que os deputados pudessem analisar os dados até à audição, mas o mesmo acabou por ser entregue uns dias mais tarde.

Acusações em apenas 2% dos inquéritos concluídos

De acordo com o relatório síntese do MP, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) fez 24 despachos de acusação para julgamento em 2023 num total de 1.142 inquéritos concluídos, o que representa apenas 2,1%. o departamento especializado na criminalidade mais complexa processou 1.967 inquéritos, dos quais 1.382 entrados no ano e 585 que transitaram de 2022.

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Entre os 1.142 inquéritos terminados pelo DCIAP, três deveram-se ao mecanismo de suspensão provisória do processo, 131 foram alvo de arquivamento e 984 foram considerados findos por outros motivos, como a remessa a outros departamentos ou a incorporação noutros processos.

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O relatório assinala o aumento de 36% nos inquéritos abertos pelo DCIAP no ano passado face a 2022, quando foram instaurados 1.016.

Já o número de inquéritos dados como terminados em 2023 (1.142) registou um crescimento de 24% face aos 921 findos em 2022, embora sejam menos do que os 1.382 que deram entrada neste departamento.

O MP reconhece que os dados sobre as acusações formuladas pelo DCIAP se situam “abaixo da média global nacional” e que os mesmos “são condicionados pela natureza e complexidade da criminalidade” sob a esfera de competência desta estrutura, bem como pela dimensão dos processos e pelo número de inquéritos instaurados “por força das suas competências de prevenção criminal e de denúncias apresentadas na plataforma Corrupção Denuncie Aqui“.

No entanto, o relatório aponta também que as 24 acusações são mais do que as 22 efetuadas em 2022, visando as áreas da criminalidade económico-financeira, o branqueamento de capitais, o cibercrime, a criminalidade organizada ou grupal, os crimes fiscais e o tráfico de droga, entre outros.

Relativamente à prevenção do branqueamento, o DCIAP instaurou 18.096 procedimentos de prevenção em 2023, mais do que os 14.393 de 2022, e que levaram à suspensão de 1.203 operações bancárias, no valor de 167 milhões de euros (145 ME em 2022), 20,4 milhões de dólares e 19,5 milhões de libras. Foram ainda instaurados 920 novos inquéritos neste âmbito, quando em 2022 deram origem apenas a 716 inquéritos.

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O relatório do MP adianta também que o DCIAP pediu a intervenção do Gabinete de Recuperação de Ativos (GRA) em seis inquéritos, com as apreensões e arrestos aqui decretados a ascenderem a 160 milhões de euros.

Além do DCIAP, a ação do GRA foi desencadeada em mais de 80 casos a nível nacional em 2023, nos quais foram apreendidos ou arrestados bens e valores num montante superior a 4,5 mil milhões de euros.

Aumento de processos de cibercrime, violência conjugal e tráfico de droga

A cibercriminalidade (que inclui burlas informáticas) lidera o número de inquéritos instaurados em 2023 pelo MP, com 41.752 processos, um registo superior aos 39.995 abertos em 2022 ou aos 34.731 de 2021. Esta atividade traduziu-se em 1.205 acusações e em 31.135 arquivamentos, além da suspensão provisória do processo aplicada em 262 inquéritos.

Logo a seguir nos dados do relatório síntese do MP sobre diferentes fenómenos criminais surgem os processos relacionados com violência conjugal, responsáveis por 36.558 inquéritos abertos em 2023, enquanto em 2022 tinham sido instaurados 35.626. Foram considerados concluídos 36.532 processos, dos quais 5.372 levaram a acusações e 2.653 a suspensões provisórias, registando-se ainda o arquivamento de 21.853 inquéritos.

O terceiro fenómeno criminal mais expressivo a aumentar foi o tráfico de droga, com 9.112 inquéritos abertos no ano passado, quando em 2022 tinham sido instaurados 7.272 e 5.608 em 2021. Apesar de abaixo dos inquéritos por crimes rodoviários (13.068), que diminuíram face a 2022, o tráfico de droga gerou ainda assim 2.299 acusações, tendo sido arquivados 4.254 casos.

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Em quinto lugar entre os fenómenos criminais mais expressivos na atividade do MP em 2023 estão os inquéritos por crimes económico-financeiros, com 8.782, nos quais não se incluem os processos relacionados com corrupção e afins (1.808) ou por branqueamento de capitais (1.734), sendo que estas duas áreas registaram igualmente um crescimento do número de inquéritos abertos face a 2022.

Houve ainda um aumento do número de processos por crimes fiscais em 2023, ao darem entrada 6.702 (5.739 em 2022 e 5.487 em 2021). Foi proferido despacho de acusação em 1.774 processos, suspensos provisoriamente 549 casos e 3.300 inquéritos foram arquivados.

Entre outros fenómenos destaca-se ainda o crescimento muito significativo dos processos abertos por crimes de violência nas escolas, com 958 inquéritos em 2023, mais do dobro relativamente aos 467 registados em 2022. O MP avançou aqui com 50 acusações e arquivou 573 investigações, tendo ainda aplicado a suspensão provisória em 42 casos.

“De entre os fenómenos criminais que maior aumento registaram entre 2022 e 2023 assinalam-se os crimes de tráfico de estupefacientes (25,3%), os crimes ambientais (26,5%), os crimes de branqueamento de capitais (32%), os crimes económico-financeiros (46,6%) e os crimes de violência em comunidade escolar (105,1%)”, resume o relatório.

O documento sinaliza ainda um aumento do número de processos por crimes relativos a polícias, com 2.184 em 2023 contra 1.934 em 2022. Por outro lado, registou-se uma descida nos inquéritos por crimes contra profissionais de saúde, ao registarem-se 118 novos processos face aos 150 do ano anterior.

Mais de 300 mil processos pendentes

O Ministério Público (MP) terminou 2023 com mais de 300 mil processos pendentes, devido ao aumento do número de inquéritos abertos no ano passado.

O documento refere que o MP movimentou 732.877 inquéritos no último ano, entre 480.208 novos processos e 252.669 que transitaram de 2022, e que fica acima do total de 658.349 inquéritos movimentados desse ano. Esta realidade representa um aumento de 10,4% nos novos processos instaurados face aos 435.042 de 2022.

“Foram concluídos 428.458 inquéritos, o que representa cerca de 58,1% do total de inquéritos movimentados no ano, e um aumento de 4,3% de inquéritos findos relativamente a 2022, ano em que findaram 410.808 inquéritos. Ficaram pendentes para o ano judicial seguinte 304.419 inquéritos”, pode ler-se no relatório síntese do MP.

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O número de inquéritos concluídos ficou 10,8% abaixo do número de novos inquéritos, com o MP a assumir ter ficado aquém das suas metas: “No ano de 2023, ainda não se atingiu o objetivo de findar mais inquéritos do que o número de inquéritos entrados”.

O relatório refere também que foi feita acusação em 46.966 inquéritos, aos quais se juntam ainda 14.397 casos nos quais foi aplicada a suspensão provisória do processo, o que traduz o exercício da ação penal com indiciação em 61.850 inquéritos. Por outro lado, o MP indica o arquivamento de 316.476 processos.

Em 2023 foram enviados para julgamento 63.105 processos. No último ano foram julgados 48.746 processos, com o MP a conseguir a condenação total ou parcial em mais de 42 mil julgamentos (cerca de 87%), restando pouco mais de seis mil julgamentos que terminaram com decisão de absolvição.