A documentação divulgada pelos Arquivos Nacionais britânicos revela que algumas vítimas dos abusos nazis pediram indemnizações na década de 1960. Cerca de 4 mil pessoas inscreveram-se através do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido entre 1964 e 1965 num fundo de 1 milhão de libras pagas pela Alemanha Ocidental às vítimas do nazismo e um quarto das reivindicações foram bem-sucedidas, revela a BBC.

O fundo destinava-se a compensar sobreviventes de campos de concentração que não tinham sido indemnizados pelo regime alemão em 1953. Muitos pedidos foram rejeitados porque embora tivessem sido feitos por vítimas do nazismo – prisioneiros de guerra ou civis – a sua prisão havia sido legal. E outros não tiveram direito a receber qualquer verba porque não eram cidadãos britânicos.

Dos documentos dos Arquivos Nacionais britânicos fazem parte testemunhos, alguns deles brutais, de sofrimento e perseguição, bem como as respostas dos funcionários do ministério encarregados de administrar o fundo.

Entre os relatos que constam do arquivo histórico, figuram os de um oficial da Força Aérea (Royal Air Force, RAF) e de Violette Szabo, que na noite de 24 de março de 1944 participaram da “Grande Fuga”. Assim ficou conhecida a fuga de 76 aviadores aliados do recinto norte do Stalag Luft III, um campo de prisioneiros de guerra na região onde atualmente se encontra a Polónia ocidental.

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Um dos pedidos rejeitados foi o do piloto Bertram ‘Jimmy’ James, que participou da ‘Grande Fuga’ e que foi enviado para um campo de punição conhecido como Sonderlager A no campo de concentração de Sachsenhausen, a norte de Berlim. Segundo os documentos arquivados, em 1964, trabalhava para o Ministério das Relações Exteriores como um agente consular na embaixada britânica em Praga.

O ficheiro com o seu nome inclui um relato escrito à mão dos anos que passou em cativeiro sob o jugo nazi, incluindo a sua prisão com outros dezoito presos, seis deles britânicos, em Sachsenhausen. O testemunho inclui também o período que passou em solitária, devido a uma tentativa de fuga mal-sucedida. O piloto chegou a reconhecer que as condições em que esteve preso não foram tão duras como as de outros prisioneiros e nem sequer tinha sofrido uma incapacidade permanente, embora tivesse afirmado que foi “uma que eu teria preferido ter evitado”, cita a BBC.

O seu pedido de indemnização foi rejeitado porque embora tenha sido considerado prisioneiro de guerra, não foi vítima de “perseguição nazi”. No entanto, a injustiça com que foi tratado levou a que os seus colegas pilotos que estiveram envolvidos na “Grande Fuga” denunciassem a situação nos jornais. O alarido mediático levou a que fosse aberto um inquérito e as vítimas de Sachsenhausen também foram ressarcidas.

Em 1968, Bertram ‘Jimmy’ James recebeu 1.192 libras e 15 xelins (cerca de 1.500 euros, em valores atuais).

O precedente que permitiu outras reivindicações

Segundo revelam os documentos arquivados, a decisão sobre o caso de James fez com que outras vítimas – cujos nomes têm sido apagados ou redigidos por motivos de proteção de dados pessoais – reivindicassem compensações.

Um ex-soldado anónimo do regimento Cameron Highlanders pediu uma compensação em 1964. Justificou o pedido pela “perseguição sofrida em quatro campos de punição” e descreveu-se como “fugitivo inveterado e problemático”. O pedido foi rejeitado, mas em 1968, na sequência da decisão sobre Sachsenhausen, escreveu uma longa carta de indignação perguntando se era preciso apelar à Câmara dos Lordes para ser indemnizado, conta a BBC. Nunca chegou a sê-lo porque após solicitação do Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico às autoridades alemãs de provas do seu cativeiro, estas não encontraram registo algum. E quando foi convidado a fornecer detalhes sobre a sua história, nunca respondeu.

Tania Rosandic, filha de Violette Szabo, agente do Executivo de Operações Especiais britânicas que morreu no campo de concentração de Ravensbrück também pediu uma indemnização. Foi um amigo de Szabo que escreveu a partir de Irlanda a pressionar para que o pedido fosse aceite, o que aconteceu. A menina recebeu 2.295 libras e 15 xelins de compensação (cerca de 2900 euros, em valores atuais).

Muitos dos que pediram compensações, como o habitantes do arquipélago britânico Channel Islands (no Canal da Mancha) que foram presos pelos ocupantes nazi e levado para a Alemanha como trabalhadores forçados. Harold Le Druillenec, um dos habitantes de Jersey foi para o campo de Bergen-Belsen e foi o único sobrevivente britânico.

“Reinava a Lei da Selva”, escreveu ele do campo, “o canibalismo era galopante”. Tinha como tarefa mandar os corpos dos mortos para as valas comuns, embora estivesse muito fraco para a cavar os buracos. Mais tarde, provou em julgamento de crimes de guerra e recebeu 1.835 libras de indemnização (cerca de 2.325 euros, em valores atuais).

Outros pedidos não foram bem-sucedidos, como o de Ludmila Kokrda. Passou cinco anos e meio como prisioneira nazi incluindo um ano no campo de concentração de Ravensbruck. Fez trabalhos forçados nos campos, mas ela e o marido – um coronel do exército checo, ambos tinham fugido para a Grã-Bretanha duas vezes para escapar aos nazistas, e mais tarde os comunistas – não eram cidadãos britânicos.

Jeremy Thorpe, líder do Partido Liberal, esteve encarregue do seu caso mas isso não impediu que o seu pedido fosse rejeitado.