Em dia e fim de semana de Orçamento do Estado, o país político no Continente corre o risco de relegar as regionais dos Açores para segundo plano. Esta sexta-feira é o último dia de campanha para as eleições na região autónoma. No meio do Atlântico, a oposição não atira a toalha ao chão, com um objetivo comum: tirar a maioria absoluta ao PS e a Vasco Cordeiro, o presidente do governo regional. Há uma mão-cheia de pontos que ajudam a perceber o que se passa na política do arquipélago. Cinco pontos sobre o que se passa nos Açores desde o “Cordeiro em pele de lobo” até à “geringonça” regional.

Quem são os protagonistas na corrida açoriana?

São seis os principais concorrentes aos lugares na Assembleia Legislativa Regional dos Açores. Um partido tem uma liderança bicéfala. Outros lutam por uma renovação ou pela própria afirmação. Todos procuram reduzir a vantagem do homem que ocupa o cargo.

PS: Vasco Cordeiro, o sucessor

Ao sucessor de César não basta ter uma maioria absoluta, é preciso repeti-la. Em 2012, Vasco Cordeiro conseguiu manter a dinâmica de vitória do PS na região e (também por isso) nas hostes socialistas esperava-se outro passeio no parque. Para já, as sondagens confirmam. Vasco Cordeiro — que é mais um “lobo”, acusa a oposição — chegou a presidente do Governo Regional dos Açores ainda antes dos 40 anos depois de ter sido eleito deputado regional com apenas 23. É delfim e escolha pessoal de Carlos César, o que leva a que os seus opositores digam que, na verdade, é Cordeiro que manda na região, mas é César que manda em Cordeiro.

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As sondagens têm sido animadoras para Vasco Cordeiro e, a confirmarem-se, é o caso em que o aprendiz ultrapassa o mestre. A última conhecida dá mais de 66% ao candidato socialista. Para o próximo mandato elegeu como prioridade uma estratégia de combate à pobreza.

Vasco Cordeiro tem 43 anos e lidera há quatro o governo regional dos Açores. Foi precoce em tudo. Presidente do grupo parlamentar regional aos 27 e secretário regional (equivalente a “ministro” na região) aos 30, de onde só saiu para a corrida para o governo regional. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, foi na cidade dos estudantes que cantou como finalista e fadista, junto à Sé Velha, o que agora pretende evitar: A balada da despedida.

PSD: Duarte Freitas, e o corte com o passado

O principal adversário de Cordeiro é Duarte Freitas, que tem o papel ingrato de tentar recuperar o poder na região para o PSD, perdido há 20 anos. E tudo depois de “matar o pai”: afastou Mota Amaral das listas à Assembleia da República. Nas legislativas de há um ano impôs uma renovação na lista de deputados (e também no partido), que conseguiu levar avante através da introdução do voto secreto. Afrontar Mota Amaral, colocou-o como alvo dos decanos do PSD/Açores. Tem, no entanto, a maioria do partido com ele, bem como o apoio da direção nacional e de Passos Coelho.

Licenciado em organização de empresas, Duarte Freitas é membro da Ordem dos Economistas e a ligação ao partido começou aos 28 anos, quando foi eleito vice-presidente da câmara municipal de S. Roque do Pico. Dois anos depois chegaria a deputado regional, onde ficou até 2004. Neste ano, foi eleito eurodeputado, onde esteve em comissões como Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas).

Já depois de voltar de Bruxelas, Duarte Freitas tornou-se presidente do grupo parlamentar do PSD na assembleia regional dos Açores (em 2011) e nas últimas regionais foi o responsável pelo gabinete de estudos que elaborou o programa eleitoral de Berta Cabral.

CDS: Artur Lima, o dentista que perdeu clientela

Artur Lima volta agora a ser o rosto do CDS nestas eleições. É um médico dentista, que também chegou tarde à política. É presidente do CDS/Açores desde 2007, tendo sido vice-presidente do CDS nacional com Paulo Portas e ocupando vários outros cargos no CDS nacional. A sua referência na política é Paulo Portas, que considera uma “figura de grande generosidade e grandiosidade.” Artur Lima tem insistido em várias projetos de introduzir a aquacultura nos Açores, que têm sido reprovados pela maioria socialista ao longo dos últimos anos. Recusa fazer uma comparação direta sobre Cordeiro e o antecessor, mas revela ter “grande admiração” por Carlos César que considera um “político extraordinário, de mão-cheia”.

Sobre Vasco Cordeiro diz que, “antes, os funcionários do governo e dos municípios PS eram convidados a ir aos jantares e comícios. Passaram a ser convocados. E agora são intimados a ir”. Artur Lima, vê mesmo semelhanças (tal como Aníbal Pires e Paulo Mendes) com a Madeira de Alberto João Jardim: “Estes tiques são mais notórios agora do que no tempo de César. Há tiques de cordeirismo, que não é de Cordeiro é de lobo.

O líder democrata-cristão açoriano diz que “só o CDS pode tirar maioria absoluta ao PS”. No seu consultório, como dentista, continua a “ter como clientes altas figuras do PS”, mas admite que a política “fez com que perdesse clientela.”

BE: Zuraida Soares e Paulo Mendes, a bicefalia no Atlântico

Já o Bloco de Esquerda nos Açores, seguiu a inovação testada por Catarina Martins e João Semedo a nível nacional (entre 2012 e 2014) e tem uma “coordenação paritária”: a professora Zuraida Soares e o psicólogo Paulo Mendes. Zuraida, nas regionais, acaba por ser a primeira figura, pois é a cabeça de lista por S. Miguel e pelo círculo de compensação.

Zuraida Soares tem 56 anos e reside em Santana, Rabo de Peixe. Licenciada em filosofia pela Universidade Católica, foi professora da Universidade dos Açores durante seis anos, após mais de 23 como professora do ensino secundário. É ativista dos direitos humanos e ocupa o cargo de coordenadora do Bloco Açores desde 2004. Na liderança bicéfala, tem a companhia de Paulo Mendes. O bloquista aderiu ao partido aquando das eleições autárquicas de 2005. É psicólogo e tem um percurso profissional em IPSS, ONG e no ensino profissional.

Outro dos rostos da esquerda na ilha é Aníbal Pires, cabeça de lista da CDU. É professor e, não bastava ser “professor Aníbal“, como — quando chegou à Assembleia Regional em 2008 — os colegas deputados chamavam-lhe “Aníbal Silva“, meio por brincadeira, meio para lhe testarem a paciência (com a comparação com Cavaco Silva). Nasceu em Castelo Branco, mas está nos Açores há 33 anos e há mais no Partido Comunista Português: é militante desde 28 de setembro de 1974. Mestre em relações internacionais, Aníbal Pires tem trabalhos académicos sobre a imigração, dedica ainda os tempos livres tempo à poesia e à fotografia.

PPM: Paulo Estêvão, a monarquia do Corvo

E há ainda Paulo Estêvão, eleito pelo Partido Popular Monárquico. Em 2009 foi eleito pela primeira vez deputado pelo Corvo, embora seja natural de Serpa. Voltou a ser eleito em 2012 e o destaque que assumiu levou a que fosse eleito líder do partido (a nível nacional) em 2010.

O que defendem os concorrentes?

O candidato Vasco Cordeiro tem uma estratégia para combater a pobreza que assenta em “três pilares: a educação (a principal ferramenta com a qual os Açores devem combater a pobreza e a exclusão social); o emprego (“criando medidas de desenvolvimento económico” e “medidas que possam qualificar” os açorianos); e os apoios sociais”. Durante a campanha o socialista prometeu assim todo o governo a trabalhar num único objetivo:

Na próxima legislatura queremos criar e pôr em funcionamento uma estratégia regional de combate à pobreza e à exclusão social, chamando não apenas o departamento do Governo que tem essa responsabilidade, mas chamando todos os departamentos do Governo para que, de forma articulada, se possa dirigir medidas para avançarmos na luta e no combate a esses fenómenos”.

Já Duarte Freitas quer aplicar a bandeira da “renovação” que impôs no partido à Administração Pública nos Açores, que quer “despartidarizar” e garantir que “a progressão é feita unicamente pelo mérito”. Em declarações ao Observador, o candidato do PSD aponta como grande medida o “programa gerações, que pretende renovar a função pública, com a reforma de funcionários com mais de 60 anos e a colocação de 1200 jovens quadros na administração regional“. Para Duarte Freitas esta “é uma forma de criar oportunidades sem custos para o Orçamento Regional”, já que os funcionários que entram vão ter vencimentos que custam “duas vezes menos que os que saem”.

O social-democrata explica que “em 16 mil funcionários públicos apenas 37 têm menos de 25 anos e 399 menos de 30” e que, além da renovação, pretende ainda “eliminar 100 cargos de nomeação política”. Duarte Freitas destaca que está “há três anos a preparar um programa eleitoral”, documento que incluiu medidas como “criar um Conselho Económico e Social independente da tutela do governo regional” e a mudança do paradigma de desenvolvimento económico da região.

O CDS tem insistido na economia do Mar (como, aliás, todas as forças políticas), mas também tem feito propostas noutras áreas, como o apoio à natalidade. Artur Lima quer por exemplo aprovar uma medida em que uma família receba 1000 euros por cada filho que nasce e também 1000 euros por cada filho que entra na universidade. O presidente do CDS/Açores pretende ainda desviar três milhões de euros do orçamento do Turismo para acabar com listas de espera na Saúde.

A “grande proposta” do Bloco de Esquerda, como explica o coordenador regional Paulo Mendes, é “a mudança do modelo de desenvolvimento económico da região”, que passe pelo “aproveitamento dos recursos do mar, através do conhecimento”. Para isso defende a criação de um “centro de investigação para as ciências do mar”. O bloquista considera que a economia açoriana não deve ser centrada na “monocultura da laranja” ou do leite, nem na “monocultura do turismo”, devendo ser uma junção de todas estas atividades económicas.

Quanto ao PCP, Aníbal Pires promete que vai insistir no “aumento do rendimento do trabalho nos Açores, que o PCP tem tentado aprovar e tem sido sucessivamente chumbado pelo PS.” Os comunistas propõem ainda medidas mais específicas que “gradualmente favoreçam o rendimento das pessoas, como o fim das taxas moderadoras, manuais escolares gratuitos ou a diminuição do custo de energia elétrica.”

O que é uma vitória? Uma maioria.

O objetivo de Vasco Cordeiro é claro: manter a maioria absoluta e, se possível, aumentar o número de deputados. O atual presidente do governo regional considera que o principal inimigo desse objetivo pode ser a “abstenção” e por isso tem feito uma campanha a apelar aos açorianos para irem às urnas. Em 2012, a abstenção foi de 52,14% e, em 2008, de 53,34%, o que significa que mais de metade dos eleitores inscritos não foram votar. Se perder a maioria, embora ganhe, pode ser entendido como uma meia-derrota, já que as sondagens são (muito) favoráveis.

Tarefa mais difícil tem o candidato do PSD/Açores, Duarte Freitas, que explica em declarações ao Observador que o “objetivo é vencer as eleições” e que acredita numa “maioria expressa.” O PSD quando entra numa corrida eleitoral de dimensão regional ou nacional tem de assumir sempre que é para ganhar. No entanto, fonte do PSD nacional admite ser “muito difícil o PSD vencer as regionais”, considerando que “se Duarte Freitas conseguir tirar a maioria ao PS já é um herói, já tem de ser considerada uma vitória”. Ainda assim, mesmo este ponto parece difícil.

Há um ponto em que a oposição se entende: tirar a maioria absoluta ao PS. O presidente do CDS/Açores, Artur Lima destaca ao Observador que “o objetivo de qualquer partido é ter o maior número de deputados“, mas diz ser “fundamental não haver maioria absoluta“, já que “não há dúvidas que o PS ganha as eleições.”

O Bloco de Esquerda já teve um grupo parlamentar nos Açores, tendo conseguido eleger dois deputados em 2008. Porém, em 2012, desceu para um. Agora o “objetivo será sempre garantir novamente um grupo parlamentar para dar reforço à nossa atividade, já que um grupo dá outros meios que a representação parlamentar não dá.” Para o Bloco se atingir “esse objetivo e ele trouxer como consequência o fim da maioria absoluta do PS, melhor ainda”, já que “a maioria absoluta tem seguido a linha do quero, posso e mando.

O PCP quer exatamente a mesma coisa. Não importa sequer ficar à frente ou atrás do Bloco, mas sim, explica Aníbal Pires, “a eleição de um grupo parlamentar e retirar a maioria absoluta ao PS.” Isto claro sem esquecer a ideia de “retirar completamente qualquer possibilidade de a direita influenciar a governação.”

Pode haver geringonças e PAFs no arquipélago?

Há um motivo pelo qual todos os partidos querem impedir a maioria absoluta do PS: retirar força ao partido. Há outro objetivo que apenas PCP e Bloco de Esquerda podem atingir: influenciar a governação por via de uma “geringonça”, que nenhum recusa à partida.

O coordenador do Bloco de Esquerda, Paulo Mendes não descarta a hipótese mas tudo a seu tempo:

Os açorianos é que terão de decidir. E só a partir de dia 16 é que saberemos se temos condições para a viabilização de um governo de esquerda na região. O BE está longe de ser uma força política sectária.”

O Bloco diz que não teria problemas em “viabilizar qualquer governo à esquerda”, mas com condições. Entre elas, adianta Paulo Mendes, estaria “o emprego com direitos, como alternativa ao desemprego na região” e devolver à assembleia regional “o seu papel deliberativo”, pois avisa: “Não podemos continuar a ter uma assembleia com papel secundarizado, à semelhança do que aconteceu no tempo de Mota Amaral.”

O PCP também atira uma resposta mais taxativa sobre uma “geringonça” regional para depois do dia 16, mas o líder regional Aníbal Pires admite que “o acordo que se fez entre o PCP e o PS, que permitiu a reposição de rendimentos, é um bom objeto de reflexão para o eleitorado açoriano, para que se inverta o rumo de algumas políticas.”

Aníbal Pires diz que, “depois das eleições”, os comunistas estão dispostos a sentarem-se “à mesa”, já que têm uma “boa relação institucional com todos os partidos”. E garante: “O diálogo está em aberto. Depois das eleições, se há entendimento à esquerda, logo se verá.”

À direita, a hipótese de uma coligação parece estar longe de acontecer. O líder do CDS/Açores, Artur Lima, lembra que teve um “diferendo público grande com Duarte Freitas”. E conta: “Tínhamos um acordo, a pedido de Passos e Portas, para haver uma coligação Portugal à Frente (PAF) nos Açores, apertámos a mão e o depois o dr. Duarte Freitas faltou à palavra.” Por isso, e já que dar a mão ao PS está fora de hipótese, Artur Lima é claro: “Não faremos coligações com ninguém”.

Já Duarte Freitas diz-se “sempre disponível para dialogar com todas as forças políticas”, embora possa não ser tão fácil como o PS: “É evidente que quem está há 20 anos no poder já não tem a energia criativa para apresentar soluções.”

Estas eleições têm impacto nacional?

Os candidatos ouvidos pelo Observador (foram quatro dos cinco principais partidos, pois o candidao do PS não falou) recusam que haja uma leitura nacional destas eleições. O líder do PSD/Açores, Duarte Freitas, fala em “total autonomia”. Quanto ao empenho do partido, Duarte Freitas lembra que Passos esteve na rentrée do PSD/Açores no verão e acredita no “total apoio” do líder do partido. É ao presidente do PSD que Duarte Freitas atribuí os louros da “medida mais importante para os Açores nos últimos anos e que levou ao boom do Turismo: a abertura do espaço aéreo. Essa proposta tem o cunho indelével da governação de Passos Coelho.”

Do lado do PS, o primeiro-ministro esteve nos Açores na “pré-campanha”, embora não tivesse participado no período oficial de campanha. O facto de não marcar presença na campanha levou Vasco Cordeiro a esclarecer: “Não tenho a mínima dúvida, nem existe o mínimo facto que ponha em causa o empenho e o apoio quer do secretário-geral do PS, quer do PS no seu todo a esta campanha eleitoral e, portanto, estou perfeitamente à vontade e satisfeito com isso“.

Será difícil, perante uma vitória do PS, António Costa não tentar de alguma forma capitalizar uma vitória do seu partido (a primeira, em termos estritamente técnicos, desde que é secretário-geral). Mesmo que não chame a si os louros, será natural que o líder do partido (ou Carlos César) deem uma dimensão nacional ao resultado quando reagirem a uma eventual vitória do PS.

A nível de líderes nacionais, a campeã das visitas aos Açores foi Assunção Cristas que, de acordo com Artur Lima, “entre pré-campanha, campanha e férias já veio nos últimos tempos nove ou 10 vezes aos Açores”. Isto além de outras figuras como o líder parlamentar Nuno Magalhães ou o vice-presidente João Almeida.

Na mesma linha, além de ter contado com Catarina Martins no último fim-de-semana, o BE/Açores teve visitas nas últimas semanas de Catarina Martins, Marisa Matias e das irmãs (Mariana e Joana) Mortágua.