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Miguel Fontes é presidente executivo da Startup Lisboa desde 2016
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Miguel Fontes é presidente executivo da Startup Lisboa desde 2016

Miguel Fontes é presidente executivo da Startup Lisboa desde 2016

10 anos de Startup Lisboa. "Ficaríamos sempre a perder com uma saída da Web Summit"

A associação de incentivo às startups em Lisboa nasceu há 10 anos. Em balanço, Miguel Fontes (CEO), diz que esta foi crucial para levar a Web Summit à capital e fala do atrasado Hub Criativo do Beato.

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Miguel Fontes, diretor executivo da Startup Lisboa, tem a missão, desde que há seis anos assumiu o cargo, de “ajudar startups”. Acredita que a organização “ajudou de forma decisiva” a criar o “ecossistema” de empreendedorismo na capital. E, além disso, foi crucial para que a Web Summit chegasse à capital e aí se mantivesse. Já o Hub Criativo do Beato, que foi anunciado em 2016, está cada vez mais perto. Porém, o líder da associação alerta que considerar que vai estar completamente concluído antes de 2025 é “irrealista”.

Os 10 anos da Startup Lisboa em números

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Segundo a associação, ao longo de 10 anos houve:

  • Mais de 4.500 candidaturas recebidas;
  • Mais 400 startups apoiadas;
  • Mais de 340 milhões de euros em investimento angariado pelas startups. “Um número que quadruplicou de há cinco anos para cá”, diz a associação;
  • Mais 4.500 postos de trabalho criados (mais “200% quando comparado com 2017”);
  • 13 iniciativas próprias (programas de aceleração – From Start-to-Table, prémios – Prémio João Vasconcelos, hackathons, programas de open innovation) e desenvolvidas em conjunto com empresas nacionais e internacionais;
  • “A gestão e implementação do Hub Criativo do Beato”;
  • “A primeira e única incubadora com morada para empreendedores, a Casa Startup Lisboa;
  • Mais de 100 projetos estrangeiros trazidos para Portugal através do Launch in Lisbon;
  • Depois de 10 anos “70% das startups mantêm atividade, 5% das startups fizeram exits (foram compradas parcialmente ou na totalidade) e 25% das startups extinguiram-se”.

A Startup Lisboa — chamada oficialmente Associação para a inovação e empreendedorismo de Lisboa — foi criada a 2 de fevereiro de 2012 com três associados: a Câmara Municipal de Lisboa (CML), a Associação Mutualista Montepio, o IAPMEI (Agência para a Competitividade e Inovação). Nos últimos anos, entraram outros três sócios de capital privado: a Delta Cafés, a Roland Berger e a Universidade Católica Portuguesa. Agora, como refere Miguel Fontes, que foi secretário de Estado da Juventude nos governos de António Guterres, são estas seis entidades que vão decidir a composição da futura equipa de gestão. É que, no final de 2021, acabaram os mandatos de três anos, o que leva o atual diretor a assumir que poderá estar de saída devido à mudança recente na liderança do município, apesar de excluir que haja influência “político-partidária” na decisão.

Câmara de Lisboa já gastou quase 18 milhões, mas Hub Criativo do Beato continua a ser uma miragem

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Independentemente disso, o homem que foi chamado por Fernando Medina para assumir o gigante projeto de requalificação no Beato — já custou mais de 18 milhões de euros à CML — olha para os 10 anos da associação — principalmente para os últimos seis em que a liderou — como decisivos para a cidade e prevê que, no futuro, a organização continuará a ser crucial para o ecossistema. É que, agora, também graças ao papel da associação, há um empreendedorismo mais “maduro” e pode estar para próximo um novo “boom” de startups em Lisboa.

O Hub Criativo do Beato continua a ser uma miragem? Porque é que está a demorar tanto tempo? A última expectativa que deu foi 2025. 
Estamos da falar da concretização e da conclusão do Beato?

Certo. 
Como sempre disse, e continuo a dizer porque é aquilo que a realidade me diz, julgo que se sabia que o projeto do Hub Criativo do Beato tinha uma enorme complexidade. E essa complexidade vinha também a par da sua ambição. Desde logo, as condições em que foi desenvolvido e construído. É importante perceber isso. É entrar na ‘tecnicalidade’ do processo, mas é impossível não o fazer.

O Hub Criativo do Beato começa por transformar as antigas instalações da antiga manutenção militar sul —  que era um conjunto de fábricas obsoletas e sem funcionar que pertenciam a uma empresa pública, entretanto extinta, a Manutenção Militar — cuja propriedade dos terrenos era do Estado, que estavam no Tesouro (Ministério das Finanças). Foi preciso, primeiro, que o município de Lisboa estabelecesse um acordo de cedência de utilização por 50 anos com possibilidade de a CML (Câmara Municipal de Lisboa) subestabelecer essa cedência a terceiros. Depois, iniciou um processo de aquisição desses terrenos. Hoje já são posse do município. E, depois, o mais importante de tudo: era preciso desenvolver um conceito, um modelo de implementação, encontrar os projetos e os parceiros certos para lá se instalarem.

Aí entra a Startup Lisboa?
Tudo isto foi entregue à Startup Lisboa. É um projeto que teve e tem a nossa coordenação mas que nunca deixou, como é óbvio, de ser um projeto municipal. Ou seja, com imensas interações com imensos departamentos e direções municipais para que possa acontecer. Sabia-se que estávamos a falar de mais de 18 edifícios que iam ter de ser reabilitados num total de mais de 35 mil m2 em que era preciso refazer todas as redes de infraestruturas do Hub Criativo do Beato. Para isso foi preciso primeiro cartografá-las, mapeá-las, conhecer o estado em que estavam, lançar os projetos, pô-los a concurso de acordo com a legislação da contratação pública — porque foi o município de Lisboa que suportou esse investimento — e, ao mesmo tempo, encontrar os parceiros que lá se instalassem. E, aí sim, contratualizar com eles a entrada no Hub Criativo do Beato.

A Startup Lisboa surgiu na capital antes de a Web Summit chegar à cidade pela primeira vez em 2016

Estamos a falar de um modelo que é de colaboração entre investimento público, que tem a ver com essa parte da infraestruturação, do espaço, das redes de água, eletricidade, espaço público e exterior, e investimento privado, que é mobilizado por cada um dos parceiros que lá se vai instalar. Num modelo em que os parceiros antecipam o investimento na recuperação dos edifícios, descontando-se, desde essa altura, nas rendas, que só começam a pagar efetivamente quando o investimento que lá realizou estiver totalmente amortizado. Este modelo tinha, por isso, um conjunto de complexidade diferente de um modelo de dono único que faz tudo. Pelo meio, também houve aqui, como em todas as nossas vidas, um efeito chamado pandemia que trouxe algum atraso em cima desta complexidade.

Como vai agora o projeto?
Agora, o projeto está muito bem — é importante sublinhar isso. Temos um conjunto de espaços em plena obra, estão todos contratualizados. Vai demorar o seu tempo a ficarem todos os espaços e todos os edifícios concluídos, mas isso não vai impedir que a cidade possa, como tem acontecido, beneficiar deste projeto. Não quero ser exaustivo, mas não me canso de repetir esta ideia porque é completamente justa. Nós, Startup Lisboa, conseguimos dar à cidade — em parceria com o município de Lisboa –, mesmo no tempo de projeto e de obra, desde o primeiro dia, o Hub Criativo do Beato. Não ficámos à espera que estivesse pronto e concluído para abrir as portas e ter vitalidade e importância para a cidade. É por isso que, o Hub Criativo do Beato já tem um papel, mesmo sem ainda estar operacional no seu futuro desenho, tão importante para a cidade. Nomeadamente, enquanto localização que tem acolhido centenas de eventos da área cultural, da área recreativa, da área empresarial. Ou seja, um conjunto muito amplo de situações que fez com que os lisboetas já saibam a geografia do Hub Criativo do Beato e para lá convergiram eventos tão significativos como o World Press Photo, festivais de gastronomia, festivais de música eletrónica. E vai assim continuar a ser nos próximos tempos…

Continua a ser 2025 o prazo de conclusão?
Acho que menos que 2025 não é realista. Estamos em 2022. Estou a falar da totalidade. Obviamente que há espaços que vão ficar prontos já este ano. Aliás, alguns estão neste momento a concluir as obras, como é o caso, por exemplo, dos edifícios da praça, que é o projeto ligado à área da restauração. A Factory estará pronta até ao final do ano.

Quando falo em 2025 é sabendo o que ainda falta fazer e sabendo o tempo que estas coisas tomam desde o momento da contratualização do projeto até as obras estarem em condições de arrancarem. Acho que, com realismo, tudo o que seja dizer que é antes de 2025, estou-me a referir à totalidade, é um prazo irreal do meu ponto de vista.

A Fábrica de Unicórnios mudou de alguma forma estes prazos ou expectativas do projeto? 
Com toda a sinceridade, a Fábrica de Unicórnios é um projeto que o novo presidente da Câmara Municipal de Lisboa tem enunciado por várias vezes mas que ainda carece, digamos, da sua densificação para se perceber exatamente o que é, onde é que vai estar, para poder responder eu a essa questão.

Moedas quer instalar Fábrica de Unicórnios no Hub Criativo do Beato

Acho que é um projeto que está neste momento a ser trabalhado por parte do município no sentido de responder a estas duas questões. Em concreto, o que é, em que é que se traduz e onde é que se vai instalar. Nesta fase não posso responder mais do que isto.

A Startup Lisboa é reconhecida por ter sido crucial para a Web Summit ter vindo para Lisboa. É correto? 
Certo. Acho que sim, acho que é correto.

Ainda vale a pena investir em eventos como a Web Summit e, no futuro, tendo em conta o dinheiro que a CML tem de pagar, valeria a pena até investir mais [do que 11 milhões por ano] num evento como este para estar presente em Lisboa?
Respondo sem nenhuma hesitação que sim e explico porquê. Acho que um evento como a Web Summit foi determinante para trazer para Lisboa não um ecossistema, isso não foi a Web Summit que trouxe. Aliás, é o contrário: a Web Summit veio cá instalar-se por reconhecer que aqui havia um ecossistema. Seguramente não teria escolhido Lisboa se aqui tivéssemos um deserto. Isso já é um reconhecimento do ecossistema. Obviamente que temos que ser justos que a Web Summit trouxe consigo uma visibilidade e uma atenção internacional a Lisboa que ela manifestamente não tinha antes de um evento com estas características, o que é fácil de se perceber.

“Quem precisa de 5G, quando tem o sol?”. Um dia a trocar mensagens com Paddy Cosgrave

Portugal não foi propriamente conhecido historicamente por ser um país onde estivessem projetos altamente inovadores, disruptivos, tecnológicos. Se quiser, numa lógica de afirmação externa do país, de marketing estratégico, um evento como a Web Summit é o que chamo o efeito de montra. Não criou nada mas trouxe a montra e a atenção que era absolutamente crítica para dar expressão ao que aqui existia. Com isso, trouxe mais do que visibilidade. Logo a seguir trouxe a atenção de outros players internacionais. Sejam eles investidores de capital de risco que começaram a vir a Lisboa e a Portugal à procura daquilo que chamamos na nossa gíria de deal flow (boas oportunidades de investimento em startups). Trouxe a atenção da comunicação social mais especializada. Trouxe a atenção dos grandes departamentos de IT, de inovação de grandes empresas. Ou seja, concentrou em Lisboa uma atenção que não tinha. Colocou de alguma forma Portugal e Lisboa no mapa.

Esse investimento não pode ser medido, como às vezes vejo, apenas pelos efeitos na economia na cidade e no país nos dias em que se realiza o evento. Ainda que, também aí, só por si, já é um saldo muito simpático — entre dormidas, viagens, restauração, viagens de avião. Mas não é por aí que o país deve medir o alcance de um projeto como o da Web Summit. É precisamente pelo efeito indireto que isso trouxe de projeção do país, de atração da atenção internacional e de talento. Portanto, interromper esse movimento agora seria um erro. Os outros não estão parados. Obviamente, o que estamos a fazer também outras capitais europeias o estão a fazer. A saída da Web Summit agora implicaria duas coisas: interromper esse movimento e, por outro lado, um efeito de arrastamento daquilo que conseguimos trazer para Lisboa ser deslocado para qualquer outro sítio fosse ele qual fosse. Ficaríamos sempre a perder.

"O que estamos a fazer também outras capitais europeias o estão a fazer. A saída da Web Summit agora implicaria duas coisas: interromper esse movimento e, por outro, um efeito de arrastamento daquilo que conseguimos trazer para Lisboa ser deslocado para qualquer outro sítio fosse ele qual fosse. Ficaríamos sempre a perder"

Acho que aquilo que vale a pena continuar a fazer é o de sermos muito exigentes na relação com os promotores da Web Summit, obviamente. E de outros eventos. Aliás, à época, o facto de a Web Summit ter vindo para Lisboa inscrevia-se numa estratégia que não se esgotava na questão da Web Summit, mas que tinha como ambição trazer para Lisboa um conjunto de grandes eventos internacionais precisamente porque reconhecia que Lisboa tinha tudo para poder ser, também desse ponto de vista, um destino competitivo internacionalmente. Era isso que justificava também um conjunto de investimento, ainda que fossem desbloqueados num primeiro momento por via do contrato com a Web Summit, mas cuja a ambição era poder posicionar Lisboa para atrair outros eventos que não exclusivamente a Web Summit. Acho que é o que faz sentido. Nós que lidamos muito com internacionais, com gente que para aqui vem — seja em estadas mais curtas, mais intermédias, mais prolongadas –, o que não nos cansamos de ouvir, e ouvimos com gosto, é: é fantástico estar a trabalhar a partir de Lisboa, Lisboa tem tudo. Portanto, se tem tudo, temos que ter essa ambição de conseguir afirmá-la como uma grande capital internacional a este nível também para os grandes eventos internacionais. Acho que isso tem um efeito de arrastamento sobre o resto da atividade económica. Sou daqueles que não tenho muitas dúvidas em responder de forma muito positiva a essa pergunta.

Tentando resumir a resposta, os 11 milhões anuais é pouco dinheiro que se está a investir, ou estou a interpretar de maneira errada? 
Sinceramente, só não gosto de ser tão concreto nisso por uma razão: não conheço os termos do contrato e, por isso, não gosto de me pronunciar sobre os termos daquilo que não conheço no detalhe. Sei aquilo que é público dos grandes números e sobre o que é público não tenho dúvida em afirmar e, se quiser, em dar o meu testemunho, de que o saldo é claramente positivo. Há um antes e um depois da Web Summit. De facto, é muito dinheiro, mas para aquilo que percebemos que normalmente se gasta em iniciativas, em campanhas, em instrumentos de políticas públicas para dinamizar com os mesmos objetivos, se tivermos essa grelha de análise acho que enquadramos o número de outra forma do que se for apenas apresentado assim: “Epá, 11 milhões para um evento que dura quatro dias”. Acho que o problema está na formulação. Sem querer ser paternalista, procuro sempre ter um registo pedagógico nestas coisas, que é tentar explicar porque é que acho que esse investimento faz sentido. Tenho muito respeito, como todos acho que devemos ter, pelo dinheiro público e pelo dinheiro dos contribuintes. Obviamente que deve ser escrutinado. Agora, sinceramente, acho é um evento que tem trazido a Portugal, não só Lisboa, externalidades evidentes. Acho que isso ninguém pode de boa fé negar.

“Acho que o maior ativo da Startup Lisboa foi ter-se mantido relevante ao longo destes 10 anos na sua missão”

Em dez anos, dos quais está à frente como CEO da Startup Lisboa em seis deles, quais são para si os maiores feitos e que análise faz do que tem sido feito até agora? 
Sem falsas modéstias, temos razões para estar muito satisfeitos e estarmos de parabéns por estes 10 anos de atividade. A Startup Lisboa cresceu com o ecossistema empreendedor da cidade. Posso até dizer que a Startup Lisboa ajudou de forma decisiva a criar esse ecossistema. Nestes últimos 10 anos, a paisagem mudou radicalmente de uma situação em que praticamente não havia nada de relevante a este nível fora do mundo académico para um ecossistema que hoje é, por todos — nacional e internacionalmente –, reconhecido como um ecossistema interessante, vibrante e com vários players. Desde os que se dedicam, como nós, a fazer inovação, que desenvolvem programas de aceleração, espaços colaborativos de trabalho, uma rede de empreendedores residente ou uma comunidade com vida. Acho que o maior ativo da Startup Lisboa foi ter-se mantido relevante ao longo destes 10 anos na sua missão.

A missão é a mesma: ajudar startups no seu tempo de atividade a crescerem, a desenvolverem os seus projetos empresariais. Temos conseguido manter essa missão para continuarmos a manter essa relevância que é reconhecida e que é aferida por diferentes formas, pela quantidade de gente que nos continua a procurar e pelo facto de haver muitas entidades que olham para a Startup Lisboa como uma entidade central no ecossistema. Creio que é por aí.

A Startup Lisboa promove vários projetos para que empreendedores possam criar novas empresas sem tantos constrangimentos

Como é que chegou ao cargo de presidente executivo da Startup Lisboa? 
Tenho um percurso profissional bastante diversificado antes de ter vindo parar à Startup Lisboa. Aqui vim parar por convite de um dos associados, nesse tempo só havia três associados na Startup Lisboa: a Câmara Municipal de Lisboa, a Associação Mutualista Montepio e o IAPMEI. Foi através de um convite que recebi à época da CML, através do seu presidente, Fernando Medina. Como é que vim aqui parar além de ter sido uma escolha dos associados e uma proposta dele? Acho que teve a ver um bocadinho com aquilo que se antecipava na altura que iria ser o desafio maior da Startup Lisboa nestes anos: para além de continuar esta missão que expliquei, pôr de pé um projeto como o Hub Criativo do Beato.

No meu passado profissional tinha cruzado já vários tipos de competências e de percursos. É sempre ingrato falarmos de nós próprios, mas só para dar uma nota mais biográfica: comecei a minha vida profissional ligado muito à atividade política. Primeiro como assessor de um primeiro-ministro, como assessor do engenheiro António Guterres, de 1995 a 1997. Depois, em novembro de 1997, integrei o Governo como secretário de Estado da Juventude até 1999 e, de novo, de 1999 a 2002, quando termino funções ao fim de quatro anos e meio. Aí, a minha vida dá uma volta e vou trabalhar para o setor privado, onde fiquei praticamente nove anos como administrador de empresas. Depois, tive um convite para ser gestor público. Mais cinco anos. A minha experiência profissional mais relevante antes desta foi a de gestor da AICEP Global Parques. É uma empresa que tem a responsabilidade de parques e zonas industriais em que a joia da coroa é a zona industrial e logística de Sines, onde está refinaria da Galp, a EDP, a Repsol com grandes unidades industriais. Tinha esse pelouro e estive cinco anos a gerir esse projeto. Cruzava competências mais políticas de gestão de projeto, de gestão de equipas. O mundo do empreendedorismo por essa via também não me era estranho, nomeadamente nesta área de pôr de pé projetos em que essa experiência ia ser muito relevante para o hub criativo do Beato. Acho que foi isso — ainda que esteja a ser juízo em causa própria — que levou o Fernando Medina a endereçar-me esse convite. Na altura, quando o fez, acho que isso esteve presente desde a primeira hora e aceitei com gosto e aqui estou.

Quantos mandatos é que ainda tem pela frente e como é que funciona esse processo na Startup Lisboa? 
Os mandatos, dos órgãos sociais no seu todo, são de três anos.   Somos uma associação sem fins lucrativos que se rege pelo direito privado e tem, como qualquer associação, três órgãos: a direção, a mesa da assembleia geral e o conselho fiscal. São eleitos normalmente a par para um mandato de três anos. Na direção e no conjunto dos órgãos sociais só eu é que exerço funções como executivo, não há mais ninguém a exercer funções executivas. A Startup Lisboa há pouco mais de três anos cresceu o número de associados de três para seis. Aos fundadores juntaram-se a Roland Berger, a Universidade Católica Portuguesa e a Delta. Hoje, a direção é composta por sete elementos, o que permite que esteja um cada um dos associados e eu como diretor executivo. Os estatutos permitiam ter uma direção de três a sete e, neste momento, está no seu limite superior — permite que todos os associados estejam envolvidos na vida da Startup Lisboa.

"O mandato de todos os órgãos sociais terminou a 31 de dezembro de 2021. Neste momento está-se naquela fase em que é preciso marcar uma assembleia geral. Para além de ter as competências normais -- apreciar o plano de atividades, relatório de atividades, plano de atividades futuros, plano de orçamento -- nesta vai ter a particularidade de ser uma assembleia geral eletiva onde vão ter que ser eleitos todos estes novos titulares destes três órgãos. Ainda não está marcada"

O mandato de todos os órgãos sociais terminou a 31 de dezembro de 2021. Neste momento está na fase em que é preciso marcar uma assembleia geral. Além de ter as competências normais — apreciar o plano de atividades, relatório de atividades, plano de atividades futuros, plano de orçamento — esta vai ter a particularidade de ser uma assembleia geral eletiva onde vão ter que ser eleitos todos os titulares destes três órgãos. Ainda não está marcada. É uma competência do presidente da mesa da assembleia geral e, para já, não há data definida. Como em qualquer associação, assim, os atuais órgãos mantêm-se em funções. Mas diria que o que é expectável é que estará para muito breve esse momento.

É expectável que continue à frente? 
Com toda a sinceridade, é uma questão que, neste momento, não sei como é que vai ser o seu desfecho. Vai depender do encontro de duas vontades. A vontade dos associados, obviamente, se entenderem que sou a pessoa certa para continuar como diretor executivo, e continuar a merecer a confiança, como até agora, dos associados. E da avaliação que faça das condições e da vontade para me manter como diretor executivo. Dependerá obviamente da resposta que sinta face à primeira formulação que fiz. Vamos ver, vamos aguardar serenamente.

Ainda não decidiu então, podemos presumir isso?
Não.

O facto de ainda não ter decido tem alguma coisa a ver com os resultados das últimas eleições que mudaram o presidente da Câmara? Fernando Medina perdeu as eleições. Carlos Moedas entrou e, como explicou, está no cargo graças a um convite que teve do anterior presidente.
Acho que sempre assim foi… mas nomeadamente nos últimos seis anos, em que exerci esta função de diretor executivo, preservei-a de qualquer lógica, instrumentalização ou utilização por parte de quem quer que fosse politicamente. Acho que ninguém encontra nestes anos todos nenhum episódio, nenhum momento em que se possa sentir que a Startup Lisboa estivesse ao serviço de qualquer projeto pessoal ou partidário de quem quer que fosse. É um projeto que se afirmou na cidade, que a cidade reconhece como seu na sua plenitude, que está claramente num patamar que escapa a essas lógicas. Orgulho-me muito, como diretor executivo, de ter conseguido isso.

Sendo consequente com isto, só posso dizer que não vejo nenhuma razão para que haja impacto a esse nível, em função de uma mudança de ciclo eleitoral na presidência da Câmara Municipal de Lisboa, que é um associado entre seis. Matéria diferente é dizer assim: os associados são livres de, obviamente, fazerem a sua avaliação e, por ‘n’ razões, entenderem que sou, ou não, a pessoa que em melhores condições está para continuar no próximo mandato. E com todo o espírito democrático que temos de ter quando somos eleitos, isto é um cargo eletivo, é preciso conhecer essa avaliação dos associados e sobre ela farei a minha. Mas há uma coisa que acho que posso dizer: essa avaliação, espero eu e não há razão nenhuma para pensar o contrário, não vai decorrer em nada de questões político-partidária. Isso seria uma novidade num processo e numa casa com a Startup Lisboa que nunca foi atravessada por esse tipo de questões. Julgo que se merecer a confiança ou a desmerecer espero que seja por razões exclusivamente centradas no meu desempenho e não por qualquer outra razão que não essa. Acho que seria inteiramente uma interferência que não faria sentido de modo algum acontecer.

Não teve esta conversa ainda com Carlos Moedas? Não sabe o que é que esse associado, a Câmara, vai propor? 
Nesses termos, não. Tenho estado a trabalhar normalmente com a Câmara Municipal de Lisboa como com os outros associados. Não houve nenhuma descontinuidade, nenhuma disrupção no meu trabalho nem no trabalho da Startup Lisboa. Nem num sentido nem noutro, ainda não foi questão. Sinceramente, é isso.

Num momento em que se pedia estabilidade, este domingo surgiu estabilidade no Parlamento com uma maioria absoluta do PS. Isso afeta de alguma forma a Startup Lisboa? 
Acho que não. Fosse qual fosse o desfecho destas eleições acho que não afetaria para além daquilo que é o efeito que todas as dimensões da nossa vida social e económica têm em relação à vida política. Esta questão do empreendedorismo, nomeadamente o empreendedorismo de base tecnológica, ligado ao mundo das startups, tem merecido um larguíssimo consenso na sociedade portuguesa que acho que é mesmo transversal a todos os setores partidários e políticos. Acho que temos de ser completamente justos a reconhecer isso. Está longe de ser uma bandeira que polarize politicamente a dizer: A contra B ou B contra A. Ou mesmo C e D. Acredito mesmo que isto é um projeto que toda a gente tem reconhecido a sua importância estratégica não só para Lisboa, como também para o país.

Hoje, é relativamente consensual na sociedade portuguesa que, se quisermos ter uma política de atração e retenção de talento e se quisermos ser mais competitivos em termos económicos numa economia que é muito marcada pelo digital, por processos inovadores, por uma economia assente no conhecimento, se quisermos ser relevantes, este mundo do empreendedorismo e das startups está longe de poder ser olhado como um parceiro menor ou ser dispensável. Acho que isso, em qualquer das situações, é uma área que merece ser valorizada enquanto dimensão da nossa vida social e económica e creio que o tem sido por todos. Não sinto que haja qualquer questão que flutue com os ciclos partidários. Acho que é mesmo uma questão em que todos os principais atores políticos reconhecem a importância que hoje as startups têm para o crescimento económico de Portugal para nos tornarmos competitivos internacionalmente e para conseguirmos atrair investimento estrangeiro para o país.

"É relativamente consensual na sociedade portuguesa que, se quisermos ter uma política de atração e retenção de talento e quisermos ser mais competitivos em termos económicos numa economia que é muito marcada pelo digital, por processos inovadores, por uma economia assente no conhecimento, que se quisermos ser relevantes, este mundo do empreendedorismo e das startups está longe de poder ser olhado como um parceiro menor ou ser dispensável"

Muito do investimento que estamos a conseguir atrair é por estarmos a sediar cá startups internacionais e que depois são cá investidas também. Retemos talento com a criação de emprego qualificado que conseguimos gerar por essa via do mundo mais corporativo e que permite sediar em Portugal grandes projetos tecnológicos. Ou seja, tudo isso é um património que ninguém pode reclamar como seu. Acho que isso protege esta área dessa flutuação normal e saudável da vida democrática. Fosse qual fosse o desfecho [das eleições] o empreendedorismo estaria protegido. Obviamente que o cenário de uma maioria, como em tudo o resto, traz isso. Traz estabilidade, traz previsibilidade, traz confiança acrescidas. Também aqui há expectativa de que isso seja positivo e não negativo.

O empreendedor de hoje em Lisboa é “mais internacional, mais cosmopolita”

Em relação há seis anos, quando entrou na Startup Lisboa, há uma geração de empreendedores diferente? Os perfis são diferentes de quem aborda a Startup Lisboa e de quem a associação aborda? 
Sim, claramente. Há duas ou três características que acho que podemos sustentar nessa diferença. Hoje o ecossistema empreendedor é muito mais cosmopolita, muito mais internacional. Ou seja, quem nos procura, e isso é visível, por exemplo, nas candidaturas que recebemos a cada três meses, são muitos mais projetos internacionais face ao que era antes. Esse peso tem vindo a crescer. Lá está o efeito que falava de colocar Lisboa no mapa internacional. Dois, há menos fluxo empreendedor de nacionais e isso tem muito a ver com o momento que estamos a viver nesta área, que está muito aquecida em termos de mercado de trabalho. Nomeadamente neste setor ligado às tecnologias da informação. É uma área onde hoje, termos muita coisa sediada cá, leva a muita disputa por talento, nomeadamente por perfis que são relativamente raros, mais específicos. Isto tem a ver com gente que sabe trabalhar muito bem nesta indústria do digital, na programação, no marketing digital, na análise de dados, ou seja, todo o catálogo de funções que se desdobra dentro deste grande leque da área das tecnologias de informação ou do digital.

Como é um mercado que está muito aquecido, hoje o custo de oportunidade de alguém tentar ser empreendedor é maior. Consegue ter salários e projetos em termos motivacionais suficientemente motivantes e realizadores para, se calhar, passar a um segundo plano esta vontade de criar a sua própria startup.

Antecipando aquilo que me ia perguntar: estou muito confiante que nos próximos anos vamos ter um boom outra vez de empreendedorismo nacional, que é precisamente uma geração que hoje está a ser exposta a muitos projetos desta natureza, sejam eles startups ou multinacionais. Que está a aprender muito, que está a crescer muito profissionalmente e que, com naturalidade, há de chegar o momento em que o clique se vai dar e que vão ter vontade de criar as suas startups.

A Startup Lisboa está por detrás do prémio João Vasconcelos Empreendedor do Ano, que

Não sei se me perdi na resposta, mas sim, há diferença: mais internacional, mais cosmopolita. Acho que há menos empreendedores nacionais a este nível. Nomeadamente daqueles vindos diretos do banco da universidade. O que vemos é o contrário, um empreendedorismo mais maduro, de gente que já leva arcaboiço de experiências profissionais que cresceu nestes ambientes e que, depois, identifica uma oportunidade, e que quando vem para o mundo das startups, vem com uma robustez diferente do que era se calhar nos primeiros tempos.

Acho que isso é visível pelas métricas que temos tido. Há um ecossistema verdadeiramente fantástico. A quantidade de startups que têm nascido cá, a quantidade de investimento que têm conseguido angariar, de terem sido capazes de se afirmar internacionalmente. Costumo dizer que nós que estivemos atentos reconhecemos isto. Brincando um bocadinho, não é preciso falar dos unicórnios. Algumas chegarão a esse estatuto mítico. Provavelmente poucas, por isso é que se chama unicórnios, mas muitas estão a fazer o seu caminho e a dar cartas. Isso é muito relevante e sinal de um ecossistema que está sólido, que está bem.

Quanto à Startup Lisboa, tendo referido que está mais madura, faz parte dos planos da Startup Lisboa crescer para investir mais e internacionalizar-se? 
Parece-me que faz sentido e o que tenho partilhado com os associados da Startup Lisboa é que obviamente faz sentido a Startup Lisboa crescer e crescer como tem crescido nos últimos anos. Neste sentido, de se tornar mais relevante para a dinamização do próprio ecossistema. Ou seja, não apenas já como incubadora, ainda que seja um papel relevante.

Durante algum tempo houve uma discussão se fazia sentido a Startup Lisboa ser um operador, estar ela própria tão próxima das startups. Sempre fui da opinião que sim. No dia em que percamos essa ligação concreta às startups, aos empreendedores, aos mentores, aos investidores, ficamos num local muito recuado e perdemos muita da vitalidade do nosso trabalho. Mas, obviamente que hoje há uma segunda camada na nossa missão que, além da ligação direta aos empreendedores, tem a ver com este papel central de dinamizador e de juntar pontes nos diferentes players que constituem o ecossistema. Neste segundo nível de missão também faz sentido crescer porque os outros não estão parados internacionalmente. Temos de conseguir continuar a gerar mais empreendedores, a atrair mais empreendedores, atrair mais investimento e alguém tem de fazer isso. Isso não acontece de geração espontânea.

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Dou um exemplo, temos um programa que é o Launch in Lisbon, que fazemos há algum tempo que não é outra coisa que andar à procura de captar projetos e talento para Lisboa vendendo Lisboa como o local certo para estabelecerem as suas empresas e os seus projetos. Isso é um projeto que tem tido retorno. Estas coisas não acontecem se nada fizermos; os outros também se movem.

No próprio Hub Criativo do Beato está previsto que a Startup Lisboa tenha aí o seu espaço novo, grande, com uma enorme ambição para podermos cumprir com qualidade e quantidade. Hoje, temos uma limitação que tentamos mitigar: o facto de estarmos num edifício pombalino na Baixa de Lisboa, com determinadas características, limita, por exemplo, quando as startups precisam de espaço físico e querem estar fisicamente incubadas connosco. Este projeto do Hub Criativo do Beato está desenhado para nos permitir essa agilidade, esse crescimento rápido, sem que tenhamos de as perder. Isso é relevante porque ajuda a criar comunidade para os que estão a começar e a chegar — comunidade é a palavra chave deste projeto, para criar um espaço de confiança, de partilha entre empreendedores, mentores, investidores. Se fizermos bem isso estamos a cumprir bem com a nossa missão. Se nos afastarmos disso, não estamos. O espaço também tem uma função importante para que isso possa acontecer.

Mas internacionalizarem-se depende do futuro? 
Pode vir a ser. A questão não se coloca tanto por via de se internacionalizar no sentido da Startup Lisboa sair de Portugal para outro destino. Diria que é uma internacionalização feita no sentido inverso: continuamos a alargar a fronteira de Lisboa a projetos que não sejam apenas aqueles nascidos em Portugal ou por portugueses. Nesse sentido vejo a nossa internacionalização pela capacidade de continuarmos a atrair cada vez mais e mais empreendedores e projetos internacionais que se venham a estabelecer em Lisboa e em Portugal, em parte ou no todo. Idealmente seria no todo, mas sabemos que muitas vezes é em parte — estamos a falar de empresas que sediam aqui a parte de desenvolvimento de produto, de engenharia, e depois têm outra parte mais comercial e em que o sítio onde estão fiscalmente registadas não é o sítio onde têm a sua força criadora de engenharia. O desafio é criar as condições para que, cada vez mais — isto é um desafio à escala nacional –, Portugal seja também interessante para atrair o maior número de startups possíveis que se queiram mesmo cá instalar. Vai ser obviamente um efeito muito importante para a economia portuguesa. Voltamos assim ao início da nossa conversa, porque não é apenas pelo emprego que criam, mas pelo seu contributo para o crescimento económico e desenvolvimento do país.

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