Catarina Martins teve uma Convenção tranquila internamente (apesar do crescimento dos críticos) que lhe permitiu ter espaço para disparar para fora (para Rio e Ventura) e isso acabou por lhe valer um prémio de inspiração pandémica. Ao mesmo tempo, o estalinismo — de que se queixou o outsider Américo Campos — deu nome ao prémio do ausente Luís Monteiro. Já Francisco Louçã teve direito a um prémio de sonho e Marisa Matias foi premiada só por garantir que “vai andar por aí”. A XII Convenção do Bloco de Esquerda teve menos história do que outras, mas a academia do Observador considerou estarem reunidas as condições para atribuir os habituais prémios de fim das reuniões magnas dos partidos. Eis os 10 “Blocos de Ouro” que dão, em várias categorias, um outro olhar sobre a Convenção.

Prémio Cerca Sanitária. Catarina Martins

Desta vez, não é palavreado pandémico: a cerca sanitária que o Bloco quer impor é mesmo ao Chega, e com ele ao PSD, que acusa de querer levar o partido de André Ventura para um hipotético Governo. No palanque para a última intervenção da convenção, Catarina Martins definiu ponto por ponto a estratégia do partido, que se baseia em polarizar à esquerda, evitando a tentação de falar para o centro, para crescer. Até podíamos dizer que já ouvimos isto nalgum lado — e ouvimos: é precisamente a mesma tese que Pedro Nuno Santos defende — mas a dúvida é outra: para o Bloco, um provável futuro candidato à liderança do PS que tem um discurso tão coincidente com o do BE pode ser uma benção… ou uma maldição. Eleitoralmente falando, claro.

Prémio Nobel da Paz. José Gusmão

Um verdadeiro Dalai Lama: por entre acusações, palavreado forte e muita tensão na geringonça — as críticas ora eram internas, ora dirigidas ao PS e ao PCP — o eurodeputado José Gusmão apareceu no palco no último dia para pedir uma trégua à esquerda, neste caso especificamente com o PCP. A ideia do bloquista era para ajudar o próprio partido a crescer — diz Gusmão que é preciso que a esquerda “fale melhor” para se entender e exigir mudanças ao PS –, mas ficou a falar sozinho: pelo menos na retórica da convenção, o resto do partido dedicou-se a apontar os erros do PCP. E até houve resposta, vinda diretamente do Facebook do comunista António Filipe (desta vez não houve convidados, mas o BE mandou um link ao resto da esquerda para ouvir a convenção em modo teletrabalho). O deputado do PCP acabou a chamar irresponsável ao Bloco por ter posto em causa a governação — não, não era o Facebook de António Costa, era mesmo de António Filipe.

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Prémio Trotsky. Luís Monteiro

Começa a ser tradição os bloquistas apagarem da memória camaradas nas Convenções. Há três anos, depois do caso Robles nem uma imagem, mas ainda ouviu Catarina Martins reprovar a postura. Desta vez, sobre Luís Monteiro nem uma palavra. Ninguém o viu, ninguém falou, ninguém nada. Luís Monteiro desistiu da candidatura autárquica e de assumir qualquer cargo dirigente na direção este fim de semana eleita é certo, mas nem uma palavra ao camarada?

‘Prémio Os Sonhos Não Têm Limites’. Francisco Louçã

Se é para sonhar, que se sonhe o mais alto possível. Francisco Louçã falou apenas uma vez durante a convenção e foi o que bastou para que se fizesse eco das palavras proferidas. “Quando a Mariana [Mortágua] for ministra das Finanças, o Estado não será um porquinho mealheiro para pagar aventuras como a do Novo Banco”, atirou o antigo líder do Bloco de Esquerda. A ambição é elevada, principalmente quando — ao contrário de na última reunião magna em que o partido dizia estar pronto para ser Governo — o Bloco está mais longe do PS e mais enraizado na oposição. Contudo, a frase está dita, foi escrita e o resto… só o futuro o dirá.

Prémio ‘Vou Andar por Aí’. Marisa Matias

“Eu não vou estar por aqui, mas vou andar por aí”. A frase foi dita em tempos por outro famoso derrotado — o eterno menino guerreiro, Pedro Santana Lopes — mas encaixaria bem na eurodeputada Marisa Matias, que chegou à convenção depois da pesada derrota nas presidenciais para avisar que o resultado não foi pessoal, foi do Bloco. Compreende-se o aviso: não deve ser fácil assistir há meses à forma como o partido garante que a derrota, para a qual oferece explicações variadas, não foi bem do partido (nem de Catarina Martins). Não sobram muitas opções.

Prémio ‘Sei o Que Fizeste Na Convenção Passada’. Os críticos internos

Quem esteve na última convenção do Bloco de Esquerda, em 2018, pode ter ficado com a ideia de que a reunião deste fim de semana era de um partido diferente. Há três anos, tudo era ambição; Mariana Mortágua dizia que o Bloco estava preparado para ser Governo; apontavam-se bloquistas ministeriáveis; Francisco Louçã citava Toy Story para prometer que o Bloco iria “até ao infinito e mais além”; os bloquistas quase pareciam prontos para se instalarem em São Bento. As declarações ambiciosas dessa convenção envelheceram mal e (quase) toda a gente parou de falar no assunto, mas os críticos apareceram para pedir contas à direção e lembrar que o objetivo chegou mesmo a existir — e falhou. O que reclamam é precisamente o contrário: defendem que o Bloco deve recuperar a “radicalidade” ou, no mínimo, ser mais exigente com o PS.

Prémio Estaline e companhia. Américo Campos

Américo Campos, da moção C, é o autor da frase que menos se esperaria ouvir numa convenção do Bloco de Esquerda. Referindo-se às três tendências do partido — a leninista, a trotskista e a estalinista — atirou: “É curioso que três russos envolvidos numa revolução mal sucedida, com mais de 100 anos, influenciem um partido de esquerda do século XXI”. Ao longo da convenção, ninguém se ofereceu para esclarecer esta curiosidade.

Prémio melhor sequela. Protagonistas do Bloco

Os mais conhecidos rostos do Bloco de Esquerda mantêm-se os mesmos do que na última reunião magna do partido, há três anos. O treinador Francisco Louçã continua sempre no banco, à distância de um conselho, de uma ordem ou até de um incentivo. E assim foi também em Matosinhos quando subiu ao palco para deixar a previsão de que Mariana Mortágua será ministra das Finanças. A capitã Catarina Martins mantém a braçadeira e a (sua) equipa titular. Desde Mariana Mortágua a José Manuel Pureza, de José Soeiro a Moisés Ferreira, de Marisa Matias a Joana Mortágua ou a Fabian Figueiredo. Os nomes fortes estão lá todos e, depois de mais uma convenção, é possível que seja para durar.

Prémio ‘Até ao interior e mais além’. Direção do Bloco

Ao fim de 22 anos, o Bloco de Esquerda realizou a sua primeira convenção fora de Lisboa. Vamos repetir: ao fim de 22 anos, o Bloco de Esquerda realizou a sua primeira convenção fora de Lisboa. E ainda há quem lamente as décadas que se tem demorado a fazer a regionalização no país. Neste fim de semana voltaram a ouvir-se as críticas de que o BE só se preocupa com o que se passa em Lisboa. Agora, além de Lisboa há também Matosinhos. Talvez um dia os bloquistas se aventurem pelo interior do país. Nos próximos 22 anos, tudo é possível.

Prémio Saco de Boxe. António Costa

O prémio saco de boxe vai para António Costa, mas se o primeiro-ministro tiver fair play dificilmente se ofenderá com as críticas do BE, a que já chamou “partido de mass media” — e não era um elogio — e “desertor”. A agressividade entre os dois partidos não é, por isso, incomum, mas esta convenção foi a primeira depois de o BE ter votado contra o Orçamento do Estado para 2020 e por isso foi preciso subir o volume das críticas e exigências. Antes da convenção, António Costa disse que os partidos se tinham “divorciado”; o Bloco pareceu assinar os papéis e citar diferenças irreconciliáveis (mas tudo enquanto garantia que estão só a dar um tempo).