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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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"A gente é como óleo e água, não se mistura". Choro, ameaças e orações na derrota de Bolsonaro e na vitória de Lula em Brasília

Em Brasília a festa de Lula junto à Torre da TV fez-se após uma tarde morna. Já na Esplanada dos Ministérios, onde estavam os apoiantes de Bolsonaro, só houve orações, ameaças e uma vitória divina.

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Às 21h só um homem, vestido de preto, continuava imóvel de frente para o palco móvel que já estava a ser desmontado na Esplanada dos Ministérios. Foi ali que durante horas uma multidão de verde e amarelo gritou, cantou, orou de mãos ao alto e pediu a Deus para que o “Diabo não prevalecesse”. Acreditaram até já mesmo quando os números mostravam que já não era possível Bolsonaro ganhar. Cristiano Lopes ainda acredita que vai ter de haver uma solução, nem que seja pela violência, porque ele não é “da turma de verde a amarelo que foi com crianças”, ele é “da turma que veste preto”.

“A eleição correu de forma irregular. A Constituição diz que se houver dúvida é preciso recontar quantas vezes forem necessárias. Temos de tirar isso do Tribunal Superior Eleitoral e pôr fiscalizadores internacionais”, começa por dizer o programador informático, deixando uma garantia: “Se eu sentir que a coisa fica complicada, vou defender a minha família. É triste, mas farei o que for necessário, mesmo que seja partir para a violência”.

“Essa eleição não nos será roubada”

Assim que as urnas fecharam, às 17h, a festa vermelha junto à Torre da TV, em Brasília, não era forte — gritava-se “#DeixemONordesteVotar” e cantava-se “está na hora do Jair já ir embora”. Estava longe da multidão que encheu a Esplanada dos Ministérios ao final da tarde, junto ao Congresso Nacional, protegido em toda a volta com grades e muito policiamento — que não tinha autorização para falar com jornalistas.

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Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre a vitória de Lula.

Lula da Silva vai conseguir pacificar o Brasil?

No relvado central a massa humana ia crescendo, enquanto o speaker tentava animar uma festa feita antes de tempo. Eram 18h30 quando foram anunciados os resultados favoráveis a Jair Bolsonaro, nessa altura o atual Presidente ainda ia na frente, com 51% dos votos: “Em São Paulo vai na frente, no Distrito Federal [Brasília], com 98% dos votos apurados Jair Messias Bolsonaro tem 58,4%, em Minas Gerais estamos também na frente com 38% dos votos apurados, e no Rio de Janeiro o capitão está na frente, com mais de 50% dos votos. No Amazonas estamos à frente, os nossos irmãos do Norte não estão dececionando”. Foi o último anúncio sobre resultados nos estados.

A festa Petista às 17h00 - horário do fecho das urnas - era pequena e ainda com pouco apoiantes

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Nos minutos em que, segundo os dados oficiais, Lula da Silva apanhou Bolsonaro, o discurso mudou para um tom mais duro, com os animadores a deixarem várias garantias que iam agitando a multidão. “Essa eleição não nos será roubada, apesar de 80% da imprensa, de forma desonesta, ter atacado o nosso Presidente, deixando tudo desigual”, diziam enquanto um foguete rebentava por cima do edifício do Ministério da Saúde. “O Presidente sabe que tem aqui um exército à sua disposição”.

Foi logo a seguir à música ‘O Capitão do Povo’ — da campanha de Bolsonaro — ter acabado que os resultados começavam a mostrar que “tinha havido virada”, Lula ia na frente. Lorena Pinto não tirava os olhos de desânimo do telemóvel. A professora de dança de 32 anos já estava à espera da vitória do Lula, até pelas “coisas ocultas” que diz existirem nas urnas, mas insistia em não perder a esperança. Ainda faltavam muitos votos serem apurados. “Mesmo que o outro candidato vença, acredito que o Brasil vai estar unido, elegemos muitos senadores de direita que vão fiscalizar o Governo”. Ao contrário de Cristiano, Lorena não acredita que haja violência esta madrugada nem nos próximos dias, até porque o “Brasil só quer paz”.

Ao fim da tarde deste domingo os primeiros apoiantes de Bolsonaro começaram a juntar-se na Esplanada dos Ministérios

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A vitória divina que não foi suficiente para segurar o povo

O trabalho dos animadores era uma missão impossível, manter animadas pessoas que vivem a política como futebol num dia de derrota. Em cima da carrinha uma voz mais rouca e arrastada, possivelmente algum pastor que falava sem se apresentar, anunciava uma vitória divina: “Já ganhámos, porque Deus opera por caminhos que nós não conhecemos”. Nesse momento, havia pessoas com bandeiras do Brasil às costas ajoelhadas com os braços para o céu, outras a chorar e a maioria com o telemóvel nas mãos. Não queriam a vitória anunciada, queriam que Bolsonaro continuasse no Planalto e do palco vinha a resposta. “Vamos orar”. “Acreditamos que tu és o Deus da virada, do impossível. Nós vamos testemunhar […] o Diabo não vai prevalecer, a corrupção não vai prevalecer. As crianças estão orando, a igreja está orando, a família está buscando. […] Não desampare este povo”.

Por essa altura, cerca das 19h30, já pouco podia ser feito: estavam contados 96,73% dos votos e Lula seguia já com 50,71%, contra 49,29% de Bolsonaro.

Assim que a urnas fecharam um momento de oração marcou o arranque da noite que ditava a derrota de Jair Bolsonaro

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Francisco Araújo estava ainda a orar, apertava as mãos enquanto continha o choro. Está com medo do que a Esquerda possa fazer ao país, está com medo dos “valores deles”, da “associação a países que são ditaduras”: “Não estamos a lutar por uma pessoa, mas por valores. Até agora não existia direita no Brasil, éramos enganados por partidos socialistas que se diziam de direita. Já viu que hoje aqui não há a bandeira de um partido, mas a de um país?”

Francisco é médico, na rede pública e na particular, e não tem dúvidas de que a forma como o Presidente lidou com a pandemia foi excelente. Ele mesmo, enquanto médico, prescreveu Cloroquina e Ivermectina aos pacientes — tratamentos cuja eficácia não está cientificamente comprovada. “Tomei duas vacinas e agora estou vendo os efeitos secundários da vacina em vários países”, diz, defendendo que o que aconteceu com Bolsonaro foi “um boicote” por parte do Superior Tribunal Eleitoral e da imprensa, que agiu assim porque Bolsonaro “cortou as regalias”.

“Se perder acho que não haverá violência da nossa parte”

Matematicamente Bolsonaro ainda podia ganhar quando o relógio marcava as 19h45 e Francisco Araújo ainda fala da derrota como uma possibilidade: “Se perder acho que não haverá violência da nossa parte, antigamente é que havia violência, com invasões de terras e outras coisas”.

Nem toda a gente estava desiludida, havia quem estivesse irritado a seguir ao minuto o apuramento dos votos no site do Tribunal Superior Eleitoral. “O meu coração vai ficar na esperança até à ultima hora. E não vamos afrouxar se Bolsonaro perder, ele [Lula] não vai ter um dia de sossego”, diz ao Observador Maria Resende, 51 anos, com raiva na voz: “Porque agora o povo acordou, esses 49% vão continuar dormir para a corrupção. Vamos ter dois países, nós não estamos preparados para ter esse corrupto na presidência”. A empresária acha que o atual Presidente errou ao tirar o apoio à imprensa, “porque assim perdeu-a”, afirma. O marido, Sérgio Resende, 58 anos, também acha que a comunicação poderia ter sido mais bem feita, sobretudo no Nordeste, “onde não chega tanta informação”: “O país está evoluindo economicamente e no assistencialismo, mas a prioridade de Bolsonaro é o trabalho e a renda”.

O speaker ainda tentou motivar os apoiantes de Bolsonaro mas sem grande sucesso

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“Meu Deus!” Maria ainda não acredita no que está a ver e continua: “Como foi possível?”. Naquele momento, três minutos antes das 20h (hora de Brasília) já se anunciava a vitória de Lula. Algumas famílias começam a ir embora, dando costas ao Congresso Nacional e a organização revelava que havia um motivo para manter a mobilização: “O nosso Presidente vai fazer um pronunciamento para vocês, façam lives nas redes sociais avisando amigos, chamem quem está em casa triste”. “Vamos fazer um remake do 7 de setembro, este foi o processo eleitoral mais bonito do país”, gritava a representante das mulheres do Partido Liberal (o de Bolsonaro) de Goiás.

A reunião de Bolsonaro “para decidir o futuro”

O apelo não surtiu efeitos e era repetido por outros speakers de minutos em minutos, com o relvado da Esplanada dos Ministérios a ficar cada vez mais despido de gente. “Ele [Bolsonaro] está tendo alguma reunião agora para decidir o futuro. Chamem as pessoas, chamem o povo, a gente precisa de estar aqui unidos”. E essa união era tentada até com informações sobre alegadas festas de criminosos com a vitória do oponente. “Pessoal, chegou um vídeo aqui de um presídio fazendo festa. Temos um Presidente que respeita a família, não acredito que a festa no presídio vá amanhecer”, diziam com tom provocador.

Raimundo Santos, que vendia pipocas no meio da multidão, não sentia nem metade daquele sofrimento. Ele também votou em Bolsonaro, mas a vida dele será a mesma, “até se o atual Presidente não aceitar o resultado e entregar o poder para os militares”. “Eu sou honesto, para mim vai ser sempre tudo igual, vou continuar a trabalhar e trabalho em qualquer lado”, diz ao Observador o vendedor de 59 anos, explicando que o que o aproxima do Bolsonaro são apenas os valores da família: “Ele é mau de fala e na pandemia não esteve bem e o Lula nos seus 8 anos foi um bom Presidente, colocou a economia boa, deu oportunidade de os mais pobres irem estudar”.

Numa altura que Lula da Silva mostrava estar a aproximar-se de Bolsonaro o ânimo dos presentes começou a ser menor

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Enquanto Raimundo fala, no palco montado na Esplanada dos Ministério volta-se a pedir uma mobilização em massa para ouvir o discurso do Presidente. Era a última tentativa. Pouco antes das 21h o speaker afirma que afinal Bolsonaro não vai falar, que falará mais tarde e que, por isso, “a eleição ainda não acabou”. Mas já tinha acabado. E a três quilómetros dali, junto à Torre da TV, a festa era rija. A organização decidiu fazer um aviso às poucas pessoas que estavam a sair apressadamente ao mesmo tempo: “Vão para casa com Deus, não provoquem os do PT, não passem junto à Torre da TV”. Cristiano era o único que continuava imóvel, a olhar para o palco já com as luzes meio apagadas. Ao longe começava a ouvir-se o buzinar de carros, os apoiantes de Lula aproximavam-se, para fazer a festa o mais perto possível do Palácio do Planalto e do Senado, fechado ao trânsito.

“Fomos nós que derrotámos o fascismo”

Nessa altura, na Torre da TV a multidão já tinha gritado várias frases de ordem, repetindo o que ia sendo dito no palco — “genocida vai embora”,  “agora é Lula”, “o Brasil vai voltar a ser feliz” e “fomos nós que derrotamos o fascismo” — e preparava-se para ouvir a declaração de vitória do futuro Presidente do Brasil. Quando Lula começa a falar, a partir de São Paulo, já estão todos no chão a olhar para o ecrã gigante.

Às 19h58 foi anunciado oficialmente Lula da Silva vencedor das eleições presidenciais

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“Meus amigos e minhas amigas, chegámos ao final de uma das mais importantes eleições da nossa história. Uma eleição que colocou frente a frente dois projetos opostos de país, e que hoje tem um único e grande vencedor: o povo brasileiro. Esta não é uma vitória minha, nem do PT, nem dos partidos que me apoiaram nessa campanha. É a vitória de um imenso movimento democrático que se formou, acima dos partidos políticos, dos interesses pessoais e das ideologias, para que a democracia saísse vencedora. Neste 30 de outubro histórico, a maioria do povo brasileiro deixou bem claro que deseja mais – e não menos democracia”, começou por dizer Lula.

Nayara Salazar estava logo na segunda fila, vestida com a camisola da seleção nacional de Portugal, com três amigos que quiseram ir também festejar a vitória de Lula, ali junto à Torre de TV. A veterinária de 25 anos está a festejar o país que vai deixar para quem fica, porque ela embarcará, esta segunda-feira, por tempo indeterminado para Lisboa, onde tem o sonho de abrir uma clínica veterinária.

As lágrimas da vitória e a mensagem para a Amazónia

Ao Observador conta que o motivo da felicidade é o poder voltar a acreditar que o seu país vai voltar a ser o que era: “Um país livre, de todas as pessoas, de todas as cores, religiões e sem qualquer discriminação à sexualidade”. Não era felicidade de sorrisos, era de emoção. E as lágrimas não eram só delas, ali também se chorava, por motivos muito diferentes dos do choro na Esplanada dos Ministérios.

Lula continua a falar e toca no ponto fraco de Nayara: a Amazónia. Foi isso que a emocionou. “O Brasil está pronto para retomar o seu protagonismo na luta contra a crise climática, protegendo todos os nossos biomas, sobretudo a Floresta Amazónica.Em nosso governo, fomos capazes de reduzir em 80% o desmatamento na Amazónia, diminuindo de forma considerável a emissão de gases que provocam o aquecimento global. Agora, vamos lutar pelo desmatamento zero da Amazónia. O Brasil e o planeta precisam de uma Amazónia viva. Uma árvore em pé vale mais do que toneladas de madeira extraídas ilegalmente por aqueles que pensam apenas no lucro fácil, às custas da deterioração da vida na Terra”, dizia Lula no ecrã gigante.

Assim que já não restavam dúvidas de que Lula da Silva teria ganho as eleições a festa instalou-se junto à Torre de TV

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Nayara há muito que esperava por aquele momento: “Eu amo a natureza, os animais e eles têm de ser preservados mais do que tudo”. A conversa é interrompida pelo grupo de amigos, que a puxa para a roda de samba gigante que ali se formou, sem qualquer organização.

Nesse momento, do outro lado, numa das saídas do recinto onde os apoiantes de Bolsonaro se haviam reunido, os carros misturavam em festa as bandeiras nacionais e as vermelhas do PT. Vanuza Rocha, que tinha saído da Esplanada dos Ministérios, não aguentava já as comemorações, só queria que o seu Uber chegasse: “Vai ser uma noite violenta e isto não vai ficar assim, terá de haver uma intervenção militar ou um impeachment. Não há futuro conjunto, a gente é como óleo e água, não se mistura”.

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