790kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

O número 2 da Rua Primeiro de Dezembro, em Vialonga, Vila Franca de Xira
i

O número 2 da Rua Primeiro de Dezembro, em Vialonga, Vila Franca de Xira

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O número 2 da Rua Primeiro de Dezembro, em Vialonga, Vila Franca de Xira

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A história da família de Lara, a criança que morreu às mãos do avô a quem chamava de "paizinho"

Lara acompanhava o avô nos trabalhos na horta, ia com ele à escola, ao parque e à catequese. Morreu esta madrugada enquanto a mãe estava fora. A história de um crime numa família "normal" de Vialonga.

Na segunda-feira à tarde, Lara chegou a casa pela mão do avô. Era assim quase todos os dias: depois de um dia de escola, a criança de sete anos brincava na rua enquanto o avô apanhava sol num banco de jardim mesmo em frente ao prédio onde moravam, no número 2 da antiga Barra 11 do bairro da Icesa — que agora dá pelo nome de Rua Primeiro de Dezembro — em Vialonga, Vila Franca de Xira.

Quem os viu naquela rotina não encontrou sinais do que viria a passar-se no 1.º andar do apartamento daí a algumas horas. Cerca de dez minutos depois das quatro da manhã, Joana, a mãe de Lara, encontrou o pai, um homem de 69 anos, desorientado depois de esfaquear a criança na zona do pescoço. E também o viu com cortes profundos nos pulsos e no próprio pescoço.

Os gritos desesperados de Joana ecoaram por todo o prédio, e até sobressaltaram quem dormia nos apartamentos vizinhos — ainda que alguns garantam não os ter ouvido e outros admitam ter tido medo de abrir a porta. Joana saiu de casa com a filha ensanguentada nos seus braços, em direção à rua e em busca de quem a acudisse. Não encontrou ninguém.

Voltou então para dentro e chamou o número de emergência. Eram 4h16 de terça-feira. O percurso de Joana, 24 anos, com a filha de sete anos ao colo ainda está evidente nos lanços de escadas no prédio: há gotas de sangue seco nos corredores do prédio, na campainha de um vizinho e junto ao tapete da entrada do 1ºA, cujo acesso está agora vedado por uma fita da Guarda Nacional Republicana (GNR).

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O apartamento onde o crime ocorreu está vedado pela GNR, mas há sinais do homicídio nos corredores do prédio

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Lá fora, o banco onde horas antes um avô cuidava da neta esteve esta terça-feira ocupado por jornalistas e por vizinhos — todos com a mesma interrogação em mente: porquê? Porque é que um homem que cuidava da neta desde pequenina — e que já tinha criado a filha sozinho, desde os oito anos desta, quando a mulher morreu —, numa relação aparentemente saudável, a mataria?

O “paizinho” que tinha uma horta e aproveitava as promoções nos supermercados

Depois de levar a neta à escola, o avô, reformado, ocupava o tempo a cuidar de uma horta logo atrás das “Torres” — os prédios entre a Avenida 24 de setembro e a Estrada do Olival de Fora, onde fica a Associação dos Africanos do Concelho de Vila Franca De Xira. São pequenos terrenos que estão agora lavrados, rodeados de cercas de arame e capim, e com barracas improvisadas de chapa e madeira.

Quando não estava entre enxadas e sementes de couve, onde Lara também passava os dias ao fim de semana, o homem distraía-se em busca das melhores promoções nos supermercados nas redondezas. De vez em quando, depois de apanhar a neta na escola primária, levava-a a um parque infantil ali perto. Ao domingo, depois da catequese da menor, ambos assistiam à missa. E ouviam música em casa.

Havia planos para o futuro no seio da família, dizem os amigos, que se reuniram junto à porta. Joana planeava com alguns deles uma viagem a Cabo Verde no início do próximo ano, à ilha de Santiago, para cumprir finalmente o sonho de explorar as suas raízes paternas e conhecer a família do pai. Contava levar Lara nessa aventura para lhe mostrar a vila do Tarrafal, berço do seu avô, a quem chamava de “paizinho”.

O avô ocupa o tempo numa horta que está lavrada neste momento, a poucos metros da casa onde vive

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Imaginem como devem estar todos lá no Tarrafal”, desabafa um vizinho atrás do outro, à medida que se aproximam dos amigos da família. Uma dessas amigas, visita de casa da mãe de Lara, diz mesmo: “Nada vai confortar o coração da Joana”.

É que aquele avô, cujo nome parece escapar à memória de todos os vizinhos com quem o Observador conversou ao longo do dia, era a figura mais parecida a um pai que Lara conheceu, porque o pai biológico não estava presente na vida da criança. E por isso é que, ao combinar um jantar com o namorado e um convívio com amigos, nada terá feito Joana crer que a filha estava em risco, contam os vizinhos ao Observador. Na verdade, já era habitual que Lara ficasse com o avô quando a mãe ia trabalhar ou tinha planos com os amigos.

Segundo o relato de uma vizinha, ao aproximar-se do prédio, na madrugada desta terça-feira, Joana foi alertada por outro vizinho de que alguém estaria a precisar de ajuda no seu apartamento, porque tinha ouvido gritos havia poucos instantes. O primeiro pensamento dos vizinhos, assumem, agora que se assomam às janelas para observar o aparato na rua habitualmente pacata, foi o de que o avô tinha morrido.

Joana correu em direção a casa e, quando voltou a sair com a filha ao colo, gritou: “Não cheguei a tempo de salvar a minha menina”, contaram os vizinhos ao Observador. Os Bombeiros Voluntários de Vialonga, que ficam a cerca de 200 metros da casa da família, chegaram ao local três minutos depois do primeiro alerta. Pouco depois, o Centro de Orientação de Doentes Urgentes declarou o óbito.

Enquanto amigos, vizinhos e jornalistas se juntam à porta do prédio, uma carteira passa em frente dele e dirige-se para o número ao lado

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Surto psicótico, delírio de ruína ou puro crime? As teorias em cima da mesa

Até àquele momento, a família de Joana — o seu pai e a filha Lara — era “normal”, garante uma amiga da mãe da criança: “Poderia haver sinais de que alguma coisa não estava bem em casa, mas não era o caso. A Lara era muito doce e o avô era reservado, mas muito cuidadoso com a miúda”. A vizinhança só encontra uma explicação para o caso: um surto psicótico.

Esta será uma das linhas de investigação que as autoridades têm em cima da mesa, mas todas as outras estão em aberto — até mesmo a de um quadro de violência doméstica, embora não haja relatos de queixas anteriores da prática desse crime. Em declarações ao Observador, o psicólogo Carlos Poiares explica que só uma perícia clínica pode tirar conclusões sobre o quadro mental do avô no momento do crime. Mas explicou que um surto psicótico acontece quando uma pessoa fica mentalmente desestabilizada e deixa de compreender a realidade como ela é.

“Pode acontecer sem que nada aparentemente o faça supor”, esclarece em tese, “mas também pode estar relacionado com o consumo de drogas, até mesmo medicação de farmácia”. E pode também estar associado a outras condições mentais específicas do indivíduo, como a esquizofrenia. “Não justifica nenhum crime, mas ajuda a perceber porque é que ele aconteceu”, afirma Carlos Poiares.

A tese de um surto psicótico, porém, não parece ir ao encontro de uma informação entretanto avançada pelo Correio da Manhã: a de que o avô terá escrito dois bilhetes dirigidos à filha antes de cometer o crime. Segundo a notícia, num deles, o homem alegadamente dizia temer ficar sem a neta — e colocaria mesmo a hipótese de que Joana e uma tia materna planeavam retirar Lara da sua companhia.

Um vizinho entra no prédio onde Lara morreu às mãos do avô

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O mesmo jornal dá conta de que noutro bilhete, o avô alegadamente confessava que tinha perdido um apoio económico da Segurança Social — e que sem essa fonte de rendimento não conseguiria suportar a família, nem contribuir para a educação da neta. Questionado sobre se a redação destes bilhetes pode ocorrer enquanto uma pessoa sofre um surto psicótico — informações que o Observador ainda não conseguiu confirmar, Carlos Poiares disse ser um cenário pouco provável.

Nesses casos, continua o psicólogo, a pessoa pode não estar a atravessar um surto psicótico, mas continuar inserido num estado de descompensação mental, “fora da realidade, num quadro em que fantasiou estas situações”. Em quadros precoces de demência, pode dar-se o caso de uma pessoa entrar numa situação próxima de um “síndrome de ruína”, em que a pessoa julga não ter condições para sobreviver e em que se autorretrata numa situação miserável que não é totalmente real.

Este tipo de quadros clínicos tem de ser comprovado através de entrevistas ao próprio indivíduo — neste caso, a Polícia Judiciária, que está a investigar o crime, ainda não falou com o principal suspeito, que continua em estado grave no Hospital de Santa Maria. Ou então em conversa com quem convive mais de perto, nomeadamente a própria filha, mãe da vítima.

Há um pequeno jardim em frente ao prédio onde Lara morreu

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Ao Observador, entre mais de 10 vizinhos do bairro da Icesa, apenas um afirmou que o homem “não parecia estar bem”. Junto ao portão para uma das hortas nas traseiras do bairro, um companheiro do avô de 69 anos agora suspeito de ter matado a própria neta admitiu que, nos últimos tempos, o homem estava a comportar-se de forma estranha. Mas “nada que fizesse imaginar” o que aconteceu na madrugada de terça-feira, rematou.

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora