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André Figueiredo, o amigo de Sócrates que "não brinca em serviço"

Foi secretário e deputado do PS e esteve sempre com José Sócrates. Aparece 173 vezes na acusação da Operação Marquês, mas não é arguido. Agora, tornou-se assessor do novo presidente executivo da PT.

O encontro foi combinado através da secretária de José Sócrates. Maria João telefonou ao empresário Carlos Santos Silva, que não atendeu e lhe devolveu a chamada pouco depois. A secretária disse-lhe que estava a ligar a pedido do ex-governante para saber se o encontro com o “amigo” dele podia ser naquele dia 9 de outubro de 2013, daí a uma hora, junto à garagem do prédio da Heron de Castilho, em Lisboa. O “amigo” com quem devia encontrar-se era, acredita o Ministério Público, André Figueiredo, a quem Santos Silva terá entregado 10 mil euros. O “amigo”, que era então deputado do PS, é referido 173 vezes no despacho de acusação contra Sócrates e terá tido um papel importante no incremento de vendas do primeiro livro assinado pelo ex-primeiro-ministro. Terá sido também ele que indicou João Perna para motorista de Sócrates e uma das pessoas de confiança que levou sacos de roupa ao ex-primeiro-ministro quando este esteve preso na cadeia de Évora.

O nome de André Figueiredo volta esta semana a ser notícia por uma ascensão na carreira dentro na PT, onde agora trabalha. O socialista — que está há dois anos na empresa detida pela Altice — passou a ser responsável do gabinete de coordenação e relações corporativas, que depende do novo CEO da PT, Alexandre Fonseca. André Figueiredo tinha chegado à PT no início de 2016 e fazia parte do gabinete de gestão de projetos, que também dependia de Alexandre Fonseca. Ao que o Observador apurou, André Figueiredo foi apresentado por um amigo — que fonte próxima de Figueiredo diz ser de “fora da política” — a Fonseca e, após “três conversas” (ou seja: entrevistas), e acabou selecionado.

André Figueiredo é descrito por quem o conhece como “um amigo muito leal e um profissional com profundo conhecimento das autarquias e de todas as estruturas do país“, descreve ao Observador uma fonte do PS. Conhecia quem era importante conhecer. Também pertencera à comissão parlamentar de Saúde e tinha sido consultor antes de ser deputado.

Alexandre Fonseca é o novo presidente executivo da PT. André Figueiredo é seu assessor

Pedro Granadeiro

Terão sido essas competências que o levaram, há dois anos, quando deixou de ser deputado do PS, a integrar a PT para trabalhar com Alexandre Fonseca, agora promovido a presidente executivo. Alexandre Fonseca começou como administrador com o pelouro da Tecnologia, e, com a sua ascensão, André Figueiredo também subiu. Segundo fonte oficial da PT, André Figueiredo continuará como responsável por projetos corporativos, como até aqui. As relações corporativas tratam das relações dentro da empresa e entre empresas do grupo. André Figueiredo não é o único elemento com uma ligação política neste gabinete. Carlos Sá Carneiro, que foi assessor de Passos Coelho, é também assessor do presidente da PT. O Observador contactou André Figueiredo que não quis fazer qualquer comentário para o artigo.

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“Homem de confiança” e “correio” de Sócrates

André Figueiredo não é arguido na Operação Marquês. Nem nunca sequer foi ouvido. Mas o seu nome é mencionado muitas vezes no despacho de acusação. Voltando ao dia 9 de outubro de 2013, nesse encontro pelas 17h45: as autoridades acreditam que Santos Silva entregou a André Figueiredo 10 mil euros, dinheiro que o empresário terá levantado num balcão bancário através de um cheque de uma conta do BES. Acredita o Ministério Público que este dinheiro serviria para comprar exemplares do livro de Sócrates A Confiança no Mundo, na tentativa de colocar a publicação no top das vendas e pôr Sócrates na boca dos media.

André Figueiredo ajudou a comprar exemplares do livro “A Confiança do Mundo”, assinado por Sócrates

No dia seguinte ao encontro, descreve o despacho de acusação, José Sócrates encontrava-se em Lisboa quando telefonou a André Figueiredo. A conversa foi escutada pelas autoridades: o ex-governante perguntou-lhe se tinha estado com Santos Silva para receber o dinheiro. Mais: perguntou-lhe se a operação “estava em marcha”. Figueiredo respondeu que “andava a reservar” e pediu-lhe que não se preocupasse. “Você deve pensar que eu brinco em serviço, ou quê!…”, acrescentou. O Ministério Público refere que, um dia depois desta conversa, a 11 de outubro, Sócrates se encontrou com ele e lhe entregou outros 10 mil euros — “tendo aquele dividido tal montante em duas partes, uma destinada a suportar os seus gastos pessoais e a outra destinada a custear as aquisições do seu livro, tal como viria a acontecer com outros montantes que posteriormente lhe foram disponibilizados pelo arguido Carlos Santos Silva”.

O despacho de acusação fala ainda dos pedidos de dinheiro feitos por Sócrates a Santos Silva e relaciona-os com a compra dos livros: “Com esta exigência e insistência para a entrega imediata de quantias em numerário, o arguido José Sócrates pretendia garantir que podia custear os gastos decorrentes da sua viagem a Paris, que se realizaria no dia seguinte, 12 de novembro de 2013, bem como pôr à disposição de André Figueiredo quantias para continuação da aquisição da sua obra”.

Segundo o Ministério Público, foi André Figueiredo quem ajudou a preparar o lançamento do livro assinado por Sócrates em Lisboa e no Porto. Terá sido ele quem tratou de encher as salas de convidados.

As autoridades gravaram André Figueiredo em várias conversas com José Sócrates e perceberam que teve um papel fundamental no incremento da venda dos livros. Mas não foi o único. Entre outros amigos que andaram, tal como ele, de loja em loja a comprar livros estão a mulher de Santos Silva, Inês do Rosário, o advogado Gonçalo Ferreira e o motorista João Perna. A diferença é que estes três intermediários depositaram o dinheiro recebido nas suas contas, para depois efetuarem os pagamentos, e foram, por isso, acusados do crime de branqueamento de capitais. O que André Figueiredo não terá feito.

André Figueiredo esteve sempre presente no processo do livro de Sócrates, mesmo antes de ser publicado, refere o despacho de acusação. O então deputado do PS chegou a acompanhar José Sócrates nas reuniões com a editora Babel, que serviam para definir a capa e contracapa do livro, “a existência ou não de cinta em torno do livro, bem como outras questões editoriais que então se colocavam”, descreve a acusação. Também participou em algumas das reuniões iniciais com a empresa de comunicação que se encarregou de acompanhar e divulgar a obra. E, segundo o Ministério Público, foi ele quem ajudou a preparar o lançamento do livro no Museu da Eletricidade, em Lisboa, e na Biblioteca Almeida Garrett, no Porto. De acordo com as autoridades, foi ele quem tratou de encher as salas de convidados.

Segundo o Ministério Público, terá sido André Figueiredo quem tratou de encher as salas de convidados para os lançamentos do livro de Sócrates

Álvaro Isidoro / Global Imagens

Aliás, o plano para que o livro catapultasse Sócrates para as páginas dos jornais começou a ser desenhado ainda antes da publicação do livro. José Sócrates chegou a contactar o funcionário da Babel a sugerir que, caso o livro fosse um sucesso logo na pré-venda, a editora devia emitir um comunicado com essa informação. E até propôs um título para o press release: “Este é o livro mais vendido em pré-venda”.

“A estratégia delineada pelo arguido José Sócrates para fazer aumentar as vendas do seu livro manteve-se nos meses de outubro a dezembro de 2013, com o objetivo de gerar um facto, o sucesso de vendas do livro, que sobressaísse em termos de comunicação social, de forma a potenciar notícias favoráveis à sua imagem, notoriedade e credibilidade, para o que estava disposto a gastar as quantias necessárias, a partir dos fundos que estavam colocados nas contas tituladas pelo arguido Carlos Santos Silva, mas de que sabia poder dispor”, lê-se.

Este plano, no entanto, foi definido quando José Sócrates tinha o saldo da sua conta negativo. Diz o Ministério Público que a única conta bancária que Sócrates tinha, na Caixa Geral de Depósitos, estava com um saldo negativo de 665,58 euros — um saldo que não se refletia na sua forma de vida, nos seus planos e nas conversas telefónicas intercetadas pelas autoridades.

Quando foi interrogado, José Sócrates negou completamente esta estratégia:

José Sócrates: Olhe, posso sr. dr., eu não quero, como digo, quero dizer toda a verdade, eu não tenho, tenho memória disso. Mas que algum dia o André Figueiredo tenha ido buscar dinheiro para me entregar?

Procurador Rosário Teixeira: Não, para… para com esse dinheiro fazer compras de livros?

José Sócrates: Não, não, nunca dei orientações nenhumas ao André Figueiredo para comprar fosse o que fosse. Se algum dia… não tenho memória se o André Figueiredo algum dia foi ter com o Carlos, para que o Carlos lhe entregasse dinheiro para me entregar a mim; não tenho essa memória.

O procurador Rosário Teixeira fez perguntas a Sócrates sobre André Figueiredo, que nunca foi ouvido no processo

Álvaro Isidoro / Global Imagens

Sócrates para Figueiredo: “Aquilo [o servidor da editora] era para entupir pá!”

Depois de ter telefonado ao funcionário da editora e de ter percebido que a reserva de exemplares antes da publicação não estava a corresponder às expectativas, Sócrates telefonou, impaciente, a André Figueiredo. ”Aquela merda ainda não entupiu… ”, disse-lhe. “Pretendia o arguido José Sócrates que as pessoas que haviam sido mobilizadas para se encarregarem de fazer a reserva online do livro fizessem uma reserva massiva, simultânea e ininterrupta, através da Internet, por forma a esgotarem a capacidade de resposta do acesso ao servidor informático para a reserva de livros e que tal fenómeno fosse noticiado na comunicação social”, lê-se na acusação.

André Figueiredo respondeu que andou a fazer “isso” todo o dia, não só ele mas “mais gente ”. Mas Sócrates insistiu que agora se deviam focar no online, “dando ideia de que o que estava a ser feito era insuficiente”. E reiterou qual era o objetivo da operação: “Pois pá, mas era preciso entupir!”. É que, acrescenta no telefonema, “uma notícia” sobre isso dava jeito. André Figueiredo ainda se justificou, fazendo crer ao ex-governante que havia muita gente mobilizada no mesmo objetivo da reserva de aquisição de livros, e alegando ter feito “imensos contactos e que havia muita gente a fazer contactos”. “A maior parte das pessoas só acede à Internet à noite quando chega a casa”, lembrou André Figueiredo.

No despacho de acusação da Operação marquês, descreve-se um episódio em que Sócrates telefona a Santos Silva a dar-lhe indicações para fazer as entregas em "numerário" a André Figueiredo, uma vez que o motorista João Perna se encontrava de baixa médica.

Ainda em fase de inquérito, nos interrogatórios que fez a alguns arguidos, o Ministério Público perguntou diretamente aos arguidos se conheciam um “amigo” de Sócrates, de nome André Figueiredo, e se este tinha feito entregas em dinheiro entre Santos Silva e o ex-governante:

Carlos Santos Silva: É meu conhecido, não é meu amigo. É amigo do sr. Sócrates, mas não estou recordado de lhe ter dado, ao motorista sim, ao sr. engenheiro sim. Pode ter sido a lnês, sim.

João Perna: Eu fiz a campanha com o… eu normalmente fazia algumas campanhas, assim quando me era possível, quando havia campanhas eu entrava nas campanhas de motorista do Partido Socialista… Quando eu poderia também e quando assim o partido precisava. Nesse ano eu trabalhei… fiz a campanha com o dr. Vieira da Silva, andei na campanha com o dr. Vieira da Silva, a fazer o distrito de Setúbal. Quando acabou esse… essa campanha, fiquei uns dias em casa e depois proporcionou-se, o eng. acho que precisava e deve ter comentado com o dr. André Figueiredo, neste caso seria o chefe da minha irmã Paula que trabalha no Partido Socialista e proporcionou-se se eu eventualmente queria ir fazer… trabalhar mais quinze dias para o senhor eng. que era o tempo que ele iria ficar cá…

Gonçalo Ferreira: Sei quem é André Figueiredo (…) E. .. É… É amigo do… do eng. Santos Silva.

Inês do Rosário: Sei quem é o André Figueiredo. (…) Não. Nunca entreguei nada ao André Figueiredo.

Já no despacho de acusação, descreve-se um episódio em que Sócrates telefona a Santos Silva a dar-lhe indicações para fazer as entregas em “numerário” a André Figueiredo, uma vez que o motorista João Perna se encontrava de baixa médica. E a restante intervenção de André Figueiredo assenta, sobretudo, na campanha que fez para vender livros.

Ainda assim, apesar de o Ministério Público referir algumas entregas de milhares de euros a André Figueiredo para a compra dos livros, no final o despacho de acusação faz uma lista de quantos livros cada referido no processo comprou. E conclui que o ex-deputado adquiriu apenas 84 exemplares — por 1263.10 euros. O resto terá sido entregue a equipas que mobilizou para comprar exemplares de Norte a Sul do país.

O crescimento de André Figueiredo no PS

O pai era próximo do PSD, mas aos 13 anos (em 1989) já André Figueiredo andava a ajudar o PS nas disputas eleitorais. A ligação ao PS começou em Seia. Completou aí o ensino secundário, mas em 1993 foi para a Figueira da Foz tirar a licenciatura em Direito na Universidade Internacional. Uma licenciatura polémica, mas essa é outra história. No partido, teve uma subida fulminante.

Um amigo seu de Seia conta que desde cedo se perceberam as suas “qualidades”. Um dirigente do PS do distrito da Guarda acredita que, em 2021, André Figueiredo será “o candidato natural do PS à câmara municipal de Seia” e que “basta querer e ganha”. Na verdade, já podia ter sido presidente de câmara.

Na estrutura local do PS muitos pensavam que André Figueiredo seria o sucessor de Eduardo Brito (presidente da autarquia entre 1994 e 2009), mas uma entrevista a um jornal local — onde criticou o então presidente de câmara — fez com que fosse preterido e “emprateleirado”. O escolhido do PS acabou por ser Carlos Filipe Camelo. O atual autarca vai, porém, atingir o limite de mandatos em 2021 e André Figueiredo, que foi eleito em outubro presidente da Assembleia Municipal de Seia, é uma forte possibilidade para a sucessão.

Em abril de 2005, Figueiredo tornou-se assessor do grupo parlamentar, tendo sido nomeado pelo presidente da bancada, Alberto Martins. André Figueiredo foi apresentado a José Sócrates por Pina Moura num jantar da Guarda, em 2003, e acabaram por descer juntos para Lisboa no mesmo carro, com um amigo de sempre de Sócrates, Fernando Serrasqueiro. Entre conversa e paragens em estações de serviço, André Figueiredo ganhou a simpatia de Sócrates.

André Figueiredo acabaria depois por fazer parte do inner circle da campanha de Sócrates para secretário-geral do PS em 2004. Depois, vai para o Largo do Rato pela mão de Marcos Perestrello (atual secretário de Estado da Defesa), ocupando cargos no partido como secretário nacional Adjunto e secretário nacional para a Organização, cargo que ocupou até à saída de Sócrates do Governo (e do partido).

Em julho de 2010, Sócrates dá uma entrevista a um jornal de Seia, o Porta da Estrela, onde afirma: “André Figueiredo é um dos valores políticos de maior futuro da nova geração do PS”. O jovem beirão conhece então figuras do PS como Jorge Coelho, António José Seguro ou os seus conterrâneos António Almeida Santos, mas foi a proximidade a Sócrates que lhe deu poder no partido.

A acusação (arquivada) de tráfico de influências

Dois anos como dirigente do PS bastaram para ser alvo de polémicas. Tudo começou quando Mário Ruivo ganhou a eleição para a federação de Coimbra por apenas dois votos a Victor Batista — então líder da estrutura –, num universo de 4.526 votos expressos. Foi um processo confuso, contestado por ambas as partes, e que originou um escândalo que durou anos.

O derrotado Victor Baptista tentou impugnar as eleições com base, sobretudo, no argumento de que havia quotas que tinham sido pagas de forma irregular, mas André Figueiredo, então secretário do partido para a Organização, contrapunha a existência de atas de mesas de escrutínio rasuradas e alteradas alegadamente pela fação de Baptista. Era Figueiredo quem geria o partido do ponto de vista administrativo, quem organizava os atos eleitorais das federações, que decorreram todas em simultâneo.

No dia da eleição, as urnas tinham aberto há pouco tempo quando o mandatário de Victor Baptista, Manuel Machado (nessa época ex-presidente da câmara de Coimbra, cargo que viria a reocupar em 2013), pôs em dúvida uns papéis passados pela sede nacional a dizer “gestão de quotas”. Um pouco antes das 21h telefonou para o Largo do Rato. Foi atendido por Ana Almeida, uma jurista do gabinete de André Figueiredo, que lhe confirmou a emissão dos talões e a entrada de um cheque para liquidar as quotas em dívida. Não era apenas um cheque, eram vários, como havia de comprovar a investigação da Polícia Judiciária que se seguiu.

André Figueiredo, aqui numa das muitas visitas à cadeia de Évora, ganhou influência no PS graças à sua proximidade a Sócrates

Luís Branco / Global Imagens

A entrada de cerca de 22 mil euros para saldar quotas de Coimbra na sede nacional na véspera da eleição parecia configurar uma violação das regras. O caso chegou à justiça. Durante a investigação que decorreu ao longo de quatro anos, André Figueiredo foi constituído arguido por tráfico de influências, fraude eleitoral, abuso de confiança, falsificação e financiamento partidário ilícito. Todas as imputações ao dirigente socialista seriam arquivadas. Mas os métodos usados para controlar o partido foram expostos.

Mas a guerra com Baptista seria longa. Segundo Victor Baptista contou na altura, André Figueiredo abordou-o na Assembleia da República, em março de 2010, para lhe perguntar se ia recandidatar-se à federação de Coimbra para um novo mandato. “Questionou-me se não seria o momento para sair, para deixar aquele cargo político”, disse Victor Baptista à Polícia Judiciária. Depois, André Figueiredo terá tentado fazer tráfico de influências. O negócio seria alegadamente este: se Baptista desistisse de se candidatar às eleições federativas de Coimbra, André Figueiredo, ou alguém por ele, arranjava-lhe “um lugar de gestor público no Metro, na CP ou na REFER”. André Figueiredo sempre negou esta versão.

Segundo Baptista contou ao MP, André Figueiredo prometeu-lhe "um lugar de gestor público no Metro, na CP ou na REFER" caso desistisse de se candidatar à presidência da Federação de Coimbra

Mas Baptista repetiu-a no DIAP, com mais detalhes. André Figueiredo terá voltado a tentar comprar a sua desistência através de cargos nas empresas públicas de transportes, especificando um “vencimento de 15 mil euros mensais“. Figueiredo teria igualmente referido “que [Baptista] já tinha feito três mandatos e era altura de também olhar pela vida”. Na interpretação de Baptista, estas ofertas para ser administrador público estavam relacionadas com o facto de Paulo Campos, então secretário de Estado das Obras Públicas no ministério que tutelava aquelas empresas, ser um apoiante de Mário Ruivo. Era conhecido o desejo de Paulo Campos encabeçar a lista de Coimbra, pois é natural de Oliveira do Hospital, concelho para onde tinha acabado de pedir transferência como militante.

Oh André, não sei nada de comboios, nem neles ando!“, terá respondido Victor Baptista ― de acordo com o testemunho ―, ao que Figueiredo terá retorquido: “Há assessores para isso”. O alegado teor da conversa foi revelado em público, numa carta que, depois da derrota eleitoral, Victor Baptista havia de distribuir aos deputados do PS, intitulada “Pela calada da noite!“. O título e o teor da denúncia motivou o interesse dos jornalistas, foi notícia de televisões e deu que falar entre os deputados. André Figueiredo negou sempre, e até no inquérito judicial, o conteúdo da conversa denunciada por Baptista.

O caso tornava-se ainda mais intrincado porque, segundo a investigação do Ministério Público, André Figueiredo teria angariado verbas para pagar quotas junto do seu advogado (ver título abaixo) e de uma empresa fornecedora do partido. Paulo Almeida, um empresário dono de uma gráfica à qual o PS costumava encomendar trabalhos, disse que Figueiredo lhe pediu para aparecer no Largo do Rato na semana que antecedeu as eleições de Coimbra, para lhe pedir um donativo urgente. Solicitou um valor exato e não redondo: 3.978 euros. O empresário falou com a sua companheira e depois seria esta a passar um cheque no seu nome com aquele valor. André Figueiredo diria mais tarde tratar-se de uma “conspiração”. Negou ter tido essa conversa com o empresário e ter-lhe pedido o dinheiro. Deduziu que essa verba tenha sido usada para pagar quotas de outras disputas que estavam a ocorrer no partido.

O estranho caso da licenciatura

Victor Baptista denunciou não só a oferta de emprego, mas também que André Figueiredo teria uma licenciatura falsa. “Só um irresponsável tem uma mente capaz de construir uma coisa destas. […] A mesma mente que se afirma numa entrevista ser licenciado em Direito sem o ser”, afirmou Victor Baptista a um jornal regional.

André Figueiredo terá começado a frequentar o curso no ano letivo de 1993/1994, tendo-o retomado mais tarde. Em maio de 2009, o então ministro do Ensino Superior, Mariano Gago, determina que a Universidade Internacional (UI) da Figueira da Foz tem de encerrar até 31 de outubro e que só poderia, a partir desse momento, concluir os atos necessários à conclusão do ano letivo em curso (2008/2009).

Ora, o diploma de André Figueiredo, com 11 valores, data de 24 de novembro e cerca de um quinto das cadeiras tinham sido concluídos apenas alguns dias antes, através do sistema de certificação de competências (que inclui equivalências). Mas, nessa data, a universidade já não teria Conselho Científico, o único órgão que podia aprovar essas equivalências.

Na sequência desta denúncia, André Figueiredo moveu processos por difamação a Victor Baptista. Para isso, constituiu como advogado Jorge Abreu Rodrigues, um socialista do mesmo escritório de António Ramos Preto, então presidente da Comissão Nacional de Jurisdição do PS.

A meio da investigação da Justiça às eleições internas do PS para a federação de Coimbra, o advogado de André Figueiredo passou a testemunhar contra o seu próprio constituinte.

Jorge Abreu Rodrigues era também o advogado de André Figueiredo quando a Polícia Judiciária começou a investigar as eleições para a distrital de Coimbra. O jurista, no entanto, renunciaria ao mandato por achar que tinha sido traído pelo seu próprio cliente. A reviravolta deu-se depois da publicação de uma notícia no Jornal de Notícias que ligava o advogado à liquidação de quotas no “caso de Coimbra”. A meio da investigação, passou a testemunhar contra o seu próprio constituinte.

Jorge Abreu Rodrigues disse no processo que André Figueiredo lhe telefonou a pedir um donativo. Segundo o depoimento do advogado, no dia 6 de outubro solicitou-lhe “um apoio” para o PS porque o partido estava com problemas de dinheiro. O secretário-geral adjunto especificou que tinha de ser através de cheque, sem dizer que se tratava de um pagamento de quotas. Avançou com um valor exato e não uma quantia redonda, o que o advogado achou estranho. Jorge Abreu Rodrigues preencheu e assinou um cheque no valor de 3.144 euros, a pensar que estava a fazer um donativo ao partido. De acordo com as declarações ao DIAP, não recebeu qualquer recibo que atestasse a entrega daquela verba. Quando soube, mais tarde, através do Jornal de Notícias, que o seu dinheiro tinha sido usado no pagamento das quotas, escreveu um direito de resposta declarando-se alheio aos factos. Disse que ficou “profundamente chocado, perplexo e ofendido” com toda aquela situação: “O cheque foi utilizado abusivamente para um fim que não aquele a que se destinava”.

André Figueiredo diria no mesmo âmbito que nunca teve esta conversa com o advogado: “Quando se dá um donativo o valor é redondo. Não faz sentido, além de que nunca recebi um donativo de ninguém enquanto exerci as funções na direção nacional”. O ex-secretário nacional afirma ainda que esse cheque pode ter dado entrada para pagar quotas de outras estruturas do partido, nomeadamente “da área onde esse cidadão era militante, porque estava inscrito, na FAUL, o que é de todo legítimo. Não estava a infringir qualquer norma legal”.

Duas das fontes contactadas pelo Observador que se cruzaram com André Figueiredo utilizaram a mesma expressão para definir André Figueiredo: “Sedutor”. Nenhum se quis identificar, mas um amigo de longa data disse que André Figueiredo era um “sedutor” no trato com as pessoas e “cheio de qualidades”; um adversário político — dos muitos que foi colecionando — definiu-o igualmente como “sedutor”, embora tenha acrescentado outras características menos elogiosas.

Nos últimos meses, André Figueiredo ter-se-á afastado de José Sócrates. Era ele que tratava da organização de eventos públicos do antigo primeiro-ministro, que contavam com grande aparato e mobilização. Ao que o Observador apurou, esse apoio acabou. Embora André Figueiredo continue a considerar Sócrates um amigo, acabaram por afastar-se. Na origem desse afastamento, estão ideias diferentes sobre aquilo que deveria ser a estratégia de defesa pública do ex-primeiro-ministro.

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