Se a lista de empresas a sair da Rússia aumenta de dia para dia — a Universidade de Yale atualiza a informação hora a hora e já vai em 47 páginas de Excel com nomes de companhias que abandonaram o país ou suspenderam atividade —, há empresas que ou optam por permanecer no país ou alegam que estão impedidas de sair.

A invasão à Ucrânia tem pressionado as empresas com atividade na Rússia a tomar uma decisão pública sobre a continuidade naquele país. Algumas, como a Burger King, já expressaram publicamente a condenação à Rússia pela invasão e dizem mesmo ter pedido aos parceiros russos para fecharam as operações. Mas como, argumentam, estão vinculadas a complexos acordos de franchise, a decisão final cabe aos parceiros russos.

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As norte-americanas DunkinDonuts, a Papa John’s e a YumBrands estão entre as cadeias de alimentação que suspenderam (na teoria, pelo menos) o apoio a unidades na Rússia. Só que essas unidades são geridas através de franchises, empresas que pagam à companhia-mãe pelo direito a exercerem negócio em nome dela e a vender os seus produtos. E as franchises russas decidiram manter muitas lojas completamente operacionais (por exemplo, a Dunkin Donuts tem 20 lojas no país, todas elas operadas em regime de franchise — e todas elas continuaram abertas).

A Burger King, detida pela Restaurant Brands International (RBI), alega que a operadora das suas 800 lojas na Rússia “recusou” fechá-las, apesar da pressão para encerrar os negócios no país — e depois de as concorrentes, como a MacDonald’s e a KFC, terem abandonado. Segundo explica o The Guardian, a marca não pôde fechar toda a operação devido aos complexos contratos com o principal parceiro, Alexander Kolobov, com quem tem uma parceria de joint venture.

“Contactámos o principal operador do negócio e exigimos a suspensão das operações de restauração a Burger King na Rússia”, indicou o presidente da RBI, David Shear, em comunicado. Kolobov, no entanto, “recusou fazê-lo”. “Gostaríamos de suspender todas as operações do Burger King imediatamente na Rússia? Sim. Podemos obrigar a suspensão das operações hoje? Não.” A RBI argumenta que o contrato não completa cláusulas que a permitam romper unilateralmente.

“Nenhum investidor sério, em qualquer indústria do mundo, concordaria com uma relação comercial a longo prazo com cláusulas de rescisão frágeis. É exatamente por isso que dizemos que é um processo legal complicado”, justifica. A RBI está a tentar vender a sua participação de 15% na Rússia. Segundo David Shear, os lucros do negócio no país serão alocados na Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

A vinculação a apertados contratos de franchise é também usada pela Marks & Spencer (48 lojas abertas) e os grupos hoteleiros Marriott (28 hotéis) e Accor (57) como justificação para a permanência no país.

Ainda assim, as marcas tentam mexer com o que podem. Há empresas que colocaram em pausa investimentos futuros (não mexendo, assim, nos já existentes). O grupo hoteleiro Marriott anunciou que iria suspender a abertura de novos hotéis e todos os investimentos futuros na Rússia. O Hilton, o Hyatt e o InterContinental Hotels Group (IHG) tomaram decisões semelhantes.

O Marriott, o Hilton e o IHG também vão encerrar os escritórios em Moscovo — o IHG vai manter os trabalhadores em teletrabalho ou a partir de outros países; e o Hilton garantiu que iria continuar a pagar salários, segundo o The Washington Post.

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Outras empresas invocam preocupações humanitárias, como as farmacêuticas Abbott Labs, AbbVie, AmerisourceBergen, AstraZeneca, GlaxoSmithKline, Johnson & Johnson, Merck e a Pfizer, que mantiveram o fluxo de medicamentos e outros produtos “essenciais”, alegando compromissos humanitários. Já os corretores de matérias-primas Bunge e Cargill (também operam em Portugal) alegam que suspender operações na Rússia iria prejudicar as cadeias de abastecimento mundiais no que toca a produtos essenciais como trigo, milho e níquel.

Por exemplo, a norte-americana Cargill, que se dedica à compra e distribuição de grãos e outros commodities agrícolas, anunciou, no final da semana passada, que iria continuar a operar as suas fábricas dedicadas a bens essenciais, mas que iria reduzir os negócios e parar o investimento. A argumentação é de que a comida é um direito básico, logo, “não deve ser usada como uma arma”.

“Esta região desempenha um papel significativo no nosso sistema global de alimentação e é uma fonte crítica de ingredientes-chave para produtos básicos”, acrescenta. A Bunge também anunciou a suspensão dos negócios na Rússia, mas vai manter a sua unidade de sementes oleaginosas no país, que continuará a servir o mercado interno.

A Fortune nota que outras marcas como a Carlsberg, Danone, General Mills, Kellogg, Kraft-Heinz, Mars, Mondelez, Nestlé Pepsi também estão hesitantes em cortar as relações na totalidade, mantendo os bens que consideram essenciais, como produtos para bebés, fraldas e chocolates. Mas a revista salienta: “Embora as bolachas Oreo, Cadbury e o iogurte de cheesecake da Danone possam ser artigos domésticos sagrados para muitos de nós, dificilmente são necessidades para a vida”.

As empresas que prestam serviços à exploração de petróleo, Halliburton e Schlumberger, também se mantêm apesar das sanções dos EUA. Assim como as tecnológicas Citrix Cloudfare, que alegam compromissos humanitários, e as agências de publicidade Interpublic Group, Publicis, Dentsu, WPP e Leo Burnett.

A Universidade de Yale — pela mão do professor Jeffrey Sonnenfeld e a sua equipa de investigação — também tem uma lista, atualizada a cada hora, com os anúncios das empresas de saída ou permanência. Entre as que se mantêm estão a Auchan, que tem receitas de 3,5 mil milhões de dólares, a Decathlon (tem pelo menos 50 lojas e receitas de 300 milhões de dólares), a Leroy Merlin (receitas de 4 mil milhões de dólares) e a Oriflame Cosmetics (16% das receitas vêm da Rússia).

Há também empresas que ainda não se pronunciaram sobre uma eventual saída: segundo a Universidade de Yale, são elas a Asus, Emirates, Greif, Halliburton, LGElectronics TraneTechnologies. Já a manter a operação estão a AirProducts, Baker Hughes, EmersonElectric, Glencore, Gruma, Internationalpaper, IPGPhotonics, Koch Industries, Metro, Nalco, Natura andCompany, Schlumberger, WeatherfordInternational e a YoungLiving.