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A neuropediatra Rita Lopes da Silva, que acompanha várias crianças que tiveram um AVC, fotografada no seu gabinete do Hospital Dona Estefânia
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A neuropediatra Rita Lopes da Silva, que acompanha várias crianças que tiveram um AVC, fotografada no seu gabinete do Hospital Dona Estefânia

A neuropediatra Rita Lopes da Silva, que acompanha várias crianças que tiveram um AVC, fotografada no seu gabinete do Hospital Dona Estefânia

AVC também atinge as crianças. Em Portugal, há cerca de 60 casos todos os anos (e faltam recursos na reabilitação)

A neuropediatra Rita Lopes da Silva sublinha a necessidade de alertar pais e profissionais de saúde para os AVC em crianças. Na reabilitação, há falta de capacidade do SNS, critica a especialista.

Normalmente associado a faixas etárias mais velhas, o Acidente Vascular Cerebral atinge, na verdade, pessoas de todas as idades. A cada ano, estima-se que ocorram, em Portugal, 50 a 60 casos em crianças. E mais: apesar de raro, o AVC pode dar-se ainda no útero, isto é, antes do nascimento. Em entrevista ao Observador, a neurologista pediátrica Rita Lopes da Silva (do Hospital Dona Estefânia, em Lisboa) revela que, ao contrário dos adultos, em idade pediátrica o AVC hemorrágico (mais grave e letal) é tão comum como o isquémico e alerta para a falta de recursos humanos na área da reabilitação, o que prejudica a recuperação das crianças.

A incidência do AVC em Portugal permanece ainda uma incógnita. Há anos que os neurologistas reclamam a criação de um Registo Nacional de doentes com AVC — que permita perceber quantos doentes são tratados, onde, quais os resultados funcionais, entre outros indicadores. Essa seria uma ferramenta essencial para melhorar o acesso e a qualidade dos cuidados. Enquanto não há um registo, sobram as estimativas: 25 mil casos/ano em Portugal, entre os quais cerca 50 a 60 em crianças (0,2% do total).

No serviço de Neurologia Pediátrica do Dona Estefânia, tratam-se AVC mas também doenças como a epilepsia ou a atrofia muscular espinhal

Serviço de Neuropediatria da Estefânia serve toda a região sul e Açores

Em idade pediátrica (entre um mês de idade e os 18 anos), estima-se que o AVC afete cerca de 1 a 13 em cada 100 mil crianças. Já em idade perinatal ou neonatal (20 semanas de gestação a 28 dias de idade) é bem mais frequente: afeta uma em cada 3500 crianças.

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O serviço de Neuropediatria do Hospital Dona Estefânia é o centro de referência para toda a região sul do país (desde o sul do distrito de Leiria até ao Algarve) e para a região autónoma dos Açores. Ao serviço, chegam crianças com AVC agudo, para fazer tratamento do AVC; outras para analisar as sequelas do AVC (sequelas motoras, visuais, de comportamento e aprendizagem) e ainda outros para se tentar perceber o que causou o AVC e iniciar alguma terapêutica para prevenir um próximo AVC.

Entre as crianças, o risco de ocorrência de um AVC não é igual em todas as fases. É, sim, bastante maior no primeiro ano de vida, período em que ocorrem 50% dos AVC.

Apesar dos esforços, em cerca de 30% dos casos em crianças não é possível identificar os fatores que causaram, sublinha Rita Lopes da Silva. Nos restantes casos, e ao contrário dos adultos — em que os maus estilos de vida são os desencadeantes –, a causa é congénita.

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“Metade dos AVC são em grupos de risco, em crianças com cardiopatias congénitas, hemofilias, doenças trombóticas, anemia falciforme (mais frequente em descendentes de africanos), e que têm um risco aumentado”, explica a médica, que acompanha várias crianças nestas circunstâncias. Ao contrário dos adultos — em que o AVC isquémico é predominante –, nas crianças o mais comum é o AVC hemorrágico. “Nos adultos, 70 a 80% são isquémicos. Nas crianças, o AVC hemorrágico é tão frequente como o isquémico — 50%/50%“, adianta a neurologista.

Entre as crianças, o risco de ocorrência de um AVC não é igual em todas as fases. É, sim, bastante maior no primeiro ano de vida, período em que ocorrem 50% dos AVC. No entanto, nas crianças com anemia falciforme (uma doença hereditária que deforma os glóbulos vermelhos), o risco de AVC é maior dos 2 aos 10 anos. Já a mortalidade é maior em crianças mais pequenas ou nos casos de AVC hemorrágico, como acontece nas restantes faixas etárias. “O AVC isquémico pode deixar mais sequelas mas a mortalidade é mais baixa”, explica Rita Lopes da Silva.

Dois tipos de AVC

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AVC isquémico: ocorre quando uma determinada área cerebral não recebe o fluxo de sangue numa quantidade necessária, sendo que as células entram em sofrimento e começam a morrer se não houver tratamento — o que origina sequelas. A causa mais frequente é a vasculopatia e outras doenças que afetam as paredes dos vasos, seja por infeção ou inflamação, doenças do sangue, doenças genéticas. Outras causas são também doenças trombóticas, cardíacas, doenças metabólicas e genéticas.

AVC hemorrágico: ocorre por rutura de uma artéria ou veia, e que leva a uma hemorragia dentro do cérebro. As causas mais frequentes são malformações de artérias e veias, tumores, hemofilia, traumatismos.

Quantos aos sintomas, estes não diferem muito dos que se registam nos adultos. “A manifestação mais frequente em crianças também é a falta de força numa mão ou numa perna, tal como nos adultos“, diz a médica neuropediatria. Em crianças com menos de um ano, em que a manifestação dos sintomas é menos evidente, um sinal de alerta relevante é o bebé demonstrar a preferência pela utilização de uma das mãos com um ano de idade.

Pais, professores e profissionais de saúde devem reconhecer AVC em crianças

E se nos adultos a prevenção do AVC passa pela adoção de estilos de vida saudáveis, nas crianças — dada a origem congénita do problema –, será possível fazer algo para prevenir o pior? Embora as estratégias preventivas estejam mais limitadas, há exames que podem fazer a diferença. “[No caso dos AVC hemorrágicos], se soubermos que uma família tem um risco aumentado de aneurismas, podemos fazer exames que permitem detetar o aneurisma antes de romper (embora seja muito raro)”, realça Rita Lopes da Silva, sublinhando que, na maioria dos casos, a prevenção clínica não é possível em crianças.

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Se um chamados três F se verificar (desvio da face; falta de força num braço; dificuldade em falar), mesmo que seja numa criança, é importante acionar o 112, tal como se faria no caso de um adulto, sublinha a médica. Para além disso há outros sintomas distintivos possíveis — mas não tão distintivos –, como vómitos e convulsões. “Mas isto requer que a população (pais, professores, pediatras) saiba que existe AVC” nesta faixa etária, diz a especialista, sublinhando que é essencial combater o desconhecimento da sociedade em relação aos AVC nas crianças e sensibilizar pais e também profissionais de saúde para esta realidade. “Não pensamos que uma criança de quatro anos, que esteja a arrastar uma perna, tenha sofrido um AVC, mas pode”, reforça a neuropediatra. Tal como acontece com outras condições de saúde pouco frequentes, também os próprios profissionais de saúde podem não pensar num AVC pediátrico.

“Se não pensarmos no AVC, vamos ficar com a criança a fazer exames e o diagnóstico vai demorar mais. A nível internacional, há um atraso descrito, de até 24 horas, no diagnóstico de AVC isquémico, que está fora da janela de tratamento de fase aguda”, lamenta a médica.

Em fase aguda, os AVC nas crianças devem ser tratados nas primeiras seis horas (a janela de tratamento decisiva, sublinha Rita Lopes da Silva), com “medicamentos para desentupir a artéria e permitir a passagem de sangue, dissolvendo o trombo ou removendo-o”. A partir daí, o tratamento que é feito destina-se impedir a recorrência do AVC, uma situação comum — estima-se que a taxa de recorrência, isto é, de repetição ronde os 30% em crianças mais velhas e que seja superior nos dias imediatamente a seguir. “Quem sofre um AVC tem um risco de repetição aumentado nos dias seguintes, e por isso toma medicamentos antiagregantes, que impedem a agregação das plaquetas ou anticoagulantes”, explica a médica.

Sabe-se que 60 a 70% das crianças ficam com algum tipo de sequela (motora, de fala ou aprendizagem) mesmo depois do processo de reabilitação a que são sujeitas.

Se nos adultos a taxa de mortalidade global ronda os 20%, nas crianças estima-se um valor superior, uma vez que a prevalência do AVC hemorrágico (o mais grave e que implica o rompimento de uma veia ou artéria) é também maior. “A mortalidade é superior em crianças mais pequenas ou que tiveram AVC hemorrágico. O AVC isquémico pode deixar mais sequelas mas a mortalidade é mais baixa”, vinca a especialista.

Sabe-se que 60 a 70% das crianças ficam com algum tipo de sequela (motora, de fala ou aprendizagem) mesmo depois do processo de reabilitação a que são sujeitas. “Assim que o doente estabiliza, começa um processo de reabilitação. Podemos lidar com sequelas motoras; de linguagem (aqui a terapia da fala tem um papel). A terapia ocupacional tem também um papel, nas limitações que a criança vai enfrentar no quotidiano (como entrar na banheira, como pegar em talheres, como usar um teclado) e também do ponto de vista psicológico, na auto-estima (uma vez que podem existir sentimentos de ansiedade)”, exemplifica Rita Lopes da Silva, que já conta com vários anos de experiência no acompanhamento de AVC em idade pediátrica.

A neuropediatria Rita Lopes da Silva alerta para a importância de lembrar pais e profissionais de saúde de que os AVC também podem ocorrer em crianças

Maioria das crianças fica com sequelas e reabilitação ainda falha

No dia em que o Observador visitou o serviço de Neurologia Pediátrica do Hospital Dona Estefânia (integrado na Unidade Local de Saúde de São José), tudo estava relativamente calmo. Um cenário pouco habitual, já que pelos corredores (ladeados por desenhos impecavelmente pintados e por portas de todas as cores) costumam circular dezenas de crianças. Para além do AVC, o serviço é o Centro de Referência de Epilepsia Refratária pediátrica e trata doenças metabólicas, do movimento, Espinha Bífida ou a bem conhecida Atrofia Muscular Espinhal.

A reabilitação é feita por uma equipa multidisciplinar, que, para além de um médico, integra um fisioterapeuta, um terapeuta da fala, um terapeuta ocupacional e um psicólogo. Ou, pelo menos, deveria integrar. Tal como nas unidades de AVC para adultos, as unidades de Neuropediatria têm também recursos limitados. “Em fase aguda, conseguimos ter uma reabilitação de qualidade e quando as crianças ficam com sequelas major, conseguimos um internamento em Alcoitão [no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão] de 3/4 meses”, refere a médica.

O problema coloca-se sobretudo na reabilitação de todos os outros casos, a maioria, em que a reabilitação é feitas nas unidades de Neuropediatria. Aí, "há falta de capacidade do SNS", lamenta a neuropediatria Rita Lopes da Silva.

O problema coloca-se sobretudo na reabilitação de todos os outros casos, a maioria, em que a reabilitação é feitas nas unidades de Neuropediatria. Aí, “há falta de capacidade do SNS”, lamenta a especialista. “É com muito esforço que se consegue montar uma equipa com as condições que temos hoje em dia. Se na fisioterapia e terapia da fala vai havendo alguma resposta, quando é preciso reabilitação cognitiva (com psicólogo com treino em idade pediátrica), as dificuldades são gritantes”, revela Rita Lopes da Silva. Um problema sério, sublinha, uma vez que é frequente as crianças terem lidar com dificuldades de aprendizagem no pós-AVC.

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Para além do acompanhamento regular e de qualidade por uma equipa multidisciplinar (o que, como vimos, não é garantido), a taxa de sucesso da reabilitação depende de outros dois fatores: a neuroplasticidade, que é maior em crianças mais novas, o que facilita a recuperação; e a vulnerabilidade precoce, ou seja, o atingimento de determinadas áreas cerebrais num cérebro — que, a serem comprometidas, podem deixar sequelas mais graves.

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