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President Joe R. Biden
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The Washington Post via Getty Im

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Biden. O que muda na política externa comercial dos EUA

A globalização baixou os preços para os consumidores americanos, mas também provocou o desaparecimento de empregos e de comunidades. Que soluções tem o novo Presidente? Ensaio de Abel Mateus

Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.

Sobre os EUA, uma das áreas de maior interesse, para nós europeus, é o que o Presidente Joe Biden propõe em termos de políticas externas, dadas as profundas alterações que Trump introduziu com a sua política de “American First”. Em termos resumidos, a anterior administração, levou a cabo a: (i) retirada e descomprometimento de tratados e instituições multilaterais, tais como o Partenariado Trans-Pacífico (Trans Pacific Partnership) e a OMC; (ii) renegociação de tratados de comércio livre com os países vizinhos, como o NAFTA; (iii) imposição de tarifas aduaneiras no aço e alumínio que afetaram os aliados, em alguns bens de consumo importados da UE e ameaça de tarifas sobre os automóveis; e (iv) guerra comercial com a China.

Em contraste, a política de Biden assenta: (i) no regresso ao multilateralismo, e na reentrada dos EUA em acordos internacionais do clima e de comércio; (ii) na extensão das políticas internas à externa através de uma política industrial ativa; e (iii) na continuação de políticas protecionistas e de contenção da China.

Assim, a política de Biden situa-se a meio termo entre as políticas de guerra comercial de Trump e a aceitação do comércio livre, no que ele designa como “política comercial para a classe média”, que foi exposta num artigo recente de Jack Sulivan, conselheiro para Segurança Nacional, e outros, da Carnegie Endowment for International Peace. Nesse artigo, argumenta-se que a globalização aumentou a desigualdade e acelerou a desindustrialização. Como resultado, Biden promete focar-se nas políticas internas para melhorar a competitividade, incluindo investir biliões em energia, educação e infraestrutura; implementar políticas federais “Buy American” para favorecer os produtores nacionais e reforçar o poder negocial dos trabalhadores. A política externa seria uma extensão destas políticas internas

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Durante décadas a automação e globalização estimulou a produtividade e baixou os preços para os consumidores americanos, mas também provocou o desaparecimento de empregos e destruiu comunidades. Na ausência de uma rede de assistência e programas de ajustamento, esta disrupção caiu diretamente nos ombros dos trabalhadores americanos, nas suas famílias e comunidades.

A herança da “guerra comercial” de Trump

As políticas comerciais de Trump basearam-se na ideia de que os défices bilaterais dos EUA com outros países representavam “trocas desiguais” em detrimento do país, e que, ao levantar direitos aduaneiros sobre as importações destes países, estes países sofriam o custo de ajustamento, beneficiando os produtores americanos. Em termos de teoria económica, existem vários erros nesta visão. Primeiro, um défice ou excedente bilateral nada diz sobre a posição global dos EUA, pois depende do tipo de bens e serviços — a visão bilateral é típica da teoria mercantilista do século XVII, pré-David Ricardo. Os EUA podem ter uma balança fortemente deficitária em relação a um país produtor de uma matéria-prima essencial, e depois ter um excedente em relação a outros países para onde são exportadas as manufaturas produzidas com aquela matéria-prima. Segundo, a utilização de tarifas sobre as importações recai sobretudo sobre os consumidores do país importador (EUA). Só no caso de a China não poder exportar para outros países e os EUA terem uma grande percentagem do mercado internacional do produto em causa é que vai obrigar os exportadores chineses a reduzir os seus preços. Terceiro, havendo a possibilidade de retaliação da China, o impacto final é a redução do bem-estar de ambos os países.

Em 2018, os EUA impuseram tarifas em 283 mil milhões de USD de importações, com taxas de 10 a 50%. Na tradição de outros Presidentes, não esperou por decisão do OMC, mas justificou a ação com várias leis de comércio americanas. A China retaliou com tarifas de 25% sobre 50 mil milhões de USD de importações dos EUA, seguida por tarifas de 5 a 10% em mais 60 mil milhões, seguida por outras tarifas da UE, México, Rússia e Turquia. Estudos do impacto desta política mostram que as tarifas geraram 80 mil milhões de USD de rendimento para o Tesouro, mas como se previa levaram a uma subida dos preços dos bens importados e a uma perda de bem-estar para os consumidores. A perda líquida de bem-estar social foi de 8,2 mil milhões anuais, mais um custo adicional de 14 mil milhões de perda de bem-estar dos consumidores transferidos para o Tesouro. A Tax Foundation estima uma perda do PIB equivalente a -0,23%, os salários em -0,15% e uma perda de 180 mil empregos, por ano. De acordo com a teoria, a tarifa sobre importações atua como se fosse um imposto sobre as exportações, o que leva a uma perda de competitividade e queda das exportações. O défice comercial com a China manteve-se estável, enquanto o déficit global comercial dos EUA aumentou substancialmente.

Simulações feitas mostram que a China também regista um impacto equivalente, mas menor por causa da diversidade de comércio para outros países, nomeadamente a UE. Mais um número curioso: os consumidores americanos pagaram 817 mil USD em preços mais altos atribuíveis a tarifas por cada emprego criado na indústria de máquinas de lavar e 900 mil na indústria do aço. Há claramente outras políticas mais eficientes para atingir o mesmo objetivo.

Conversações com a China levaram a um primeiro acordo, chamada “primeira fase” em finais de 2019, em que aquele país se comprometia a comprar uma determinada lista de produtos no montante de 200 mil milhões de USD por ano. No primeiro ano do acordo, em 2020, as compras só atingiram 58% do programado. Apesar dos efeitos que estas políticas estão a ter, Biden e a sua Representante para o Comércio já afirmaram que não vão retirar as tarifas sobre as importações chinesas, para não reduzir o seu poder negocial.

Da “guerra comercial” à diplomacia: o que mudará na Política Comercial em relação à China e ao Pacífico?

Quais são os pontos de conflito em relação à China?

A primeira questão é geopolítica. A China tornou-se uma das maiores economias do mundo. À taxa de câmbio de mercado, em 2019, a China tinha um PIB de 14,3 biliões de USD — contra 21,4 dos EUA e 15,6 da UE. Mas, em Paridades de Poder de Compra, a China já era a maior economia do mundo, com 23,5 biliões de USD — os EUA com 21,4 e a UE 20,8. Esta alteração dos poderes económicos vai continuar a acentuar-se na medida em que a taxa de crescimento do PIB na China se mantenha na ordem dos 6,5%, contra 2,7% nos EUA e 2% na UE. Em 2040, a China terá um PIB de 82,8 biliões de USD, enquanto os EUA 36,5 e a UE apenas 30,9 biliões de USD.

Para além da concorrência económica, existe o conflito entre dois sistemas ideológicos diferentes: o capitalismo de mercado e regime democrático dos EUA e UE, contra o capitalismo de Estado e regime comunista da China, o que tem consequências a nível mundial na dominação de regimes e sistemas políticos.

O processo de globalização em curso desde os anos 1980 levou a uma transferência massiva da indústria manufatureira da Europa e Norte América para a China, que se tornou a “fábrica do mundo”. A reinserção da China no sistema económico mundial, adotando o capitalismo, permitiu-lhe explorar a mão-de-obra abundante com baixos salários. O modelo de desenvolvimento foi semelhante ao que tinham adotado já o Japão e a Coreia do Sul: taxas elevadas de poupança e investimento, retração do consumo interno, protecionismo e política industrial orientada para as exportações e transferência acelerada da tecnologia.

A segunda questão tem a ver já com uma política expansionista externa, procurando a dominância e hegemonia a nível mundial: em que medida cada um destes grandes países procura assegurar o acesso aos recursos naturais essenciais, ao domínio das redes de transporte e comunicações e alinhamento de interesses entre regiões e países? Iniciativas da China como One Belt One Road, BRICs e o Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas (AIIB), ou as políticas de ajuda da China aos países africanos, da América Latina ou Balcãs, levam evidentemente a aumentar a presença internacional da China, contornando o multilateralismo criado em Bretton Woods.

Members Of The Standing Committee Of The Political Bureau Of The New CPC Central Committee Make Public Appearances

No Plano Made in China 2025, Pequim pretende dominar tecnologias de ponta como microchips avançados, inteligência artificial e carros elétricos numa década

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Mas em termos mais circunscritos ao regime de comércio e investimento internacionais, os problemas que estão na origem de conflito entre os EUA e UE em relação à China respeitam às política governamentais de política industrial, apesar desta pertencer à OMC, nomeadamente: (i) subsídios diretos ou indiretos através de empresas públicas e as respetivas políticas protecionistas que estas políticas incorporam, bem assim como as políticas de compras do Estado; (ii) a obrigação das empresas estrangeiras que investem na China fazerem transferência forçada de tecnologia; (iii) falta de respeito pelos princípios de propriedade intelectual e; (iv) o que foi apontado pela Administração Trump sobre manipulação das taxas de câmbio para manter os câmbios subavaliados e assim ter uma vantagem competitiva internacional.

No Plano Made in China 2025, Pequim pretende dominar tecnologias de ponta como microchips avançados, inteligência artificial e carros elétricos numa década, obrigando todas as multinacionais a produzirem carros elétricos no país, com parcerias com empresas locais. Para os microchips constituiu um Fundo para os Semicondutores, com mais de 100 mil milhões de USD.

A Comissão Europeia apresentou uma queixa à OMC contra a China, em dezembro de 2018, alegando práticas sistemáticas para forçar as empresas europeias a transferir tecnologias sensíveis e know-how como uma pré-condição para fazer negócios na China. Além disso, questiona as leis sobre a produção de veículos elétricos e de biotecnologia, assim como as condições de aprovação de joint-ventures com empresas locais em que se restringe a capacidade contratual das empresas estrangeiras.

Em janeiro de 2017, através de ordem executiva, Trump decidiu retirar os EUA do acordo de comércio livre entre os EUA, Japão, Austrália e 9 outros países asiáticos, o Trans-Pacific Trade Agreement negociado por Obama, excluindo a China. Este acordo foi revisto e assinado em março de 2018, entre as restantes 11 nações, o Comprehensive and Progressive Agreement for Trans-Pacific Partnership (CPTPP), que prevê a eliminação de 99% das tarifas entre estes países e estabelecendo quotas de comércio entre estes países, recordando que o comércio internacional deste grupo já ultrapassa 1 bilião de USD. O acordo também prevê uma melhor proteção dos direitos intelectuais, mas uma redução do período de vigência das patentes, redução da proteção da agricultura e da indústria automóvel nos EUA, e harmonização dos sistemas regulatórios.

Mais recentemente, em novembro de 2020, 15 países asiáticos assinaram um novo acordo de comércio, que inclui agora a China, o Regional Comprehensive Economic Partnership, que prevê a redução de tarifas e burocracia, e unificar as regras de origem, o que promove o desenvolvimento de cadeias de valor (supply chains) entre os países da região. Contudo, é muito menos ambicioso que o CPTPP, pois não abrange áreas como propriedade intelectual, ambiente ou subsídios.

Depois de cerca de sete anos de negociações, a UE e a China concluíram, em princípio, o Comprehensive Accord on Investment (CAI) em dezembro de 2020, liderado pela Alemanha. O acordo obriga a China a dar acesso ao mercado no IDE da UE em vários setores industriais, elimina restrições quantitativas, caps no capital e requisitos nas joint-ventures. Além disso, no setor automóvel, a China concede acesso ao mercado nos novos veículos elétricos. No setor da saúde, elimina os requisitos das joint-ventures para hospitais privados. Também facilita o acesso a outros mercados, incluindo I&D de recursos biológicos, telecomunicações e serviços da cloud, computadores, transporte internacional marítimo e aéreo. Na área financeira, estende à UE as concessões da fase I do acordo EUA-China.

O CAI assegura que as empresas públicas se comportam com critérios comerciais, e não discriminar nas suas compras, transparência nos subsídios no setor dos serviços e acesso aos organismos que estabelecem standards. Contudo, o acordo tem sido criticado porque não estabelece mecanismos de proteção dos investidores privados para poderem litigar. A Comissão Europeia destaca que em setores sensíveis para a UE, tais como “energia, agricultura, pescas, audiovisual, serviços públicos, entre outros, não há intromissão do CAI”. Além disso, o mecanismo de controle do IDE e o controle do 5G permanece intacto.

O partido dos Verdes alemão vai votar contra a ratificação do acordo e os sindicatos destacam o risco de dumping social. Os países produtores de automóveis da Europa Central também estão preocupados com a concorrência potencial da China. O acordo incentiva o IDE da UE na China e contribui para o desenvolvimento tecnológico chinês. Mas a maior crítica veio dos congressistas americanos que lamentam que a UE tenha ultrapassado os EUA na negociação deste acordo, sem ter havido qualquer cooperação. A Administração Biden é particularmente crítica, na medida em que o acordo foi fechado antes de ter tomado posse. Não deixa de ser nocivo que este acordo tenha legitimado o regime chinês na opinião pública internacional, como é o sinal de a Volkswagen estar a investir numa fábrica na província dos Uyghur, cuja população tem sido objeto de violações dos direitos humanos.

Assim, uma das prioridades da Administração Biden é encontrar uma plataforma de entendimento com a UE nas políticas externas em relação à China. Uma das medidas seria convencer a China a entrar na CPTPP. O Reino Unido já mostrou interesse em entrar neste acordo, e UE deveria avaliar o interesse nesta adesão. Outra medida prioritária seria encontrar pontes de entendimento a três, como a reforma da OMC, de forma a torná-la efetiva na resolução de conflitos de comércio internacional, ou a reforma das instituições financeiras internacionais — e ainda outra seria a ajuda ao desenvolvimento dos países mais pobres.

Globalização, desindustrialização e política externa

Durante décadas, os governos dos EUA e da UE ignoraram os problemas que a globalização e desindustrialização causaram nas suas populações. Entre estes contam-se: (i) a desigualdade económica crescente e fraco crescimento dos salários das qualificações mais baixas; (ii) as desigualdades regionais com extensas zonas decadentes e em depressão; (iii) o desemprego estrutural crescente; (iv) a perda de know-how e de capital humano industrial, assim como o off-shoring de cadeias de valor; (v) a perda de identidade cultural e problemas de saúde pública em zonas deprimidas; e (vi) o de-franchising das populações e derivas para o populismo.

Sabemos da teoria que a liberalização do comércio externo aumenta o bem-estar económico, mas não assegura uma mais equitativa distribuição do rendimento, especialmente nas economias desenvolvidas. Em termos teóricos, deveria haver transferências (lump-sum) dos ganhadores para os perdedores da liberalização. O problema é que nem sempre os governos se interessam em efetuar estas transferências, e os elevados custos administrativos destas transferências.

Mas o mundo real é muito mais complexo. A expansão do comércio e a imigração de trabalhadores não qualificados têm levado a uma desaceleração do crescimento dos salários dos não-qualificados, enquanto a automação e a revolução das tecnologias de informação e comunicação levaram a uma maior procura de trabalhadores qualificados, e, perante a escassez de talento, a uma aceleração dos seus rendimentos. Um dos economistas que mais tem estudado estes fenómenos, para procurar destrinçar os efeitos da globalização (comércio) e da tecnologia, é David Autor do MIT. Os mercados de trabalho expostos à concorrência das importações da China experimentaram quedas no emprego, em particular da indústria manufatureira e de trabalhadores sem educação superior. Os mercados de trabalho suscetíveis à computorização das tarefas de rotina, levaram a uma polarização ocupacional: o trabalho libertado é ocupado por outros empregos intensivos em trabalho, mas embora se mantenha o emprego total há uma maior divergência de salários entre os não-qualificados e os mais qualificados.

Desde a assinatura de legislação por Clinton que normalizava permanentemente o comércio com a China, em outubro de 2000, o emprego na indústria manufatureira caiu de 17,2 para 11,6 milhões, apenas numa década. Mas o seu impacto concentrou-se nas zonas industriais, de Michigan ao Texas, obscurecendo os ganhos das zonas urbanas, agrícolas e serviços, com a redução dos preços dos bens importados. O mesmo fenómeno deu-se na UE, tendo afetado os mesmos centros industriais desde a Ibéria à Alemanha e a zonas do Reino Unido. A UE baixou o emprego de 34,6 em 1995 para 29,9 milhões em 2017.

Quais são as políticas económicas que podem começar a inverter estas situações? Em grande parte, são políticas industriais ativas que poderão favorecer o reshoring, e que agora foram apelidadas de “políticas a favor da classe média”. Entre outras, encontram-se políticas para: (i) melhorar a educação, em especial a educação profissional e educação contínua, assim como programas que promovem a melhoria das qualificações da mão-de-obra; (ii) programas e investimento dirigidos a certas indústrias ou regiões em declínio, reconvertendo atividades ou requalificando a mão-de-obra; (iii) promoção do investimento e das atividades de I&D público e privado; (iv) acelerar a digitalização, uso da IA e do teletrabalho. Por outro lado, as regiões e indústrias seguem uma certa orgânica hierárquica, pelo que são necessárias também políticas que dinamizem indústrias ou regiões que são capazes de “puxar” pelas menos desenvolvidas. Assim, é também necessário continuar com políticas de investigação e industriais dirigidas a indústrias de ponta, tais como biotecnologias, software, novos materiais e energias renováveis.

Assim, as políticas económicas preconizadas pelo relatório da Carnegie são de três tipos. A primeira área de políticas refere-se à modernização das leis de comércio externo dos EUA, de forma a dar-lhe mais efetividade e rapidez de resposta contra práticas desleais, em particular subsídios e ajuda financeira. No que respeita a regras e leis também preconiza acabar com a possibilidade de as multinacionais transferirem lucros para reduzir impostos, que já vimos no ensaio anterior. Também preconiza medidas protecionistas que desencorajem as multinacionais americanas de transferir produção para países com padrões de trabalho ou ambientes de baixa exigência, “diminishing power of labor and shifting negative externalities into less regulated regimes”, o que é difícil de formular, implementar e mesmo conceber numa economia aberta.

A segunda área diz respeito a uma política regional. A nível regional e comunitário são exigidos programas de desenvolvimento económico contendo uma estratégia baseada nos fatores competitivos tais como clusters de empresas, qualificação de mão-de-obra, universidades ou community colleges, ou fatores geográficos. Os organismos federais devem prover soluções financeiras, em que combinam subsídios, empréstimos e capitais para reforçar os programas de ajustamento estruturais. Além disso, a administração Trump dava benefícios fiscais do tipo “Opportunity Zones” que encorajavam os investimentos em regiões deprimidas. Outra instituição interessante são as United States Export Assistance Centers (USEACs), que são one-stop shops para promover a internacionalização empresarial. Estes centros combinam especialistas em comércio internacional do EXIM-Bank, Depatamento do Comércio e a Small Business Administration. Um dos serviços que prestam é o Gold Key Matching Service que estabelece ligações entre o empresário local com agentes da rede de embaixadas, distribuidores, serviços de vendas e parceiros de negócio no estrangeiro para fazer prospeção de mercado.

O terceiro tipo de políticas respeita ao reshoring da indústria e, em especial, das cadeias de valor. Uma das preocupações é assegurar a disponibilidade de bens essenciais durante uma crise, assim como a resiliência das cadeias de produção industriais. Estes são produtos para os quais existem poucos fornecedores estrangeiros, cadeias vulneráveis a ruturas, ou para os quais há poucos substitutos, tais como medicamentos, equipamentos médicos, partes para a produção de eletricidade, da defesa ou sementes e alimentos, para os quais se deve dispor de stocks que não são perecíveis ou de produção nacional disponível.

O reshoring pode ser particularmente útil para processos das industriais pesadas ou transportes vitais, comunicações, redes de eletricidade ou quando são essenciais trabalhadores especializados para aumentar a flexibilidade das cadeias de produção.

Também é fundamental a regeneração e promover a redundância de sistemas logísticos complexos, operações que dependem da conectividade contínua, e atividades que requerem elevado grau de integridade dos dados, tais como operações financeiras ou geolocação de navios e aviões.

Finalmente, o documento preconiza que os EUA se coordenem com os aliados para criar dispositivos económicos defensivos, para proteger a liderança na capacidade de inovação deste em setores-chave. Estes instrumentos incluem controles de exportação, de IDE, de licenciamentos, assim como instrumentos sancionatórios. Existe aqui uma necessidade evidente de cooperação da UE.

Note-se que o processo de globalização tem registado uma forte desaceleração nas últimas décadas. O Gráfico 1, com dados da OMC, mostra uma forte desaceleração desde a crise global de 2008. As estimativas do impacto da pandemia mostram que, depois da queda de 18,5% no segundo semestre de 2020, o volume de comércio deve cair entre 13 e 33% no total daquele ano. É uma tarefa dantesca revigorar o sistema de comércio internacional, das quais dependem tanto as classes médias dos EUA como da UE.

O Financiamento das Políticas Regionais

Os EUA, sendo uma federação, têm um grau de centralização de recursos que são alocados aos Estados muito superior à UE. O Gráfico 2 mostra as transferências líquidas (despesas menos impostos) do Orçamento Federal para cada um dos Estados, em percentagem do PIB de cada Estado, para a média dos anos de 2014 a 2019. As transferências líquidas chegam a representar quase 19% do PIB de Kentucky e 16% de Mississípi e Virgínia do Oeste. Por outro lado, Connecticut e Nova Jérsia contribuem para o Orçamento Federal com mais de 5% do seu PIB. A estes juntam-se Nova Iorque, Califórnia e Massachusetts como os que mais contribuem em termos líquidos.

Estas transferências líquidas estão associadas a fatores como gastos em defesa e na administração federal, educação, saúde e programas de apoio ao rendimento. Só na medida em que cobrem estes programas sociais se pode dizer que são redistributivos. No entanto, dado o elevado montante do Orçamento Federal, onde são importantes os impostos sensíveis ao rendimento e a despesa em subsídios ao desemprego, este tem um poder de estabilização automática que não tem comparação com o orçamento da UE.

O Gráfico 3 mostra as transferências líquidas do Orçamento da UE para os Estados-Membros, no contexto do Quadro Plurianual Financeiro. Os Estados que mais recebem, em termos anuais e em relação ao PIB, são a Hungria e a Bulgária, com cerca de 4% do PIB. E os que mais contribuem são Alemanha, Suécia e Holanda, com taxas entre 0,35 e 0,40% do PIB.

O que estes dados mostram é que já existem os recursos e mecanismos financeiros para uma política regional e industrial ativas, o problema é torná-las mais eficientes e orientadas para os objetivos específicos acima discutidos. Por exemplo, o conhecido programa da Comissão Europeia do New Green Deal tem de ser pensado no contexto do reshoring e da pandemia. E os Quadros Plurianuais Financeiros devem ser profundamente repensados para melhorar a sua eficiência e acabar com o desperdício.

Talvez a rúbrica mais comparável entre as duas jurisdições seja a das Transferências (Grants) federais, que são de dois tipos: por categorias ou em bloco, dependendo se são ou não restritas a certas despesas. Em 2017, estas transferências representavam 2,9% do PIB americano, enquanto o orçamento comunitário, em termos de desembolsos brutos, com a UE-27, foi de apenas 1,16% do PIB.

Uma Nova Política Transatlântica?

O Presidente da Fundação Carnegie para a Paz afirmou recentemente que a Europa está presa entre uma China assertiva, uma Rússia revisionista e uns EUA errático, e os seus próprios falhanços políticos. E o recente caso da negociação europeia com a China, no Acordo de Investimento, pretendia provar a sua autonomia em relação aos EUA, como ficou claro pela não anuência ao pedido de Biden de adiar a conclusão desse Acordo.

Mas recuemos uns anos. Em 2013, durante a administração Obama, os dois lados lançaram vastas negociações para um acordo de comércio e investimento transatlântico (Transatlantic Trade and Investment Partnership: T-TIP) para estimular o crescimento e a criação de emprego, para além de responder à concorrência dos países emergentes. Depois de 15 rondas de negociação o T-TIP foi suspenso, em 2016, devido a divergências irreconciliáveis na agricultura, fluxos de dados, indicações geográficas e proteção de investimentos.

Os assuntos de contenção entre os dois blocos durante a Administração Trump foram as críticas a práticas comerciais “injustas” da UE, a aplicação pelos EUA da secção 232, e tarifas baseadas na segurança nacional aplicadas sobre o aço e alumínio, acompanhados por tarifas retaliatórias da UE, a disputa sobre subsídios à Boeing e Airbus, em que a OMC autorizou a retaliação por cada um dos blocos, e o problema dos impostos sobre serviços digitais aplicados por alguns membros da UE. Agora, a UE esperava que Biden retirasse as tarifas sobre os produtos europeus através de ordem executiva, o que não aconteceu. Outra área que merece cooperação é a questão da regulação e política da concorrência em relação às grandes plataformas digitais. Muitos políticos americanos veem a intervenção da Comissão Europeia como uma forma de atingir uma “independência estratégica” através da criação de alternativas europeias dentro da estratégia de transformação digital.

No discurso da Presidente da Comissão Europeia em Davos, esta apelou à negociação com Biden destas políticas, porque as “plataformas digitais têm um impacto não só numa livre e sã concorrência, mas também nas nossas democracias, segurança e qualidade da nossa informação, pelo que temos necessidade de conter este poder enorme das grandes empresas digitais”.

Multilateralismo

É fundamental regressar ao multilateralismo para promover a paz e o desenvolvimento a nível planetário. Esta é, quanto a nós, ainda o grande desígnio da política internacional.
Nesta agenda, existem três instituições, em particular, depois da resolução dos problemas financeiros e de eficiência das Nações Unidas, que merecem uma atenção especial. A primeira é a reforma da Organização Mundial da Saúde, de forma a torná-la mais eficiente no combate às pandemias e ameaças à saúde mundial.

A segunda é a reforma da Organização Mundial do Comércio, depois da resolução do problema da liderança, sobretudo nas regras sobre anti-dumping e na proteção da propriedade intelectual. O mecanismo de resolução de disputas não funciona e leva 3 a 5 anos a resolver qualquer disputa. E a cláusula da nação mais favorecida limita a celebração de acordos bilaterais. Além disso, a OMC pode desempenhar um papel fundamental na facilitação da distribuição de vacinas, medicamentos e equipamentos médicos para o combate às pandemias.

Outra organização a requerer atenção é o FMI. Primeiro, pelo problema (que se arrasta há décadas) da governação, com vista a reconhecer a nova realidade económica internacional e dar mais poder à China, Índia e outras economias emergentes, sem perder a maioria dos países credores. Segundo, pelo problema da sua recapitalização, estando na mesa a criação de 1 bilião de Direitos Especiais de Crédito para que esta organização possa acorrer aos problemas das crises financeiras que todos esperam no período pós-pandemia.

Conclusões

Não restam dúvidas que é essencial reconstruir a cooperação a nível mundial entre os grandes blocos, nomeadamente entre a UE, EUA e China, mas em moldes equilibrados e que não comprometam a paz e o comércio internacional que muito poderão contribuir para o desenvolvimento económico mundial. E, dentro deste quadro, é fundamental refundar o multilateralismo e tornar as instituições internacionais mais eficientes, reconhecendo as novas realidades económicas.

Dentro desta lógica, é importante uma nova aproximação nas relações entre a UE e os EUA de um lado, e da China do outro. Ninguém poderá disputar que uma coligação nestas negociações da UE e dos EUA aumentam o poder negocial em relação à China, mas isso pressupõe um alinhamento de interesses entre aqueles dois blocos que exige um enorme esforço de ambas as partes. Este alinhamento é essencial no domínio das políticas climáticas, de forma a criar um level playing field a nível mundial.

Por esta e pela história das relações Transatlânticas é fundamental encontrar um equilíbrio entre as políticas industriais dos EUA e da UE, de forma a que o protecionismo que elas incorporam não venha a comprometer os enormes benefícios em termos de progresso económico e tecnológico, e de segurança e paz, que produziu desde a II Grande Guerra.

Abel Mateus é professor universitário de Economia. Doutorado pela Universidade de Pennsylvania, EUA. Foi economista sénior do Banco Mundial e administrador do Banco de Portugal. Presidiu à Autoridade da Concorrência

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