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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Centeno ficou ferido na sua independência por ter sido escolha do PS para primeiro-ministro sem eleições? Comissão de ética do BdP analisa

Mário Centeno já tinha protagonizado em 2020 a passagem das Finanças para Banco de Portugal. Volta ao centro de críticas por ter sido sugerido para primeiro-ministro. E vai ser analisado no BdP.

Mário Centeno foi o nome que o primeiro-ministro António Costa levou ao Presidente para o substituir, sem a necessidade de haver eleições. Marcelo Rebelo de Sousa não seguiu a proposta e convocou-as. António Costa fica até que um novo Governo, saído do ato eleitoral, tome posse. Mário Centeno fica no Banco de Portugal. O que originou já várias críticas, à semelhança do que tinha acontecido quando, em 2020, transitou diretamente do Ministério das Finanças para o banco central.

Contactado pelo Observador, através do Banco de Portugal, Mário Centeno recusou fazer comentários, optando por ficar em silêncio quando questionado sobre se a sua independência teria ficado, com esta situação, comprometida. O BCE não se pronunciou mas lembrou que todos os membros do conselho estão sujeitos a um código de conduta. E no Banco de Portugal, a comissão de ética, presidida por Rui Vilar, vai reunir-se na segunda-feira para analisar o caso, conforme avançou o Eco.

A comissão de ética do Banco de Portugal é nomeada pelo próprio conselho de administração. Segundo as regras aplicáveis, a comissão de ética deve ouvir os visados e emitir parecer sobre a sua conduta. E é isso que fará.

António Costa assumiu, na passada quinta-feira, que tinha sugerido ao Presidente o nome de Mário Centeno para o cargo de primeiro-ministro, sob a maioria absoluta parlamentar socialista: “Ao PS, como referencial de estabilidade no nosso país, competia-lhe apresentar uma solução alternativa, que permitisse poupar ao país meses de paralisação até às eleições. Constava da solução apresentar uma personalidade de forte experiência governativa, respeitado e admirado pela generalidade dos portugueses, com forte prestígio internacional, que é algo muito importante nesta fase tendo em conta o impacto naturalmente negativo que estas notícias tiveram no exterior”. E o indicado “foi precisamente o professor Mário Centeno”.

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Contudo, acrescentou o primeiro-ministro, “o Presidente entendeu que melhor do que ter uma solução estável, com um governo forte, de qualidade, renovado, sob a liderança do professor Mário Centeno, era optar pela realização de eleições. Tenho entendimento que o país não merecia ser chamado de novo a eleições”.

Não sendo oficial a posição do próprio Mário Centeno em relação a esta proposta de nomeação, a mera indicação belisca a independência do governador?

"Não sei se [a independência de Mário Centeno] ficou mais ferida ou se se trata de confirmar que já não era independente desde o início".
Susana Coroada, investigadora associada do ICS

Susana Coroado, investigadora associada do ICS, que tem trabalhado nesta questão das portas giratórias (termo utilizado quando se passa diretamente do governo para empresas ou entidades reguladoras e vice versa), não tem dúvidas: “Não sei se [a independência de Mário Centeno] ficou mais ferida ou se se trata de confirmar que já não era independente desde o início”.

A investigadora remete para a decisão de 2020 do atual governador passar diretamente do Ministério das Finanças para o Banco de Portugal. “Na altura levantou-se a questão do conflito de interesses e de falta de independência num patamar político — em relação ao Governo para o qual trabalhou — e a nível pessoal — o governador Mário Centeno teria de decidir e avaliar decisões que o ex-ministro das Finanças Mário Centeno tinha tomado”, contextualiza Susana Coroado, recordando que foi realçado, então, a sua independência política. Agora, no seu entender, essa defesa cai por terra. Nem a independência política fica salvaguardada. E, por isso, ao Observador conclui: “[Esta situação agora] não veio minar a independência, porque à partida já não existia”.

Também Ana Lourenço, professora na Católica Porto Business School e investigadora no Centro de Estudos de Gestão e Economia (CEGE), autora de um estudo para a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) sobre reguladores, considera ser preocupante a circulação entre função executiva e legislativa e funções de regulação e política. O potencial de interferência no regulador do qual se sai é “muito grande”, reforça, explicando que um governador conhece por dentro toda a entidade, processos e pessoas. Por isso, refere ao Observador, “se efetivamente tiver sido contactado para primeiro-ministro e se se tiver disponibilizado para tal, fica a ideia de que fica ferido na sua qualidade de governador independente e na autonomia para tomar decisões sem interferência do poder político”.

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A lei orgânica, código de conduta e o silêncio do BCE

Na lei orgânica do Banco de Portugal, é explicitamente referido que “o Governador e os demais membros do Conselho de Administração gozam de independência nos termos dos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu (SEBC/BCE), não podendo solicitar ou receber instruções das instituições comunitárias, dos órgãos de soberania ou de quaisquer outras instituições”.

O BCE, que não se pronuncia sobre o caso concreto de Centeno, remete, no entanto, o Observador para o Código de Conduta dos membros do conselho de governadores, onde é referido, explicitamente, que “os membros do Conselho do BCE, no exercício dos poderes e no desempenho das tarefas e deveres que lhes forem conferidos, não solicitarão nem aceitarão instruções de instituições ou organismos comunitários, de qualquer governo de um Estado-membro ou de qualquer outro organismo, incluindo qualquer órgão de decisão ao qual pertençam”.  É ainda referido que os membros do Conselho têm de observar “os mais altos padrões de conduta ética. Espera-se que eles ajam honestamente, de forma independente, imparcial, com discrição e sem levar em conta o interesse próprio e para evitar qualquer situação suscetível de dar origem a um conflito de interesses pessoais”.

No código de conduta do Banco de Portugal é referido igualmente que os trabalhadores da instituição — Centeno é quadro — devem respeitar deveres de lealdade e imparcialidade. “Nos termos dos deveres de lealdade e de imparcialidade, os trabalhadores devem evitar quaisquer situações de que possam resultar conflitos de interesses com as atividades desenvolvidas no Banco ou que possam  colocar em causa a imagem e reputação deste”. A comissão de ética da instituição vai analisar este caso.

Os banqueiros, tutelados pelo Banco de Portugal, não quiseram, na maioria, pronunciar-se sobre esta possibilidade (que não foi para a frente) do governador regressar ao Governo como primeiro-ministro não eleito. Paulo Macedo, presidente da Caixa Geral de Depósitos, questionado na conferência de imprensa de resultados desta sexta-feira sobre esta posição, considerou que “uma pessoa competente e séria, por se disponibilizar a prestar um serviço ao país, não me parece que seja uma incompatibilidade. Ainda mais quando o governador fez parte de um governo concreto e, por isso, não haja surpresa em relação à sua área política ou à sua proximidade política”, acrescentando que “o eventual conflito de interesses não me parece que, aqui, neste caso, se coloque”.

Deixa outro ponto neste debate, respondendo a quem considera que Mário Centeno não tem condições para se manter no cargo: “De certeza que não é afastar o governador do Banco de Portugal que ajudava a estabilidade do país. Temos de ter muito cuidado”, salientando que “os conflitos de interesses devem ser evitados antes, deve haver declarações, e serem escrutinadas, permanentemente, com revisões anuais. Agora aumentar instabilidade por instabilidade é tudo menos aquilo que precisamos”.

Já na quinta-feira, numa conferência do Dinheiro Vivo, Pedro Castro Almeida, presidente do Santander Portugal, confrontado com o nome respondeu apenas que “teria o maior gosto e é uma pessoa por quem tenho a maior admiração”, recordando que foi seu colega no ISEG entre 1985 e 1990 — “foi o melhor aluno do curso e sem dúvidas traria algo muito importante” que é distinguir o que é a “espuma do dia a dia e as tendências de médio e longo prazo”.

Mais nenhum banqueiro quis comentar a hipótese de Centeno deixar o Banco de Portugal para ir para o Governo, como primeiro-ministro não eleito.

Saída à italiana criticada

Várias têm sido as vozes a sugerir essa mesma ferida. Na rede X (ex-Twitter), Miguel Poiares Maduro, professor universitário que foi ministro do Governo de Passos Coelho, deixa também a sua posição: “Até na forma como se pretendeu solucionar a crise se continua a manifestar a cultura política que nos trouxe a essa crise. Então o governador do Banco de Portugal pode aceitar ser primeiro-ministro por um partido e ao mesmo tempo permanecer na sua posição de regulador independente?”

Pela mesma crítica afinaram alguns dos partidos da oposição. Mas o PS saiu em defesa de Mário Centeno, e da sua independência.

Joaquim Miranda Sarmento, líder parlamentar do PSD, começou: “Soubemos pela própria voz do senhor primeiro-ministro que este terá indicado o governador para o substituir como primeiro-ministro da maioria. É apenas mais uma demonstração, e bastante mais grave, da falta de independência que o governador tem”.

Para o líder parlamentar social-democrata — que chegou a ser apelidado por Rui Rio como o Centeno (que tinha sido apelidado de Ronaldo das Finanças) do PSD — desde a nomeação de Centeno para o Banco de Portugal, diretamente do Ministério das Finanças “sempre dissemos que não era independente do poder político, e vemos que a teia socialista que existe há muitos anos e que ocupa ou procura ocupar todos os espaços do setor público, que tem sempre os mesmos protagonistas, as mesmas práticas e os mesmos resultados, também já se estende ao Banco de Portugal. Se a indicação do governador para substituir o primeiro-ministro que foi feita teve a anuência do próprio governador, mostra bem como o governador é um agente político e não tem independência que o banco central requer”.

"A teia socialista que existe há muitos anos e que ocupa ou procura ocupar todos os espaços do setor público, que tem sempre os mesmos protagonistas, as mesmas práticas e os mesmos resultados também já se estende ao Banco de Portugal."
Joaquim Miranda Sarmento, líder parlamentar do PSD

Ainda em declarações aos jornalistas, Miranda Sarmento recordou que o lugar de governador é “e bem” inamovível e “deve ser independente”. Por isso, acrescentou, “aquilo que gostaríamos é que o dr. Mário Centeno fosse imparcial”, realçando que sempre houve dúvidas no PSD sobre o que alega ser o conflito de interesses desde que Centeno passou das Finanças para Banco de Portugal. E quer que Centeno informe se anuiu no seu nome “e reflita bem naquilo que deve ser o papel de independência do governador e do Banco de Portugal, uma instituição muito relevante”. Miranda Sarmento lembra que “antes de ser governador e antes de ser ministro das Finanças, Centeno é funcionário do Banco de Portugal e deve ter a preocupação de preservar a instituição à qual pertence pelo menos há 20 anos”.

As críticas foram corroboradas pela Iniciativa Liberal. Rodrigo Saraiva, líder parlamentar deste partido, sublinhou: “Ao longo dos anos ouvimos adjetivarem as capacidades do senhor primeiro-ministro, António Costa, como uma espécie de florentino. Era o que mais faltava ter uma solução à italiana, demostrando esta atitude do PS que se acha o dono disto tudo, confunde o Estado com o PS, e ao invés de devolver a voz aos portugueses, a decisão aos portugueses, vinha com uma solução de secretaria, à italiana, trazer do Banco de Portugal o seu ex-ministro das Finanças”. Em 2021, Mario Draghi tomou posse como primeiro-ministro de Itália, após ter sido encarregado pelo presidente italiano de formar governo na sequência da renúncia ao cargo por parte de Giuseppe Conte. Saraiva lembrou ainda que o partido foi crítico quando Centeno saiu diretamente do Terreiro do Paço para o banco central. “Uma plataforma giratória inaceitável”, concluiu.

Inês Sousa Real, do PAN, também denunciou o que diz serem as portas giratórias sem períodos de nojo. E Rui Tavares criticou a ideia de se acrescentar um novo ponto a esta crise: retirar o governador do Banco de Portugal.

Em defesa da sugestão de António Costa saiu o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias. Saiu em defesa de Costa e do próprio Centeno. “Qualquer português responsável, se o Presidente lhe pedir um serviço importante numa circunstância ao país, deve aceitar. Se ao professor Mário Centeno fosse pedida a liderança de um governo nesta circunstância a minha expectativa, como cidadão, era que ele responsavelmente aceitasse. Dizer que perante a circunstância particular que o país vive um português responsável não aceitaria aquilo que é um trabalho em favor de todos não me parece responsável”. Eurico Brilhante Dias aproveitou para virar o bico ao prego, dizendo que “este conjunto de questões revelam má consciência em particular do PPD-PSD”, para recordar a apresentação do livro de Carlos Costa, ex-governador, evento no qual Eurico Brilhante Dias viu “um abraçar político-partidário da intervenção de um governador” — “aconteceu neste país ainda há muito pouco tempo“.

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Mário Centeno já tinha sido um nome falado para eventual candidato a Presidente da República, nas eleições de 2026, o que significaria suceder, se ganhasse, ao homem que não o quis de volta ao Governo. Marcelo Rebelo de Sousa, já Presidente, aceitou a permanência de Centeno nas Finanças em 2017, apesar do confronto por causa da declaração de rendimentos dos gestores da CGD. Centeno apresentou a demissão a Costa. Marcelo reuniu-se, então, com Centeno e “ouvido o senhor primeiro-ministro, que lhe comunicou manter a sua confiança no senhor professor doutor Mário Centeno, aceitou tal posição, atendendo ao estrito interesse nacional, em termos de estabilidade financeira”. Centeno ficou. Saiu em 2020 para o Banco de Portugal.

Ainda recentemente perante uma análise económica feita, no âmbito do Boletim Económico, os seus elogios a várias medidas do Governo sobressaíram a alguns comentadores (como neste texto de Helena Garrido), mas Centeno recusou que se tratasse de uma análise cor de rosa. “É o governador que se apresenta trimestralmente à vossa frente, é o governador que vai às reuniões em Frankfurt, é o governador que fala, muitas vezes não se consegue distinguir entre ele próprio e as suas funções no Banco de Portugal e portanto o governador, e bem segundo a opinião dele, decidiu partilhar com todos uma análise que tem vindo a fazer ao longo do tempo e que tem partilhado com todos os responsáveis políticos portugueses, porque é o governador que se senta em Frankfurt a participar na tomada de decisão. E era o que faltava que o governador não pudesse partilhar a opinião com os portugueses, e a opinião está ali, é clara e não é nada cor-de-rosa. É um conjunto de factos e desafios difíceis que a economia portuguesa tem de ultrapassar”.

(notícia atualizada com a informação da reunião da comissão de ética)

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