Durante anos, Luís Newton contou com a ajuda de Heitor Brandão, suspeito de tráfico de droga detido na semana passada na operação Origami, para vencer eleições: em nome próprio na junta de freguesia da Estrela e na concelhia; ou através dos candidatos que apoiou para a distrital e até para as diretas do PSD. Os votos da “Fonte Santa” ou “da Possidónio Silva”, como são conhecidos pelos dirigentes e militantes do PSD/Lisboa, fazem parte dos “votos do Newton” já bastante noticiados em artigos de caciquismo pelo Observador. Só no mesmo número da rua Possidónio Silva, que corresponde a um pátio com várias casas, há 24 militantes do PSD/Lisboa. Um desses 24, o militante nº230.661 do PSD com as quotas em dia é, precisamente, Heitor Brandão.

A ligação do clã Brandão ao PSD começa em 2014, quando três pessoas que moram no pátio (uma delas Sara Brandão, cunhada de Heitor) se fazem militantes do PSD. Em janeiro desse mesmo ano, Márcio Marujo, um dos detidos da operação Origami, é contratado pela primeira vez (num contrato que só foi tornado público quatro anos depois). Márcio é cunhado de Heitor Brandão — companheiro de Karine Brandão, irmã do alegado traficante — e foi contratado para os serviços de fiscalização e manutenção do espaço público na Estrela. Quando foi detido, na semana passada, Márcio era fiscal na junta de freguesia na categoria de assistente operacional.

A relação entre Luís Newton e Heitor Brandão tinha começado ainda antes de o autarca ter o apoio da família Brandão no PSD. Newton, conhecedor da realidade da zona por ter crescido na Lapa e ter sido autarca (vogal na junta), aproxima-se do alegado traficante no verão de 2013 quando se candidata à junta de freguesia da Estrela (que juntou Lapa, Prazeres e Santos-o-Velho). Para utilizar a influência de Heitor junto dos locais, chega a aparecer ao lado dele num cartaz de campanha.

O cartaz da coligação “Sentir Lisboa” com Luís Newton e Heitor Brandão

Newton torna-se presença assídua nos jogos e festejos da associação desportiva Fonte Santense, presidida por Heitor, como provam as fotografias que, nove anos depois, continuam na página de Facebook da coletividade. As instalações do clube desportivo também foram, a partir daí, utilizadas, a espaços, como local de reunião da Assembleia de Freguesia da Estrela.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

15 militantes entram no mesmo dia no PSD: 10 são do pátio

A partir de 2015, Heitor Brandão passa a ajudar Luís Newton também no PSD — e, no dia 13 de outubro de 2015, entram quinze militantes de uma só assentada no PSD/Lisboa. Desses 15, há 10 que moram no pátio, incluindo Heitor Brandão (militante n.º 230.661), a irmã Karine Brandão (militante n.º 230.669), o cunhado Márcio Marujo militante n.º 230.674) e também António Brandão (militante n.º 230.641). Além dos que moram no pátio, juntaram-se outros militantes da esfera de influência dos Brandão, que moravam nas redondezas (na Travessa Gibraltar) ou até um pouco mais longe, na Rua Maria Pia. Todas estas zonas eram então, como atualmente, associadas ao tráfico de droga.

Nos dias 1 e 2 de julho de 2017, o PSD teve eleições importantes na distrital de Lisboa. A dois meses das autárquicas e a seis de eleições na concelhia, aquele foi um momento de medição de forças entre a fação de Newton (com votos para os delegados da secção na distrital) e a de Rodrigo Gonçalves (que apoiava a lista encabeçada por Nuno Morais Sarmento). Newton utilizou toda a sua força, que incluía a influência junto dos militantes da Possidónio Silva, a família Brandão. No dia seguinte às eleições da distrital, a 3 de julho, Newton contrata pela primeira vez Karine Brandão.

A irmã de Heitor Brandão teria ali o primeiro de quatro contratos por ajuste direto realizados pela junta de freguesia liderada por Newton. A primeira contratação foi para aquisição de serviços de atendimento e esclarecimento ao público; a segunda, em 2020, seria de funções administrativas na Academia Estrela; e, em 2021 e 2022, mais dois, de apoio administrativo aos serviços da junta. Ao todo, os contratos de prestação de serviços assinados pela irmã de Heitor atingiram o valor de 30 mil euros. Atualmente, Karine é assistente técnica na junta da Estrela, tendo concluído, em agosto passado, o período experimental para entrar nos quadros da função pública.

Foi também em 2017 que Sara Brandão, cunhada de Heitor e a primeira a fazer-se militante do PSD por influência de Newton, foi contratada, por nove mil euros, em moldes semelhantes aos de Karine, para realizar serviços de atendimento e esclarecimento ao público. Segundo a sua página de Linkedin, é assistente técnica no órgão de poder local desde junho de 2016, a tempo integral. Em janeiro de 2021, Leonid Brandão, sobrinho de Heitor, também foi contratado para a prestação de serviços de apoio operacional para o Gabinete de Administração Geral da junta, num acordo com o valor de 10.800 euros.

Apesar de todas as ligações à família Brandão, Luís Newton já negou publicamente ter qualquer relação de amizade com Heitor Brandão, embora existam nas redes sociais provas das boas relações que existem entre ambos. Numa publicação de 8 de setembro de 2017, Heitor dedicou uma publicação ao social-democrata para lhe dar os parabéns. Trata-o como um “grande amigo” e o autarca retribui com o seguinte comentário: “Um grande abraço, amigo”.

Nos últimos anos, Heitor Brandão e a família também ajudaram Newton a compor jantares do PSD/Lisboa que muitas vezes têm centenas de militantes.

Karine Brandão chega a dirigente do PSD/Lisboa pela mão de Newton

Apesar de Newton ter vencido com facilidade a concelhia em julho de 2020, a 30 de dezembro desse ano são feitos mais nove novos militantes que moram no pátio da Rua Possidónio da Silva. Quando Newton é reeleito em 2022, já conta com esses votos.

Karine Brandão torna-se candidata à Junta de Freguesia da Estrela ainda antes disso, nas autárquicas de 2021. No Facebook, o autarca da Estrela, cabeça de lista da candidatura, apresentou-a como um “pilar no seu bairro, sempre pronta para ajudar o próximo” e com uma “vida dedicada à sua freguesia”. Um ano depois, Newton volta a ir a votos e é reeleito e leva na lista Karine, que dessa forma se torna vogal da Comissão Política do PSD Lisboa.

Newton apontado a deputado

Nas últimas semanas, segundo relataram ao Observador dirigentes locais do PSD, Luís Newton estaria a preparar terreno para ser candidato a deputado pelo PSD. Como está a menos de dois anos  de atingir o limite de mandatos na junta, o autarca terá manifestado junto dos seus mais próximos a intenção de passar para a Assembleia da República.

Já houve uma reunião de assembleia de secção do PSD/Lisboa, no dia 7 de dezembro, em que Luís Newton teve uma abordagem no mínimo original. Não foram votados os nomes dos deputados indicados pela concelhia, mas o presidente do PSD/Lisboa pediu aos presentes para que os interessados em integrar a lista de deputados enviassem um email. Ao contrário da concelhia de Ovar (que indicou Salvador Malheiro), para já a de Lisboa apenas tem o seu líder a fazer uma recolha de nomes.

Um dos apoiantes de Newton na concelhia afirma ao Observador que “o caso não é sobre ele, nem tem nada a ver com ele”. A mesma fonte do PSD/Lisboa diz que “como Newton não é suspeito nem foi acusado de nada, tem todo o direito a ser deputado”.

As outras polémicas dos velhos tempos

O atual presidente da junta da Estrela tem estado envolvido em polémicas praticamente desde que está na vida politico-partidária. Ainda antes de ser presidente de junta, houve sempre confusão quanto às suas qualificações. A 17 de abril de 2013, o Jornal de Negócios noticiava que era feita uma retificação no Diário da República para estabelecer que o assessor do PSD não era licenciado. Meses depois do escândalo de Miguel Relvas, era assim publicado em DRE a indicação de que onde se lia “licenciado Luís Pedro Alves Caetano Newton Parreira (…) nomeado para a categoria de assessor do grupo parlamentar do PSD”, devia ler-se “Luís Pedro Alves Caetano Newton Parreira”. Ou seja: para retirar a palavra licenciado.

Esta não era, de resto, a primeira vez que Newton tinha problemas com títulos. Em março de 2007, numa subdelegação de competências dada pelo vereador Paulo Moreira, era apresentado como “Eng. Luís Pedro Alves Caetano Newton Parreira” num despacho publicado em Boletim Municipal. Ora, se não era licenciado em 2013, muito menos era engenheiro em 2007.

Em julho de 2017, quando as eleições do PSD/Lisboa se tornaram num grande ato de cacicagem, Luís Newton foi um dos apanhados na angariação de votos. O próprio Luís Newton reconhecia então, em declarações ao Observador, que dirigentes próximos de si tinham listas “a fazer contagens”. E justificava: “Há mobilização e mobilização. Há cacique e cacique. O cacique normal é falar com as pessoas para as levar a votar. Ir buscá-las, não. Há momentos em que temos de traçar uma linha. Isso só deve ser válido quando há uma dificuldade de mobilidade ou quando não têm forma de ir votar”.

O presidente da junta da Estrela fazia uma distinção entre “cacique saudável” e “cacique não saudável”: “Pegar no telefone é uma forma saudável de ver se estão interessados ou não em participar. O outro tipo de cacique, que não é saudável, é quando há operações financeiras envolvidas. Essa troca de participação política por dinheiro é uma coisa que me revolta e que repudio”. No entanto, Newton deixava a suspeição no ar sem ir ao ponto de acusar os adversários de pagarem pelos votos.

Após as autárquicas de 2017, José Eduardo Martins — que era o candidato à presidência da Assembleia Municipal de Lisboa — contava liderar a bancada social-democrata. No entanto, Luís Newton trocou-lhe as voltas e conseguiu ser eleito, recorrendo inclusivamente a inerências (como outros presidentes de junta envolvidos na operação Tutti Frutti). O episódio culminou na suspensão e posterior abandono de José Eduardo Martins com duras críticas para Newton, ainda que sem o nomear diretamente: “O PSD não quis fazer uma opção de corte com determinado tipo de práticas e demonstrou preferir ser complacente com alguns protagonistas que estão mais interessados em criar e manter redes de poder interno do que em servir um projeto coletivo ao serviço do bem comum,”

Também já mais perto das legislativas de 2019, uma intervenção de Luís Newton a propósito das indicações para a lista de deputados levou à demissão do então presidente da concelhia, Paulo Ribeiro. O incumbente queria enviar uma lista com vários nomes (para a nacional escolher) e Newton queria apenas dois: Rogério Jóia e Joana Monteiro.

Dois dias depois da notícia do Observador, deu-se mais um episódio caricato: a própria Joana Monteiro desconhecia que tinha sido apontada por Newton e — num email enviado à distrital, à qual o Observador teve acesso — negou ter autorizado que o seu nome fosse indicado para uma lista à Assembleia da República e disse desconhecer a pessoa que indicou o seu nome. Joana Monteiro dizia que, além de não autorizar que utilizassem o seu nome, foi também “motivo de surpresa  (…) o facto de o meu nome ter sido proposto pelo dr. Carlos Martins, que não conheço, ou secundado pelo dr. Luís Newton, que também não conheço”.

O Observador tentou contactar Luís Newton, o que não foi possível até à hora de saída deste artigo.