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A BlindTalk quer facilitar o acesso a consultas de psicologia e terapia ao permitir que as primeiras sessões sejam anónimas
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A BlindTalk quer facilitar o acesso a consultas de psicologia e terapia ao permitir que as primeiras sessões sejam anónimas

Jaime Ribeiro

A BlindTalk quer facilitar o acesso a consultas de psicologia e terapia ao permitir que as primeiras sessões sejam anónimas

Jaime Ribeiro

Conversas às cegas para "quebrar o gelo". A plataforma criada por casal de psicólogos para ultrapassar "barreiras" na saúde mental

A BlindTalk, criada por Filipa e Gonçalo Neves, permite ter conversas com psicólogos sem mostrar a cara. O objetivo da plataforma é quebrar "barreiras" e o "estigma" para facilitar o acesso à terapia.

Tudo começou com uma conversa às cegas. Há vários anos que o psicólogo Gonçalo Neves trabalha online com a diáspora. Um dia, preparava-se para começar mais uma consulta por videochamada quando o paciente, que vivia fora de Portugal, rejeitou ligar a câmara. Argumentou que não se sentia confortável em mostrar a sua imagem e a recusa foi aceite.

“Se isto serviu para aquela pessoa com quem trabalhaste, porque é que não servirá para outras?” foi a questão que Filipa Neves, também psicóloga, colocou quando o marido lhe contou o sucedido. E assim nasceu a ideia da BlindTalk, uma plataforma que pretende facilitar o acesso a consultas de psicologia e terapia ao permitir que as primeiras sessões sejam anónimas.

Começou a ser construída em 2019 e ficou disponível em setembro do ano seguinte, estava já o mundo a lidar com a Covid-19. “Ao contrário do que se podia esperar”, o facto de a primeira versão da plataforma ter sido lançada em pandemia “foi mau para nós porque apareceram muitas ofertas online que não são de profissionais, que não são de pessoas habilitadas a trabalhar em saúde mental”, explica Gonçalo. Para o psicólogo, com formação em psicoterapia relacional e terapia de casal, é “grave e perigoso” que muitas pessoas que tiraram “um curso de um fim de semana” pensem que podem “mexer na vida” dos outros.

Para acabar com o estigma em redor da saúde mental, a BlindTalk inicialmente permitia apenas sessões anónimas com psicólogos. Ao longo dos últimos três anos a plataforma tem evoluído, passando a incluir a possibilidade de marcar consultas não anónimas e de oferecer vouchers. Ainda assim, o objetivo permanece o mesmo: “Facilitar o caminho de pedido de ajuda”, que várias vezes não é concretizado porque as pessoas não se sentem “à vontade”.

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Gonçalo e Filipa Neves, BlindTalk

Gonçalo e Filipa Neves, psicólogos, são os criadores da BlindTalk

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Quebrar o estigma e “chegar às pessoas de uma outra forma”

Filipa e Gonçalo Neves conheceram-se quando frequentavam o mestrado em psicologia. Ao longo dos 14 anos de experiência em “prática clínica” têm procurado ter um percurso “virado para a intervenção e focado em fazer a diferença”. Antes de criar a BlindTalk, o casal já se preocupava com a necessidade de “chegar às pessoas de uma outra forma, mais próxima”.

Os percursos profissionais de Filipa e Gonçalo Neves

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São percursos profissionais “diferentes, mas sempre próximos”. Filipa Neves fez, após a licenciatura e o mestrado em psicologia, uma especialização em terapia sexual em Londres. Seguiu-se a necessidade de aprofundar a relação terapêutica, o que a levou a estudar Psicoterapia Psicanalítica Relacional, inicialmente em Lisboa e depois em Madrid.

Exerceu em clínicas privadas, nomeadamente na Clínica da Encarnação do Hospital Dona Estefânia, onde trabalhou com crianças e as suas famílias. Esteve também em escolas e, em paralelo, sempre em consultório privado (tanto presencialmente como online).

Por sua vez, Gonçalo Neves trabalhou “principalmente em hospitais”: no Hospital da Marinha Portuguesa, no Hospital Dona Estefânia e no Hospital CUF Infante Santo (um militar, um público e um privado). Ao mesmo tempo, esteve “sempre a desenvolver trabalho em consultório”.

Como sentia que a formação que foi fazendo em Portugal “não era suficiente”, o psicólogo seguiu os passos da mulher e estudou no estrangeiro. Especializou-se em Psicoterapia Psicanalítica Relacional em Madrid; formou-se em Psicoterapia Psicossomática Relacional em Paris e em Terapia de Casal Relacional em Valência.

O principal desafio passava por quebrar a barreira da primeira consulta. A psicóloga — que fez formação em psicoterapia e, mais recentemente, em terapia sexual em Londres — diz que “muitas vezes” as pessoas marcavam uma consulta, mas depois “ou desmarcavam ou não apareciam”. Isto quando ganhavam coragem para, finalmente, marcar uma sessão, porque há quem demore muito tempo para o conseguir fazer.

Gonçalo recorda as pessoas que afirmavam estar a seguir o seu site e o de Filipa — quando ainda tinham, cada um, um site individual para divulgar o seu trabalho — “às vezes há um ano”. Como as páginas tinham “conteúdos fixos”, não havia “nada de novo para ler”. “Fez-nos pensar que realmente as pessoas querem chegar até nós, mas há questões que as estão a impedir e o estigma é, naturalmente, uma delas.”

A possibilidade de nos apresentarmos a uma outra pessoa e saber como é que ela vai reagir também é muito difícil”, acrescenta o psicólogo, ao descrever os desafios a que, em conjunto com a mulher, tentava responder quando pensou em criar a BlindTalk.

Para ajudar quem tem dificuldades em marcar uma consulta porque não sabe “como vai ser acolhida” e para que seja possível ultrapassar o estigma, o casal desenvolveu uma plataforma que permite a procura de ajuda profissional sem terem de “se mostrar imediatamente”. “A pessoa pode ver-me para decidir se quer falar comigo. É essa a generosidade que pedimos aos nossos psicólogos”, indica Gonçalo.

Filipa e Gonçalo Neves recomendam aos profissionais que estão na BlindTalk que não façam mais do que duas ou três sessões anónimas com cada um dos pacientes. “Normalmente, até uma sessão é suficiente para as pessoas ficarem esclarecidas e depois ou vão à vida delas ou continuam o processo dentro da plataforma com o mesmo psicólogo, mas agora já não sob anonimato”, explicam.

Atualmente, a BlindTalk conta com cerca de 20 especialistas, todos registados na Ordem dos Psicólogos. Se, por um lado, o número de profissionais que se encontra na plataforma é conhecido, por outro, o casal não revela quantas pessoas recorrem ao site para consultas. Limita-se a garantir que está em “constante crescendo”.

"Fez-nos pensar que realmente as pessoas querem chegar até nós, mas há questões que as estão a impedir e o estigma é, naturalmente, uma delas."
Gonçalo Neves, psicólogo

Como funciona a BlindTalk? Os passos para uma conversa às cegas

Para os “problemas” que foram encontrando ao longo de anos de trabalho clínico, Filipa e Gonçalo encontraram a “solução”: a BlindTalk, que permite aos utilizadores escolherem o psicólogo com quem querem falar e marcar uma sessão, onde podem optar por manter o anonimato. “O sistema [da plataforma] é nosso porque queríamos garantir que o vídeo estava bloqueado na sessão anónima, em que de maneira alguma pode aparecer a imagem. Ou seja, se a pessoa se quiser mostrar a meio de uma sessão anónima terá de esperar por outra altura, marcar uma sessão não anónima”, detalha o psicólogo.

Para ter uma conversa às cegas é necessário completar alguns passos na plataforma, que, segundo os seus criadores, permite fazer “tudo” — desde marcar e ter as consultas a efetuar o pagamento.

  1. Escolher o tipo de consulta (anónima ou não); a área de intervenção, sendo que existe uma lista na plataforma que apresenta as diversas especialidades que vão desde psicoterapia e neurologia a sexologia e aconselhamento parental; e escolher um psicólogo. Para que consiga conhecer os profissionais antes de, eventualmente, marcar uma consulta são apresentados alguns dados pessoais como uma biografia, detalhes do percurso profissional e académico e uma fotografia.
  2. Escolher a sessão. Se preferir as anónimas, o preço varia consoante as horas: das 7h às 21h custam 25 euros e das 22h às 6h têm o valor de 32,5 euros. Por outro lado, as sessões não anónimas não têm um preço fixo, sendo que é cada psicólogo que escolhe o que quer cobrar pelo seu tempo. A BlindTalk fica com uma percentagem de cada sessão (30%). Filipa e Gonçalo explicam ainda que os profissionais não precisam de pagar nem para entrar, nem para estar na plataforma.
  3. Selecionado o tipo de sessão, é possível escolher no calendário o dia em que pretende marcar a consulta. Junto à fotografia de cada psicólogo aparece o horário e o dia da próxima vaga que têm disponível. Filipa indica que é possível “solicitar horas se aquelas que aparecerem não forem possíveis para si”.
  4. Para aceder à página de utilizador, se ainda não tiver conta, deve registar-se ao colocar o nome, email e password. Esses dados não são, segundo Filipa e Gonçalo, partilhados com os psicólogos. A cofundadora da plataforma nota ainda que se a pessoa “quiser fazer um registo com o próprio nome pode fazer, se não quiser pode usar um nickname“. A mesma lógica aplica-se ao email: pode usar o pessoal ou criar um só para se inscrever na BlindTalk.
5 fotos

Para garantir que o anonimato é preservado, os psicólogos também não têm acesso aos dados de pagamento, que pode ser feito por Mb Way, Multibanco ou transferência bancária. Desta forma, essas informações são, de acordo com o que está escrito na zona de perguntas e respostas da página da BlindTalk, “recolhidas de forma segura por uma entidade de pagamento independente (Ifthenpay)”.

Quando o pagamento é processado, o número e tipo de sessão escolhida são adicionados à conta do utilizador, que no dia e na hora marcada deve aceder à plataforma e à sua área pessoal para conseguir entrar na consulta — que tem a duração de 30 minutos se for anónima e de 50 minutos se for “normal”. Esta é a duração estipulada pela plataforma, mas Filipa afirma que, “depois, cada psicólogo” pode “definir o seu tempo”.

O casal que criou a BlindTalk quis também “fazer dos amigos e familiares agentes de mudança” que podem incentivar a marcação da primeira consulta ou aquela pessoa a “dar o primeiro passo que muitas vezes é difícil”. Por isso, neste momento, a plataforma permite que sejam oferecidos vouchers de sessões anónimas (só são válidos para essa modalidade de consulta). Quem receber um desses vales pode escolher o profissional com quem quer conversar. Atualmente, quem quiser oferecer uma sessão deve contactar a plataforma por email, mas Filipa e Gonçalo garantem que, “em breve”, o processo será automatizado.

"Não passa por uma conversa entre dois amigos porque há sempre um profissional do outro lado que acolhe a pessoa e que a orienta."
Filipa Neves, psicóloga

Nas sessões anónimas é feita terapia?

Se inicialmente é preciso “quebrar o gelo”, ligar a câmara é o passo seguinte. Filipa e Gonçalo Neves recomendam que, no máximo, sejam feitas três sessões anónimas com um determinado profissional. O motivo é que as conversas sem mostrar a cara não são terapia nem substituem uma sessão “normal”.

“Ia dizer que passa por um quebra gelo, por uma psicoeducação, entender o que é a psicologia, que tipo de psicologia é que me favorece e também uma primeira análise [para perceber] se aquele profissional me pode ajudar efetivamente”, afirma Gonçalo.

“Sim, não passa por uma conversa entre dois amigos porque há sempre um profissional do outro lado que acolhe a pessoa e que a orienta”, que a “encaminha” caso exista outro profissional “mais indicado”, continua Filipa, que garante que o anonimato “é só mesmo para permitir este desbloqueio”.

“Um desbloqueio que é experimentado. Não é um desbloqueio porque alguém diz ‘vai lá, não custa nada, vais ver que vai correr bem'”, acrescenta Gonçalo.

[Pode ouvir aqui o quarto episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”. E ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio e aqui o terceiro episódio. É a história de António Lobato, o português que mais tempo esteve preso na guerra em África]

Como considera que é importante “ultrapassar as primeiras barreiras que possam existir” na conversa com um psicólogo, o casal deixa a garantia de que na BlindTalk aqueles que não se estiverem em sentir bem numa sessão anónima podem desligar a chamada, sem ninguém saber que alguma vez a fizeram. Mas existir “terapia anónima é impossível”, uma vez que é necessário “conhecer o paciente”. É por isso que Filipa alerta que “se a pessoa tiver a vontade de falar de forma não anónima deve fazê-lo”.

Se o paciente não tiver empatia com o primeiro psicólogo com quem tiver uma consulta e desejar falar com outro também o deve fazer. “Não podemos ser bons psicólogos para toda a gente. Porque também somos pessoas, temos características pessoais e é preciso que isso seja contemplado. Não tem que ser um problema, não tem que ser um drama”, defende Gonçalo.

“Não podemos ser bons psicólogos para toda a gente. Porque também somos pessoas."
Gonçalo Neves, psicólogo

Quando ‘acertar’ no psicólogo e deixar as consultas anónimas, se expressar a vontade de se dirigir presencialmente ao consultório desse profissional pode fazê-lo. No final, o “ponto fundamental é chegar à pessoa” para ajudá-la da melhor forma possível. “Se as pessoas estiverem na plataforma — mesmo que não seja connosco — e decidirem ‘okay, quero ir ao consultório daquele psicólogo com quem estou a falar na plataforma’ que assim seja (…) Em primeiro lugar, a pessoa tem que poder receber aquilo de que precisa e se tiver que ir ao consultório isso não é um problema para nós. É porque correu bem”, acrescenta o casal.

Filipa e Gonçalo Neves acreditam que os portugueses ainda têm algum preconceito em dizer que procuram auxílio de alguém que “não tem nenhum conhecimento ou interesse” na sua vida, mas que os ajuda a “pensar, pôr a vida em perspetiva” ou a tratar “algo que estão a sentir”. Considerando que todos deveriam ter acesso a esse tipo de ajuda, garantem que só vão “descansar” quando a pergunta deixar de ser “foste ao psicólogo?” e passar a ser: “Quem é o teu psicólogo?”.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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