António Costa apresentou-se este sábado perante os comissários nacionais do PS com uma mensagem de reconhecimento dos tempos difíceis que aí vêm, acompanhada de uma defesa aguerrida das contas certas e do Orçamento do Estado que está a ser discutido. De volta, ouviu elogios de um partido genericamente satisfeito com a proposta orçamental, mas também atento aos pontos fracos mais concretos que encontra no documento e na governação — aumento do IUC, dificuldades no SNS e a recusa de pôr travão às rendas à cabeça, com uma menção honrosa para a TAP.

Numa reunião quase sempre pacífica, segundo os relatos feitos ao Observador sobre a parte do encontro que decorreu à porta fechada, houve espaço para ouvir intervenções de “apoio” aos “equilíbrios” que o Governo conseguiu fazer no Orçamento do Estado para 2024, entre a devolução de rendimentos e a manutenção das contas certas — ou não tivesse uma intervenção de Fernando Medina, dedicada a defender as linhas principais do documento e a rebater os argumentos da oposição sobre o aumento do IUC, obtido um dos aplausos mais expressivos.

Ainda assim, os socialistas não ignoram que têm dificuldades pela frente. Desde logo, precisamente na defesa do IUC, que causa dúvidas até dentro do próprio partido, como desta vez voltaram a expressar alguns dos participantes. A reunião incluiu, de resto, uma intervenção do secretário-geral adjunto do PS, João Torres, em defesa do Orçamento mas a alertar para a “desinformação” que, defendeu, a narrativa da oposição promove sobre questões como o aumento deste imposto, e que podem representar um risco junto do eleitorado. Na mesma linha, ainda esta semana o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, classificava as críticas sobre a medida como “terrorismo publicitário”.

Governo promete que há travão no IUC, mas bancada do PS estuda mudanças: “Não está claro no Orçamento”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Saúde e rendas provocam dúvidas no PS

Apesar de o clima ter sido genericamente pacífico, segundo as informações apuradas pelo Observador, alguns elementos da Comissão Nacional do PS também quiseram deixar alertas sobre temas extra-orçamentais que preocupam o partido nesta altura.

Desde logo, e minutos depois de o primeiro-ministro — ali no papel de secretário-geral do partido — ter defendido a reforma do SNS que veio trazer um “comando próprio” ao sistema de Saúde (com a criação da direção executiva do SNS), houve vozes que quiseram alertar para a relevância desta prioridade e para a sensibilidade do tema, uma vez que as dificuldades na Saúde serão dos temas mais próximos, e mais facilmente sentidos, pela generalidade dos portugueses.

Além disso, houve algumas intervenções de crítica à recente decisão do Governo no sentido de não colocar um travão às rendas no próximo ano, optando antes por alargar os apoios ao pagamento das mesmas — foi, aliás, um dos pontos, a par do IUC, aos quais António Costa fez questão de dar resposta no final da reunião, lembrando que um dos diplomas do pacote Mais Habitação já inclui uma cautela extra sobre o tema: um travão de 2% dos aumentos dos montantes das rendas em relação aos novos contratos.

Governo aumenta valor do apoio às rendas para famílias até ao 6º escalão. Não haverá travão em 2024

Sobre o tema quente que o primeiro-ministro já de véspera tinha tentado matar rapidamente — a devolução do diploma de privatização da TAP por Marcelo Rebelo de Sousa, a que António Costa respondeu com um comunicado de uma linha — não se ouviu ao secretário-geral do PS uma palavra.

Ainda assim, uma das intervenções durante a reunião focou-se nisso mesmo: foi o caso da declaração feita pelo ex-secretário de Estado do Turismo, Bernardo Trindade, que segundo os relatos feitos ao Observador quis frisar as cautelas que é preciso ter no processo de privatização de uma empresa que o PS “salvou”, e que vai recuperando credibilidade — e resultados, mesmo no momento em que o Governo pretende vendê-la. Não terá obtido resposta.

Os ataques da linha minoritária: contas certas não chegam

Como é habitual, a reunião voltou ainda a expor as discordâncias entre a linha minoritária do partido que é crítica do “costismo”, representada por Daniel Adrião, e que voltou a sair derrotada nas votações para a Comissão Organizadora do Congresso do próximo ano (que ficou marcado para meados de março de 2024). Ainda assim, Adrião fez questão de voltar a sublinhar as suas discordâncias com este Governo e em relação a este Orçamento em particular, que classificou como um bom documento para “gerir a conjuntura”, mas não para impulsionar as “reformas estruturais” que Portugal precisa de fazer.

“Não basta que o Estado tenha contas certas, é importante, mas não é suficiente. Sobretudo quando Portugal tem uma economia pouco produtiva e pouco competitiva”, atirou Adrião, segundo a versão escrita da sua intervenção, a que o Observador teve acesso, e discordando assim dos rasgados elogios que Costa fez à sua política de contas certas (e que Medina corroborou).

Para Adrião, a economia portuguesa tem uma série de problemas de fundo — salários baixos que só se atenuam com “políticas assistencialistas” e que não se resolvem com a redução de IRS prometida pelo PS; uma economia pouco desenvolvida que empurra os jovens qualificados para o estrangeiro; entre outros — e este Orçamento não vem ajudar a resolvê-los. A opinião terá sido, como é habitual, minoritária, tendo tido respostas em sentido contrário de dois dos principais dirigentes do PS (João Torres e Eurico Brilhante Dias).

De resto, a reunião serviria em boa parte para discutir processos internos do PS, que saiu do Centro de Reuniões da FIL, em Lisboa, com datas marcadas para o próximo congresso e para as próximas eleições internas (nas federações e nas concelhias). As condições para as tricas internas estão reunidas, mas Costa desejará que os comissários se lembrem das palavras de aviso com que fechou a sua intervenção do dia, já fora do terreno da análise política: “Não vivemos para as nossas eleições internas, existimos para servir as portuguesas e os portugueses.”