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De recuo em recuo até à conquista total. Jogo de contrainformação de líder dos Wagner garantiu vitória em Bakhmut?

Ameaçaram abandonar a cidade e acusaram a Defesa russa de falta de apoio. Este sábado, os Wagner anunciaram a conquista da região e Putin já felicitou a vitória. Zelensky continua a negar tomada.

Bakhmut caiu. Esta é, pelo menos, a garantia que o líder do grupo de mercenários Wagner deixa este sábado sobre a cidade em ruínas, palco da mais longa batalha da guerra e que o próprio apelidou com uma “trituradora de carne”. “Tomámos completamente a cidade, de casa a casa”, anunciou o empresário Yevgeny Prigozhin num vídeo publicado na conta de Telegram, em que surgia vestido de farda militar, ladeado por um grupo de combatentes de cara tapada que nas mãos carregavam as bandeiras tricolores da Rússia e da companhia privada. Enquanto proclamava a vitória ainda era possível ouvir por trás o som de explosões, sugerindo que algum tipo de combates continuavam a decorrer perto da cidade ou até no seu interior.

Se, nas primeiras horas, a notícia foi recebida com silêncio, ao final da noite começavam a chegar sinais de reconhecimento. O mote partiu do Ministério da Defesa, que ecoou as declarações de Prigozhin ao afirmar que, “em resultado das ações ofensivas das unidades de assalto Wagner, apoiadas pela artilharia e aviação do Grupo de Forças Yug”, a libertação de Bakhmut “estava completa”. Pouco depois reagia o próprio Presidente russo, citado pelas agências estatais a elogiar todos aqueles que combateram na cidade e prometendo que os que se destacaram seriam distinguidos com “condecorações de Estado”. A confirmar-se, a conquista de Bakhmut seria a primeira vitória russa em mais de 10 meses e uma que Moscovo espera ser uma porta de entrada para ocupar mais territórios no Donbass.

A reação da Ucrânia foi mais hesitante.  No Japão onde assiste à cimeira do G7, Volodymyr Zelensky foi questionado pelos jornalistas esta madrugada sobre se a Ucrânia ainda mantinha o controlo de Bakhmut após as reivindicações russas, tendo respondido  “não me parece”. Acrescentou ainda: “O que tem de compreender é que não lá existe nada, todos os edifícios foram destruídos”. “Para já, Bakhmut existe apenas nos nossos corações. Não há nada. Bem, muitos soldados russos mortos, mas eles vieram por nossa causa”. Horas depois, Zelensky garantiu que afinal as tropas ucranianas ainda estão na cidade e deixou a clarificação: Bakhmut não está ocupada pela Federação Russa neste momento.

Ainda ontem e logo após o anúncio de Prigozhin, Kiev respondeu a uma só voz para negar ter perdido o controlo da cidade no leste do país. “Isso não é verdade. As nossas unidades estão a lutar por Bakhmut”, garantiu o porta-voz do exército ucraniano, Serhiy Cherevatyi, em entrevista à Reuters. A batalha “continua por cada metro de território”, disse ainda o comandante das forças terrestres ucranianas, Oleksandr Syrsky. Já a vice-ministra da Defesa, Hanna Maliar, deu conta de “combates intensos”, admitindo porém que a situação é “crítica”.

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Não é o primeiro sinal de contradição entre os relatos da Rússia e Ucrânia nos 15 meses de guerra, marcados por constantes estratégias deliberadas de desinformação. O que é certo é que o anúncio surge após uma semana em que as autoridades ucranianas vinham a reclamar os progressos mais rápidos dos últimos meses, com avanços nos flancos norte e sul que Prigozhin assumiu deixarem as suas tropas em Bakhmut em risco.

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Anadolu Agency via Getty Images

Avanços e recuos: as últimas 48 horas de combates em Bakhmut

Eram perto das 14h quando o serviço de imprensa de Prigozhin publicou o vídeo do anúncio sobre a captura da cidade. “Hoje, às 12h, Bakhmut foi completamente tomada. (…) Obrigado, Vladimir Vladimirovich Putin, por nos dar a oportunidade e a grande honra de defender a nossa pátria”, afirmava então o líder dos Wagner, segundo uma tradução da agência russa Ria Novosti. A mensagem era bem diferente da que publicara esta quinta-feira, quando admitiu ser “improvável” a cidade cair nas mãos dos russos numa questão de dias. Mas o que mudou em 48 horas?

Há dois dias, Yevgeny Prigozhin explicava que, em Bakhmut, um território em particular continuava a estar fora do controlo das forças russas: um subúrbio que dá pelo nome de Samolet, que o líder dos Wagner descrevia como uma “fortaleza impenetrável”. Era aí que dizia estarem a concentrar-se as batalhas “mais difíceis” frente às tropas ucranianas. Já na tarde deste sábado, Prigozhin garantia que a última secção deste território tinha sido completamente tomada, uma informação contrariada pelas autoridades ucranianas. “A situação é crítica. Mesmo assim as nossas tropas estão a segurar a linha no distrito de Samolet”, garantiu nas últimas horas o Ministério da Defesa da Ucrânia.

Para já, os relatos não foram verificados de forma independente, mas surgem numa altura em que a iniciativa parecia estar do lado da Ucrânia. A 18 de maio, a vice-ministra de Defesa ucraniana reclamou que as Forças Armadas tinham conseguido avançar respetivamente 500 e 1.000 metros a norte e sul de Bakhmut, declarações reforçadas pelo testemunho do porta-voz das forças ucranianas que garantiu um avanço de até 1.700 metros. No mesmo sentido, o próprio Prigozhin denunciou um recuo de 570 metros das unidades do Ministério de Defesa russo. Uma retirada que dizia pôr em risco as posições asseguradas pelos Wagner e que deixavam os flancos da cidade expostos a ataques ucranianos.”Apelo à liderança de topo do Ministério da Defesa, publicamente, uma vez que as minhas cartas não estão a ser lidas: por favor, não abandonem os flancos.”

No dia seguinte, Kiev via sinais de um reforço das reservas russas em Bakhmut, o que teria diminuído a taxa de avanços ucranianos. Se o facto era celebrado por alguns bloggers militares russos, Yevgeny Prigozhin prosseguia as críticas às forças regulares russas pela retirada de posições das linhas defensivas. Apesar disso, por essa altura já algumas vozes na esfera de informação russa declaravam “prematuramente” que o grupo Wagner tinha capturado Bakhmut, segundo apontou o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla em inglês) no mais recente relatório sobre o conflito.

Num documento publicado a 19 de maio, o think tank norte-americano referia que as vozes que celebravam a vitória dos Wagner pareciam estar em minoria e a atrair a “ira” das opiniões dominantes. No terreno, o ISW não via indicações de que as forças ucranianas estivessem a conduzir retiradas da cidade ou que os ataques dos mercenários russos colocassem em risco iminente de captura as posições de Kiev. A avaliação ia mais longe, sugerindo que os recentes contra-ataques ucranianos perto de Bakhmut teriam eliminado a ameaça de um cerco russo.

O que é certo é que Yevgeny Prigozhin já cantou vitória em Bakhmut e por toda a cidade os seus homens içaram as bandeiras tricolores da Rússia, como mostram os vídeos divulgados na sua conta de Telegram. O cenário destoa em muito com a campanha que ao longo das últimas semanas tem feito, marcada por duras críticas às lideranças russas pela falta de equipamento militar disponibilizado. Ainda há pouco tempo parecia mesmo disposto a atirar a toalha ao chão e desistir das posições que tantas vidas custaram a assegurar.

Do anúncio de uma retirada à alegada captura de Bakhmut: Prigozhin lançou uma campanha de desinformação?

“Declaro que, em nome dos combatentes e do comando Wagner, a 10 de maio de 2023 seremos obrigados a transferir as posições na cidade de Bakhmut para o Ministério da Defesa e retirar as restantes forças para campos logísticos para lamber as nossas feridas.” Este era o conteúdo de um comunicado escrito há duas semanas por Yevgeny Prigozhin, que há vários meses está em conflito com a liderança militar russa perante a falta de munições disponíveis aos seus combatentes.

A guerra dentro da guerra: Putin tira o tapete a Prigozhin e diminui “protagonismo” do grupo Wagner na Ucrânia (e do seu rival no futuro)

O líder dos Wagner não tem poupado nas críticas dirigidas, em particular, ao ministro da Defesa e ao chefe do Estado-Maior, que responsabiliza pelas perdas de combatentes. “Os mortos e feridos — e são dezenas de milhares de homens — estão na consciência daqueles que não nos deram munições, e este é o Ministro da Defesa Shoigu e este é o Chefe do Estado-Maior Gerasimov”, chegou a afirmar num vídeo divulgado no início deste mês, gravado em frente a dezenas de corpos de soldados mortos em combate.

Foi neste cenário de elevadas perdas que o empresário deixou claro ao Ministério de Defesa que não tinha intenção de continuar a somar baixas e que estava pronto a abandonar as posições ocupadas em Bakhmut desde o dia 8 de outubro de 20222 — data que aponta como o início da ofensiva dos Wagner na cidade. “Os meus tipos não vão sofrer perdas sem munições em Bakhmut, que são inúteis e injustificadas. Portanto, a 10 de maio de 2023 iremos abandonar a localidade”, anunciava. E ia mais longe. Estava disposto a ceder as suas linhas aos combatentes do líder da Chechénia, Ramzan Kadyrov, conhecido como o “soldado raso” do Presidente russo.

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Global Images Ukraine via Getty

Este parecia o culminar do braço de ferro com a liderança militar russa, com uma aparente cedência da parte de Prigozhin. Ao longo dos últimos meses, já tinha visto bloqueados os seus esforços para recrutar nas prisões russas — uma das principais fontes de novos membros da companhia privada durante a guerra — e sentia os efeitos de uma aparente perda de interesse do Kremlin em apoiar as atividades do grupo na Ucrânia, como têm apontado alguns especialistas internacionais. Propagavam-se até rumores de que os meios de comunicação sociais tinham sido informados para não fazerem referência àquilo que o líder do grupo Wagner dizia, incluindo as críticas contra o Ministério da Defesa.

Enquanto o prazo para pôr em marcha a retirada de Bakhmut se aproximava, as críticas de Prigozhin subiam de tom, o que lhe terá valido ameaças do próprio Ministério da Defesa. “Chegou-nos uma ordem de combate que afirmava claramente que, se deixarmos as nossas posições, isso será considerado traição contra a pátria”, revelou a 9 de maio, garantindo que ia cumprir a ameaça até ao fim se as munições não chegassem. O que é certo é que passadas duas semanas os mercenários do grupo Wagner permanecem em Bakhmut, cantando vitória sobre a Ucrânia. Mas seria tudo uma fachada? Uma campanha de desinformação para enganar as forças ucranianas e fazê-las crer que estavam numa posição para recuperar território?

Não é claro que seja esse o caso, numa altura em que pouco se sabe sobre o que se passa verdadeiramente em Bakhmut. Mas não seria a primeira vez que um golpe de contrainformação era usado para produzir ganhos territoriais na Ucrânia. Essa foi a estratégia de Kiev em setembro do ano passado, quando fez bandeira de uma ofensiva musculada em Kherson para afinal conseguir vencer os russos em Kharkiv, segundo revelaram ao The Guardian fontes das forças especiais ucranianas. Durante vários dias, a liderança da Ucrânia difundiu informações falsas — algumas disseminadas pelos próprios órgãos de comunicação social internacionais — enquanto apanhava de surpresa as forças de Moscovo no ponto oposto da região. Na operação foi possível recuperar mais de um terço da região ocupada em Kharkiv em apenas três dias.

Grupo Wagner canta vitória, mas sonha com partida de Bakhmut e já há data marcada

As próximas horas, senão dias, serão determinantes para compreender qual o desfecho dos confrontos em Bakhmut e quem controla verdadeiramente o território. Moscovo e Kiev não cedem e mantêm-se para já fieis às suas versões da história.

Pela sua parte, o grupo Wagner, há mais de oito meses a combater na cidade, já sonha com a saída da cidade e Yevgeny Prigozhin já anunciou que a companhia privada está de partida dentro de cinco dias. “Até 25 de maio, vamos inspecioná-la completamente, criar as linhas de defesa necessárias e entregá-las aos militares para que possam continuar o trabalho“, revelou ainda este sábado.

Neste anúncio, porém, a Ucrânia vê um sinal de derrota. Para Serhiy Cherevatyy, porta-voz das Forças Armadas da Ucrânia, Prigozhin só proclamou vitória em Bakhmut para ter uma desculpa para retirar as suas tropas da cidade em ruínas. “Na verdade, nós eliminamos este grupo muito poderoso”, garantiu em declarações à rádio Free Press. “Está perto da destruição.”

Atualizado às 09.20 com declarações de Volodymyr Zelensky no Japão. 

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