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Nuno Sampaio / Revista RUA

Nuno Sampaio / Revista RUA

"É um privilégio". Como se transforma Braga a partir deste Theatro Circo

Paulo Brandão é diretor artístico desta sala de espectáculos há 15 anos. Em entrevista, fala do novo festival de jazz de Braga, do Minho e do Norte, dos desafios da programação cultural e do país.

Paulo Brandão, 53 anos, é há década e meia (desde 2006) o diretor artístico do Theatro Circo, a imponente, vistosa e centenária sala de espectáculos de Braga, inaugurada em 1915.

Antes de assumir a direção artística do Theatro Circo, Paulo Brandão trabalhou como produtor e diretor de cena no Teatro Nacional de São João, no Porto — cidade onde se formou —, e depois foi o primeiro diretor da Casa das Artes de Famalicão (cidade onde nasceu), fazendo um trabalho de programação cultural entre 2001 e 2016 que, não só mas sobretudo pela oferta musical, lançou as bases para que a sala, a cidade e a região Norte tivessem uma programação cultural mais sintonizada com a de grandes cidades.

Depois de Famalicão, o programador e diretor artístico deu continuidade ao trabalho e, a propósito de um novo festival chamado ZZ — Jazz no Eixo, cuja primeira edição está já a decorrer e que inclui concertos de jazz em três espaços da cidade de Braga — o Espaço Vita, o gnration e o Theatro Circo —, falámos com Paulo Brandão.

A conversa começou sobre esta primeira edição do festival ZZ — Jazz no Eixo e sobre que apelo popular pode o jazz ter nestes tempos. Porém, rapidamente se estendeu às vantagens e dificuldades de programar concertos, peças de teatro e espectáculos de outras artes performativas em Braga, àquilo que a pandemia veio provocar e mudar nos cineteatros e auditórios municipais e a como se trabalha em rede na cidade de Braga — com programadores diferentes a colaborarem em festivais e projetos comuns.

Também se falou de uma Covid-19 que veio estragar aquele que estava a ser “o melhor ano” do Theatro Circo, dos espectáculos programados ao longo de mais de 20 anos que o marcaram, do quanto o país e a oferta cultural e musical mudaram no decurso deste tempo, de que Theatro Circo que está a ser projetado para o pós-pandemia e para os anos de 2022 e 2023 e do motivo que a leva a que cidades como Guimarães e Braga tenham salas com uma programação tão regular, tão distintiva e tão apelativa até para as cidades circundantes, como o próprio Porto.

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Vai começar agora a primeira edição do Festival ZZ — Jazz no Eixo. Porquê lançar um novo festival nesta altura e porquê um festival de jazz?
Braga tem alguma carência, digamos assim, nesta área da música. Ou melhor, tem algumas carências mais no sentido de juntar num determinado período de tempo um festival, porque na verdade o gnration investe na área do jazz, num jazz mais alternativo. O Theatro Circo também o faz mas ao longo do ano e a Câmara Municipal de Braga também vai fazendo coisas pontualmente mas não de forma concentrada.

[Rita Payés i Elisabeth Roma, para ouvir aqui e também em palco no Festival ZZ — Jazz ao Eixo:]

A ideia é que o festival tenha sequência nos próximos anos?
A génese deste festival está em algo que se prende com a Mostra Musical do Eixo Atlântico, que existe entre Portugal e Galiza. Daí este festival ter muitos nomes hispano-americanos. É um festival que parte da Câmara Municipal. O nome, a construção e programação foi ideia minha e do Luís Fernandes [, programador] do gnration. A ideia é continuarmos porque percebemos que o festival tinha força, que a programação faz muito sentido. Ficámos contentes, como é óbvio, com o que conseguimos juntar. Vamos ver como corre relativamente a questões que têm a ver com a pandemia, com as limitações que existem — nomeadamente nas viagens.

Os concertos da 1ª edição do festival ZZ -- Jazz no Eixo

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O festival começou o concerto de uma das mais singulares trompetistas, instrumentistas e compositoras do atual jazz norte-americano, a desconcertante Jaimie Branch, que atuou no gnration na quinta-feira, 8 de julho. Depois disso prossegue com 11 espectáculos: Thumbscrew (9/7, gnration), os cúmplices Dave Douglas, mestre do trompete, e Franco D’Andrea (10/7, Espaço Vita), a antora portuguesa recentemente nomeada para um Grammy Maria Mendes (10/7, Theatro Circo), A’Mosi Just a Label (11/7, Espaço Vita), o Lan Trio de Mário Laginha (11/7, Theatro Circo), o jovem prodígio português do saxofone Ricardo Toscano a tocar e reimaginar o disco ‘Love Supreme’ (15/7, gnration), Luis Vicente Quartet (16/7, gnration), a agora consolidada trompetista Yazz Ahmed (17/7, Theatro Circo), Orquestra Galega de Liberación (17/7, Espaço Vita), Alabaster Deplume (18/7, 18h) e Rita Payés & Elisabeth Roma (18/7, Espaço Vita)

Daquilo que se tem apercebido enquanto programador, e sendo alguém que conhece de perto também a programação que tem sido feita em Braga na área do jazz, que espaço é que lhe parece que o jazz pode hoje ter e qual é a dimensão do público de concertos de jazz? É hoje maior do que era há uns anos, é igual, é menor?
Diria que o jazz é algo até bastante popular, porque no fundo é uma área que influencia e sempre influenciou a música ao longo dos tempos. É um dos espectros musicais em que a música poderá chegar mais longe, porque temos desde o free-jazz e o jazz improvisado ao jazz eletrónico, ao jazz vocal… há muitas áreas do jazz que têm sido exploradas. E acho que cada vez se contaminam mais e cada vez contaminam mais a música popular — não é nada raro vermos colaborações e trocas de experiências a nível musical entre artistas do jazz e de outros géneros.

Estou a lembrar-me que começa a ser curioso que na música cada vez existam menos bandas e cada vez existam mais pessoas a assinar em nome próprio. É muito difícil hoje em dia construir-se uma banda que perdure no tempo durante muito tempo. No jazz, esse jogo de combinação entre várias áreas e instrumentos — o piano, a voz, o saxofone, o trompete, etc — faz com que existam projetos muito interessantes e muito necessários. Existem muitas coisas a descobrir.

Mas perguntava-lhe também sobre o público que lhe parece que o jazz tem hoje, enquanto programador de concertos.
Julgo que o jazz, assim como a música erudita, continua a ser bastante exigente. Mas mais tarde ou mais cedo as pessoas que gostam mesmo de música e que são muito ecléticas chegam ao jazz, acabam por estudar e tentar aprofundar aquilo que está a ser feito, aquilo que está a ser construído e escrito. E vão procurar os discos de coleção… acho que a área do jazz é aquela onde haverá mais discos gravados ao vivo, há sempre espaço para a improvisação e experimentação. Os encontros no jazz são sempre acontecimentos, juntam pessoas de várias áreas.

O que me parece é que há uma evolução muito grande… cada vez é mais fácil fazer música, as pessoas têm acesso mais fácil aos computadores, sintetizadores, drum machines, etc, e depois cada vez há mais formação, cada vez há mais escolas de música, cada vez há pessoas mais interessadas em saber tocar. Essa evolução reflete-se na música que se faz hoje em dia, que felizmente é multifacetada. Este tempo de pandemia e confinamento, por exemplo, fez com que aparecessem vários projetos feitos em casa, trabalhados e escritos em casa — e este festival vai refletir de alguma maneira alguns deles.

"Acho que o festival não precisa de crescer em termos de nomes maiores. Vamos ver como corre esta edição. É nosso desejo fazer uma próxima. Percebemos que havia lugar para esta variedade de nomes e para a construção da identidade deste festival, que como disse tem a particularidade de ter bons nomes do jazz e nomes muito curiosos hispano-americanos. Parece-me que há um espaço para este festival, que há um espaço por ocupar."

A programação do festival não foi pensada já face às limitações de lotação? Com uma lotação maior — desde logo do Theatro Circo, que é a sala com mais lugares —, tem a convicção que fará sentido à mesma um festival de jazz?
Ah, sim. Sim. Porque o que eu e o Luís tentámos fazer com a Câmara Municipal de Braga foi criar um festival que tivesse uma identidade muito precisa. Chama-se Jazz no Eixo por ocuparmos o eixo atlântico, que é algo bastante importante. Isso reflete-se aliás na programação que temos, em termos alguns projetos como a Orquestra Galega de Liberación, a Rita Payés e a Elisabeth Roma, o quarteto do Luís Vicente, a Maria Mendes.

Acho que o festival não precisa de crescer em termos de nomes maiores. Se virmos um festival que tem o seu lugar e que é incrível, o Guimarães Jazz, temos aí grandes nomes do jazz e sempre com salas lotadas. O objetivo deste festival é também lotar salas. Vamos estar em três espaços diferentes. E sim, acredito numa próxima edição, é nosso desejo fazer essa edição. Vamos ver como corre esta. Há uma vontade de fazer uma segunda edição e percebemos que havia lugar para esta variedade de nomes e para a construção da identidade deste festival, que como disse tem a particularidade de ter bons nomes e nomes muito curiosos hispano-americanos. Parece-me que há um espaço para este festival, que há um espaço por ocupar.

[Recentemente nomeada para um Grammy — que não venceu — a cantora portuguesa Maria Mendes integra a programação do festival ZZ — Jazz ao Eixo:]

Há um clima de indefinição sobre o que serão os próximos tempos, sobre que regras existirão nos próximos tempos no país. E julgo que para a maioria das pessoas não será ainda claro se têm ou não de fazer um teste de diagnóstico à Covid-19 para irem a um espectáculo — ou em que circunstâncias têm de o fazer e em que casos não é necessário. Sente efeitos dessa indefinição no público?
Completamente. Acho que há um agastamento geral. Por acaso aqui há três semanas não diria isso mas sinto que neste momento estamos ou vamos passar por uma fase de agastamento. Não é só a questão do público, que, claro, é muito importante, mas afeta também a própria circulação dos músicos e dos artistas que aqui temos.

Falando francamente, para já está a correr-nos tudo bem mas não sabemos o que poderá acontecer a qualquer momento a qualquer uma destas bandas ou artistas que confirmámos para o festival. Há a questão dos testes, da obrigatoriedade de testes em viagens, e não só: muitas vezes as viagens são feitas de avião e no sítio da escala é preciso quarentena. Há aqui uma data de coisas em jogo que sabíamos que poderiam não correr bem. O mais seguro era não fazer isto, mas estávamos cansados de não fazer.

Essas “coisas em jogo” influenciaram a programação?
Optámos por escolher muitos nomes de Espanha ou Portugal também por isso. Há um certo agastamento e há um cansaço generalizado em nós, programadores, e em todas as estruturas que passam o tempo a programar, a desprogramar, a programar de novo, a cancelar. Não estou a falar do Theatro Circo apenas, porque até temos tido muita sorte, não temos cancelado muitos espectáculos a não ser naquela época de confinamento total.

O festival vai promover concertos em três salas: Theatro Circo, gnration e Espaço Vita. Qual é exatamente a lotação atual dos espaços que vão receber os concertos deste festival e qual seria a lotação sem as restrições impostas pela pandemia?
No conjunto das três salas, poderíamos ter aqui cerca de 1500 pessoas em situação normal. Com as restrições de lotação, conseguimos ter nos três espaços cerca de 750 pessoas.

E discriminando esse número total por sala?
Em condições normais o Theatro Circo tem 800 lugares, o Vita permite 500 pessoas e o gnration tem espaço para 200. Neste momento só nos permitem fazer espectáculos a 50% da capacidade máxima. É mais ou menos isso.

Yazz Ahmed Womad 2018

Yazz Ahmed é um dos nomes fortes do festival (@ Judith Burrows/Getty Images)

O que norteou a divisão dos concertos por sala, a expectativa em termos do público (da quantidade de pessoas) que cada concerto pode atrair ou o reconhecimento e o estatuto, digamos, dos artistas — o que terá sempre também, imagino eu, reflexos no cachet que cada grupo receberá.
Quanto estamos a fazer uma programação para três espaços distintos há várias coisas a ter em conta: o rider [um conjunto de exigências dos artistas e bandas], a disponibilidade dos grupos nos dias que estão a ser pensados, questões de exigência técnica. Há uma série de coisas em jogo. O gnration foi o primeiro espaço a programar os seus concertos, já tinha uma parte da programação feita porque nesta altura do ano costumam programar sempre concertos de jazz. Isso simplificou um bocado a coisa.

Perguntava isto porque por exemplo o programa tem um concerto do Ricardo Toscano a tocar o disco Love Supreme numa sala mais pequena, o gnration. Ao mesmo tempo, tem um projeto internacional com relevância mas talvez menos conhecido do grande público — Alabaster Deplume — a atuar no dia 18 de julho no Theatro Circo, que é uma sala maior.
A programação é algo muito singular e particular, há muitas coisas em jogo quando se programa e às vezes não passa só pela possibilidade do artista. Felizmente eu e o Luís vemos muitos espectáculos, somos programadores que gostam de assistir a coisas, de as ver. Também acho que é bom quando temos um grande nome numa sala pequena. E até, muitas vezes, também é bom termos nomes mais pequenos em salas grandes, o que com estes condicionalismos acontece mais e também é uma oportunidade para as bandas. No caso do Theatro Circo, fazermos uma programação com nomes portugueses no grande auditório acaba por funcionar melhor neste contexto, porque ter menos público na plateia não é tão grave como era antes da pandemia.

Essa é uma consequência, por mais que mínima, que destoa de quase todas as consequências negativas da pandemia — muitas bandas de pequena e média dimensão puderam tocar em salas maiores, com mais condições, devido às limitações de capacidade máxima de espectadores nas salas.
Sim. As pessoas também podem estar mais espalhadas e podem usufruir de um espectáculo com a qualidade de som, luz e imagem de um grande auditório, que é sempre diferente dos pequenos auditórios. Isso permite algumas surpresas para os espectadores, como acredito que acontecerá neste festival com nomes que as pessoas possam não conhecer — como Alabaster Deplume, de que falávamos.

Ricardo Toscano é um dos músicos que irá atuar no festival que já começou em Braga (@ Vera Marmelo)

O festival vai decorrer em três espaços diferentes de Braga. O que é que essa abrangência de salas e espaços distintos permite, em termos de programação de um festival?
O gnration acaba por ser espaço que é uma box, há um contacto muito próximo com os artistas, acho que é o espaço onde é mais possível vivenciar aquilo que se vive num clube de música, digamos. O Vita é um espaço muito particular, muito bem equipado e muito confortável, tem um segundo balcão e permite uma leitura muito interessante do que se faz no palco. E o Theatro Circo é um grande auditório, tão nobre e tão diferente que qualquer coisa que façamos lá acaba por ter a sua imponência, a sua distância.

Acho que o Theatro Circo é uma casa mesmo muito ambicionada por muitos músicos mas é também sempre um desafio. Do ponto de vista espectador, em qualquer lado do Theatro Circo vê-se bem o palco, o som é extraordinário, há um contacto próximo. Acredito que é um privilégio tocar no grande auditório do Theatro Circo. Aqui, também vamos fazer concertos no pequeno auditório.

A outra sala, Espaço Vita, é menos conhecida.
É um espaço que pouca gente conhece e é um espaço incrível. Tem sido alugado, vai sendo alugado [pelos proprietários]. É uma pena não ter ainda mais espectáculos. O Theatro Circo e o grnation, com a câmara municipal de Braga, cada vez ambicionam mais fazer eventos onde se possa tirar partido dos diferentes espaços de Braga. E já existem festivais em que isso acontece. Por exemplo: pouca gente sabe que em Braga há um auditório no Instituto Português da Juventude, no IPJ. Há muitos espaços escondidos e isso é bom.

A programação deste festival foi feita de forma coordenada, entre Theatro Circo e gnration. Não é de hoje que há festivais que acontecem nestes dois espaços de Braga em simultâneo. São espaços que se complementam? Ou que concorrem?
Acho que um pouco de ambas. Vamos tentando afinar e neste momento estamos juntos. Acho que muitas vezes complementam-se, sim. São espaços completamente diferentes, muito diversos até nas escolhas. Existirem os dois é um desafio porque permite a cada um de nós [programadores] vermos coisas diferentes e experimentarmos fazer coisas diferente. Isso reflete-se no público e na procura do público. Acho que cada vez mais será uma colaboração muito positiva. Não creio que a complementaridade limite a liberdade de cada um dos espaços, das suas escolhas, das idiossincrasias de cada um de nós [os dois programadores]. Isso é muito positivo. E comunicamos muito bem entre nós, este cartaz reflete isso.

Estava a pensar se, apesar de serem espaços muito diferentes e com lotações diferentes, não existem coisas que por vezes possam fazer sentido em simultâneo nas duas salas. Ou seja, se é fácil perceber imediatamente “este concerto só faz sentido no GNRation” ou “este concerto só faz sentido no Theatro Circo”.
Sim, sim. Isso vai acontecendo. É preciso não esquecer que o gnration trabalha áreas muito precisas da música e tem depois o festival Semibreve, que acontece no Theatro Circo e que de certa forma é uma extensão de muito do que o gnration faz. Reflete a sua dedicação à música eletrónica, à música feita para cinema e mais exploratória. Esse campo pertence muito mais ao gnraton do que ao Theatro Circo. Acho que o cruzamento dos espaços vai existindo mas não de uma forma que condicione um ou outro.

Luís Fernandes: foi ele que fez de Braga a capital da eletrónica

Em termos de números, tem ideia de quantos espectadores teve o Theatro Circo em 2019 e qual foi a diferença depois para 2020, o primeiro ano pandémico?
Quando terminámos o ano de 2019 estávamos com 100 mil espectadores por ano. E no dia 9 de março de 2020, ou dia 10, quando encerrámos o espaço, já tínhamos em bilheteira — em vendas de bihetes até junho, julho — cerca de 350 mil euros. A maior parte dos espectáculos estavam esgotados, aliás acho que não havia nenhum que não estivesse esgotado. Acho que 2020 iria ser o nosso melhor ano se não fosse a pandemia. Isso é fruto de um trabalho de anos, porque o público é uma coisa que se vai construindo ao longo dos anos.

Ainda há muitas pessoas em Braga, na região e a nível nacional que ainda não conhecem o Theatro Circo, mas vamos conquistando esse público. Isso consegue-se também com as propostas que temos para as pessoas, mas não só. Muitos espectadores arriscam, não conhecem muito bem os projetos que vêm ver. Por exemplo, grande parte das pessoas não conhece estes nomes do jazz mas as pessoas arriscam porque sabem que são nomes de qualidade, que vão ser bem apresentados, que também a nível técnico temos muitas exigências… tudo isso somado faz com que as pessoas nos procurem.

O perfil do público mudou com a pandemia?
O ano de 2020 estava a ser extraordinário e infelizmente nada fazia prever o que aconteceu. Depois voltámos em junho com as “7 Quintas Felizes”, fizemos sete espectáculos às quintas-feiras com muito sucesso, as pessoas estavam com muita vontade de vir aos espectáculos. Neste momento temos um público muito, muito, muito jovem — mesmo muito jovem. É muito diferente do anterior. Acho que isso está relacionado com os projetos musicais que propomos mas não só. Os  miúdos estão a querer sair de casa e a procurar um tipo de rotinas diferente [da procurada por um público mais velho].

"Investimos muito [na pandemia] em nomes e bandas nacionais, em muitos casos muito pouco conhecidos. Lembro-me de termos uma casa incrível com Gator, the Alligator, com o Valter Lobo... Estamos a procurar nomes que ainda não tenham estado no Theatro Circo, em especial portugueses. Isso vai permitir dar a conhecer outros projetos a nível nacional. Não era que não o fizéssemos, já, mas agora tem outra visibilidade porque é quase a programação central do Theatro Circo."

Como diria que foi a primeira reação do Theatro Circo e da programação cultural de Braga à pandemia, numa primeira fase? Como foi feita a adaptação?
A nível de proteção, respeitámos todas as normas. Tivemos de adaptar-nos e condicionar muitas coisas. Essa adaptação é um exercício diário, quase. Quanto ao público e à informação que tem chegar ao público, usámos meio completamente diferentes, não tanto o papel porque as pessoas não saíam à rua. Foram algumas das coisas que tivemos de aprender e adaptar. Depois também investimos muito em nomes portugueses e bandas portuguesas, muitas delas muito pouco conhecidas. Lembro-me de termos uma casa incrível com Gator, the Alligator, com o Valter Lobo também, por exemplo.

Estamos a procurar nomes que ainda não tenham estado no Theatro Circo, em especial nomes portugueses. Isso vai permitir dar a conhecer outros projetos a nível nacional. Não era que não o fizéssemos, já, mas agora tem outra visibilidade porque é quase a programação central do Theatro Circo.

A programação já anunciada do Theatro Circo

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Nem só de jazz e do Festival ZZ — Jazz no Eixo se fará a programação do Theatro Circo nas próximas semanas. Na dança está anunciado o espectáculo “Omnia”, para os dias 14/7 a 16/7 (inclusive). No teatro estão anunciadas apresentações de “A Contenda dos Labradores…”, a 22 e 23 de julho, e de “A Criatura”, de 27 a 30 de julho. Na música sabe-se já o calendários dos próximos concertos fora do festival de jazz: Yosune a 31/7, Cuca Roseta a 6/8, Paulo Flores a 13/8, Rita Vian a 20/8 e Pedro Mafama a 27/8. E no cinema estão calendarizadas sessões de exibição de oito filmes: “Ladrões de Bicicletas” (12/7), “A Rapariga da Mala” (19/7), “A Voz Humana” (26/7), “Nocturno” (2/8), “O Meu Burro, o Meu Amante e Eu” (9/8), “A Minha Noite em Casa de Maud” (16/8), “Annette” (23/8) e “O Deserto Vermelho” (30/8).

Certamente que já estará a ser preparada a programação do Theatro Circo para o pós-pandemia. Será um Theatro Circo diferente do que era antes da pandemia?
Sim. Estou a fechar neste momento a programação até final do ano. Quando digo que estou a fechar significa pedir a aprovação, a contratação [pública dos concertos], para novembro, para dezembro. Estou também a desenhar programação para 2022-2023. Temos a candidatura de Braga a capital europeia da cultura em 2027 [Braga’27] e a programação é preparada de dois anos em dois anos. Se não vier a ganhar, a programação vai-se manter nas suas linhas gerais.

Vão aparecer muitas novidades, vamos ter um conceito diferente de Theatro Circo. Este tempo de pandemia obrigou-nos a pensar, a refletir, a perceber o que podemos melhorar. Daqui a duas semanas vamos entrar em escritórios e salas novas, mais adequadas à equipa que temos aqui. Tínhamos muito poucos espaços, poucas janelas. Aproveitámos a pandemia para fazer obras. A isso junta-se a compra de equipamento, alguma aposta na transmissão online [dos espectáculos], acho que se vai refletir na oferta cultural.

"Os anos de 2022 e 2023 estão já a ser pensados de forma diferente, com propostas até a nível de produção, com propostas aos artistas para criarem projetos quase em exclusivo para o Theatro Circo. Vamos trabalhar para melhorar os ciclos e festivais que já temos e vamos também trazer algumas propostas de coisas que não tínhamos tido oportunidade de fazer: coproduções, convidar alguns nomes para espectáculos específicos, promover eventualmente encontros de artistas, encomendar peças."

Há alguns detalhes que possa descortinar sobre essa programação para 2022 e 2023?
Apesar de achar que as coisas ainda vão demorar, que ainda demorará até ao desaparecimento desta doença, 2022 e 2023 estão já a ser pensados de forma diferente, com propostas até a nível de produção, com propostas aos artistas para criarem projetos quase em exclusivo para o Theatro Circo. Acho que vai haver aqui espaço para que nomes internacionais e nacionais possam ter mais tempo para criar. A importância do tempo e paciência para criar foi algo que ficou vincado na pandemia.

Quer quanto a ciclos concretos quer quanto a linhas orientadoras gerais, o que transitará do Theatro Circo antigo e pré-pandemia para o Theatro Circo pós-pandemia? E o que cairá?
O que estava a pensar fazer era protegermos e melhorarmos alguns ciclos e festivais que temos. Estou a lembrar-me do Respira!, o ciclo dedicado ao piano, ou do Musa, o festival no feminino que é direcionado sobretudo às mulheres e vozes femininas na área da música. Também o ciclo A Dança Dança-se Com Os Pés, direcionado para a dança.

Vamos trabalhar para melhorar esses ciclos e festivais e vamos também trazer algumas propostas de coisas que não tínhamos tido oportunidade de fazer: coproduções, convidar alguns nomes para espectáculos específicos, promover eventualmente encontros de artistas, encomendar peças. A ideia passa por termos um papel mais ativo na construção da programação para os próximos seis anos, é esse o nosso desejo.

O Theatro Circo, em Braga (@ HUGO DELGADO/LUSA)

Se pensarmos na região Norte, de forma mais ampla, o Paulo terá certamente uma visão sobre por um lado as dificuldades e as vantagens de programar nesta região do país, por outro sobre a oferta que existe nesta região face a outras regiões do país. O que pensa disto?
Felizmente o Theatro Circo tem duas ou três coisas muito positivas. Estamos perto de Espanha, estamos muito bem servidos de transportes, o Aeroporto Sá Carneiro fica muito perto e isso a nível internacional é muito importante. Depois temos alguns bons criativos que vivem nesta região, em cidades como Braga, Guimarães, Famalicão, diria que vai até ao Porto mas vai também a Vila Real, à Guarda, a toda esta região norte e noroeste.

O que acontece muitas vezes é que na área sobretudo da dança e teatro, mas também de certa forma na música, é muito complicado sobreviver sem Lisboa. A imprensa está sobretudo em Lisboa, as rádios também. Às vezes sem as pessoas se deslocarem e estarem lá de forma mais longa no tempo há carreiras que se perdem. Ainda assim, cada vez mais isso acaba por se esbater. Neste momento as plataformas online permitem comunicarmos bem. Qualquer pessoa pode dar a conhecer os seus projetos online e esses projetos muitas vezes ganham vida e procura através dos meios digitais. As autarquias também têm vindo a concentrar mais algumas coisas e os apoios cada vez são mais alargados a estruturas que não são de Lisboa ou do Porto. Parece-me que começa a haver mais atenção a essas disparidades mas claro que um há forte desequilíbrio entre o litoral e o interior do país. No interior é tudo mais complexo. Braga é uma cidade do litoral e não sofrerá como Guarda ou outras cidades.

"Temos muito público do Porto. Há poucas estruturas com uma programação tão eclética como o Theatro Circo ou o Centro Cultural Vila Flor [em Guimarães]. No Porto e em Lisboa [por haver mais salas] as coisas estão um bocado mais espalhadas. E no que respeita à música o Porto tem realmente algumas falhas, também por não ter nenhum espaço muito direcionado para a música que seja financiado com dinheiros públicos como é o caso do Theatro Circo, que é uma empresa municipal"

Ia fazer-lhe uma provocação e perguntar-lhe se acha que a programação musical em Braga e Guimarães é atualmente mais interessante do que a programação musical no Porto, que é a segunda cidade do país com mais habitantes. Mas faço uma pergunta menos provocatória: quanto do público que vê espectáculos em Braga, e quem diz Braga poderia dizer também Guimarães, vive ou trabalha no Porto? Tem uma ideia?
Ah, sim, sim. Há uma relação muito grande com o Porto, temos muito público do Porto. Há razões para tal, Lisboa também sofre um pouco disso: há poucas estruturas com uma programação tão eclética como Theatro Circo ou o Centro Cultural Vila Flor. É como se toda a programação de Braga estivesse concentrada num espaço, ou pouco mais, tal como acontece em Guimarães. Não acontece irmos ao Rivoli para ver dança, ir ao Campo Alegre ver teatro, depois irmos a outros espaço para ver música ao vivo… não é preciso fazer esse movimento que é necessário nas grandes cidades, que têm mais salas especializadas.

Em Lisboa também acontece ir-se ver teatro ao Teatro Nacional D. Maria II ou ao Teatro São Luiz, ir-se ao B.Leza ouvir sons mais quentes e de África, ir-se ao Capitólio ouvir outro tipo de música… está tudo um pouco mais espalhado. Em cidades como Braga e Guimarães os espaços acabam por concentrar várias coisas. Não há dúvida de que há muito maior oferta cultural em Lisboa e Porto, mas essa concentração em áreas artísticas num só espaço acaba por ser também uma mais-valia para quem os programa. No que respeita à música o Porto tem realmente algumas falhas, também por não ter nenhum espaço muito direcionado para a música que seja financiado com dinheiros públicos como é o caso do Theatro Circo, que é uma empresa municipal. Mas se pensarmos em espaços dedicados a dança, por exemplo, o Rivoli [no Porto] é um espaço quase imbatível, do melhor que existe no mundo e acaba por ser quase incontornável a nível nacional.

O Theatro Circo faz um século de vida. Venham mais cem anos

A verdade é que o próprio Paulo tem um percurso de programação e trabalho na região Norte e também no Porto: esteve no Teatro Nacional São João durante quase oito anos, a fazer produção e direção de cena, depois foi o primeiro diretor da Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão. Ou seja, sabe o que é trabalhar nesta setor em outras cidades da região. Que diferenças existem entre trabalhar nessas cidades e programar em Braga e que diferenças maiores vê na oferta cultural que existia quando começou e a atual?
Em 2001, quando comecei a fazer programação na Casa das Artes — era o Porto capital europeia da cultura —, esse era um dos únicos espaços a funcionar. O Theatro Circo estava encerrado, o Centro Cultural Vila Flor ainda não existia e o Porto tinha algumas dificuldades porque na altura o Rivoli era um projeto que não tem nada a ver com o que existe hoje. Não existia grande concorrência. Isso teve o seu lado positivo: nos quatro ou cinco anos em que lá estive, conseguimos mostrar que era possível ter-se uma programação muito alternativa, cosmopolita, que arriscasse, e ainda assim ter muito público. Isso mostrou na altura que era possível a uma cidade periférica como Famalicão ter nome e fazer algo pela cultura, tendo uma oferta programática muito parecida com o que acontecia no Porto e em Lisboa, às vezes com propostas que nem eram apresentadas nessas duas grandes cidades.

Vivíamos anos diferentes, no que respeita à circulação de artistas. Por exemplo, a área da música funcionava de forma muito diferente, hoje em dia qualquer projeto pequeno exige produção e exige uma digressão [europeia] imensa porque os custos, de viagens e não só, são muito maiores. Mesmo as exigências em relação a pessoas que trabalhavam numa estrutura artística — a nível técnico, humano, de comunicação — eram completamente diferentes.

"Lembro-me de espectáculos de Antony and the Johnsons, de CocoRosie, de companhias de França da área do teatro — grupos e artistas que estrearam-se praticamente ali, na Casa das Artes de Famalicão. De todo o lado chegavam projetos a Famalicão. Percebeu-se, creio, que uma cidade média pode ser cosmopolita e pode ser motor para muita coisa."

A Casa das Artes de Famalicão ajudou a mudar o estado das coisas, é isso?
Eu diria que foi um desafio mas que acabou também por ser um espaço referencial, que serviu de referência às outras estruturas que apareceram depois. Não foi assim por ser eu que a estava a programar mas porque qualquer movimento que fosse diferente, que tivesse público e fosse apelativo na altura serviria de referência. Felizmente eu estava lá e digo, sem imodéstias, que acho que fui motor de muitas coisas que aconteceram ali.

Lembro-me de espectáculos de Antony and the Johnsons, de CocoRosie, de companhias de França da área do teatro — grupos e artistas que estrearam-se praticamente ali, na Casa das Artes de Famalicão. Nunca tinha acontecido esse fenómeno, essa oportunidade. Isso trouxe algo novo e inusitado. Foi como se tivéssemos entrado para a Europa e para o que acontecia na Europa e no mundo, mas funcionando as coisas no sentido contrário. As fronteiras abriram-se e tornou-se mais frequente que chegassem a Portugal projetos dos Estados Unidos da América, projetos europeus de França e de Itália… de todo o lado chegavam projetos a Famalicão. Percebeu-se, creio, que uma cidade média pode ser cosmopolita e pode ser motor para muita coisa.

O Paulo chega ao Theatro Circo há quase 15 anos, quando a sala reabre depois de ter sido alvo de obras de recuperação que duraram vários anos. Como surgiu o convite e o desafio para programar o Theatro Circo?
Surgiu devido ao trabalho na Casa das Artes de Famalicão: os espectáculos estavam cheios, havia programação muito apelativa, foi um momento muito interessante. Em 2006 a autarquia [de Braga] convidou-me para fazer programação e construir o organograma, por forma a estruturar uma equipa permanente para trabalhar no teatro. Uma equipa que fizesse uma programação no tempo, com orçamento. Foi uma aprendizagem imensa, foi algo muito custoso mas foi muito gratificante.

Tínhamos de marcar a diferença logo aí e fazer uma programação diferente. O teatro esteve encerrado muito tempo e as pessoas queriam ver como estava. Depois, havia uma ausência de oferta na área da cultura e as pessoas queriam usufruir disso. A conjugação das duas coisas fez com que o teatro tivesse muito público no primeiro ano e meio. Nesse aspeto tivemos sorte. Depois foi manter esse público e fazer programação para o fazer esquecer. É preciso não esquecer que já passaram 14, 15 anos, às vezes não temos bem a noção.

Paulo Brandão (@ Nuno Sampaio/Revista Rua)

O que mudou mais nesse período de tempo, no setor?
Muitos espaços abriram a nível nacional, muitos espaços têm programação própria e qualquer cidade média tem aceso a equipamento, a teatro, a dança e a musica. Há até acesso a um conjunto de pessoas que por questões geracionais ou até de estudos passaram a trabalhar na área. Lembro-me que no final dos anos 1990 tinha aberto no Porto a primeira escola de interpretação, a Academia Contemporânea do Espectáculo (ACE), que depois alimentou o Teatro Nacional São João de pessoas formadas na área para trabalhar. Isso obriga-nos a olhar para a cultura e esse movimento ainda continua. É público também que está a haver um registo na DGArtes para que as estruturas possam candidatar-se para fazer parte da rede nacional de teatros e cineteatros. Isso era algo exigido há muito tempo e acho que foi esta pandemia que permitiu que isso acontecesse e se tornasse tão urgente. Era uma coisa que não existia de todo.

Ainda estamos em evolução, em mutação, mas cada vez mais as autarquias são muito importantes. É preciso não esquecer esta autarquia e a anterior autarquia de Braga, foram fundamentais para que a cultura fosse até em termos políticos um dos baluartes mais importantes. Isso felizmente não acontece só em Braga, basta olhar para o Porto — o presidente da Câmara Municipal do Porto é alguém que se preocupa com a cultura. Temos tido muitos exemplos de como a cultura é um dos motores principais para a economia, para a socialização, para o crescimento das pessoas e também de nós, portugueses, enquanto seres humanos. Quando se olha para 2001, a diferença é enorme. Mas queria vincar a importância dos teatros nacionais, do São João, do D. Maria II, até do Teatro Nacional São Carlos. Acho que são estruturas mesmo muito importantes e fundamentais na formação das pessoas. Aprendi muito, ou tudo, não só na escola mas muito no Teatro Nacional São João, com tudo o que fizemos lá, com o trabalho de equipa, de palco, com a forma como funciona a questão das contratações, a ligação aos artistas, tudo isso.

Numa fase inicial convive em Braga com um presidente de câmara muito particular, Mesquita Machado. Como foi essa convivência?
Relativamente a Mesquita Machado, acho que foi importante a autarquia ter adquirido o edifício [do teatro]. Foi quem decidiu comprar e restaurar o edifício e a única coisa que tenho a dizer sobre esses anos é que sempre senti um apoio grande por parte da autarquia, à exceção daqueles anos em que vivemos aquela crise mundial que começou ali por 2009, 2010. Naqueles anos, de 2010 a 2013, acho que não havia instrumentos que hoje existem e acho que não existia uma clareza que hoje existe. O Theatro Circo sofreu com isso, como as pessoas sofreram bastante com isso.

Enquanto que nesse período de crise a autarquia nessa altura não apoiou ou não concentrou os seus esforços na cultura, nesta crise que estamos a viver houve uma grande preocupação por parte desta autarquia para que nada falhasse. Isso revela uma aprendizagem mas também uma mudança de mentalidades a todos os níveis, no que respeita ao pensamento político e à importância dada à cultura.

É sempre difícil escolher, mas ao longo destes anos houve alguns espectáculos que tenha programado que o marcaram especialmente?
Sim. Tem-se, claro, muitas saudades de pessoas que não vamos ver mais no palco. Estou a lembrar-me muito rapidamente do Carlos do Carm e estou-me a lembrar de projetos que desapareceram e chegaram a pisar o palco do Theatro Circo, como Madredeus e Antony and the Johnsons, que por questões de projeto certamente nunca mais irei rever. Claro que deixam saudades e deixarão saudades todas essas pessoas, quer por questões naturais, da natureza humana, quer por questões de natureza artística não mais veremos.

O espectáculo que me vem quase sempre à memória é um espectáculo de Antony and the Johnsons que se chamava “Turning” [apresentado em novembro de 2006 no Theatro Circo]. Foi um dos momentos mais bonitos e mais altos que vi num palco. Não achava possível fazer um projeto tão grandioso como aquele e deixou-me uma marca muito positiva, a certeza de que vale sempre a pena lutarmos por aquilo em que acreditamos. Lembro-me também que a primeira vez que a Rosalía pisou um palco ou esteve em Portugal foi no Theatro Circo, em Braga. Hoje é uma estrela planetária, mas esteve no Theatro Circo antes de se tornar uma estrela pop. Ela é uma pessoa muito doce, muito simpática. Marcaria esses dois momentos, Antony and the Johnsons e Rosalía, como dois momentos simbólicos — sendo que há muitos, muitos outros, é sempre difícil destacar.

Houve artistas internacionais que passaram por Braga com quem manteve uma relação de amizade, ou de alguma proximidade, posterior aos concertos? Chegou a acontecer?
Sim. É curioso mas há alguns, sim. Sou uma pessoa muito tímida. Ao contrário do que as pessoas possam imaginar, porque sou muito social, sou também muito tímido e acho que protejo muito os artistas e acabo por não forçar relações. Essas relações de amizade que surgiram foram muito espontâneas. Aconteceu com a [cantora norte-americana] Amanda Palmer, com quem tenho uma relação muito próxima. Aconteceu com a minha amiga Cristina Branco e com o Conan Osiris  — o Tiago —, com quem às vezes falo e que teve aqui um momento importante para ele e para nós porque  a primeira vez que se estreou sozinho em palco foi no Theatro Circo.

Lembro-me também do Tony Ramos, ator [brasileiro] incrível com o qual fiz amizade. Há muitos graus de amizade. É bom e é muito importante sentirmos que as pessoas nos respeitam como programadoras. Para mim a proximidade e a amizade são coisas muito importantes na construção da programação das salas. Gosto muito do contacto humano, de ver bandas e artistas que estão a começar — sou muito protetor e acolhedor em relação a eles e gosto de arriscar. Isso tem como consequência uma gratidão enorme para com o Theatro Circo, para com os meus colegas, para com toda a equipa. Recebemos muitas cartas de apoio e agradecimento depois de espectáculos e acho que as pessoas sentem que fazemos tudo para que cada um deles corra bem. É gratificante para nós, é gratificante para mim. Curiosamente, a pandemia fez com que muitos artistas tivessem um ligação maior com programadores: alguns estão a tentar vender concertos diretamente, a falar diretamente connosco. Esta coisa da doença torna-nos mais humanos e até tem acontecido pedidos de opinião — pedirem-me para ouvir um disco e dar o meu conselho. E eu fico muito grato por poder dar a minha opinião, com toda a humildade.

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