Poucas são as derrotas no historial político de Recep Tayyip Erdoğan. Desde autarca a primeiro-ministro, o atual Presidente da Turquia venceu em praticamente todas as ocasiões. Este domingo, o Chefe de Estado colecionou mais uma vitória. “Estamos à frente nas eleições. A nossa nação e o nosso povo ganhou”, declarou, esta madrugada, na varanda da sede do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP, sigla em turco).
Contudo, contrariamente a outras vitórias, esta poderá vir associada a um certo amargo de boca. Os resultados oficiais mostram que Recep Tayyip Erdoğan terá obtido 49,37% dos votos, tendo sobrevivido àquele que tinha sido considerado o seu maior desafio político. Mas isso também significa que não terá conseguido ser reeleito já à primeira volta pois, para isso, necessitava de 50% dos votos.
“Se a decisão da nossa nação mostrar que uma primeira volta é suficiente, não há qualquer problema. No entanto, se a nossa nação decidir proceder a uma segunda volta, também estamos bem”, afirmou Recep Tayyip Erdoğan, mostrando-se confiante de que será reeleito na segunda volta. “Não entremos em desespero.”
Controlando praticamente todo o aparelho político e tendo apoiado uma mudança constitucional que permitiu estender os seus mandatos, Recep Tayyip Erdoğan deverá ter de de ir a votos no dia 28 de maio, embora o Supremo Tribunal Eleitoral Turco não descarte que o Presidente turco possa ser reeleito à primeira volta. Ao início da madrugada, ainda muito estava por decidir.
Ainda que o Presidente turco parta em vantagem face ao adversário, devido à diferença na ordem dos cinco pontos percentuais, este é o pior resultado de Recep Tayyip Erdoğan numas presidenciais. Em 2014, obteve 51,79% e quatro anos depois, 52,29%.
Por sua vez, a oposição, que uniu partidos de vários espetros políticos, terá superado o primeiro obstáculo, algo que, a concretizar-se, será a primeira vez desde que o novo sistema presidencial foi implementado. Segundo os dados do Supremo Tribunal Eleitoral, Kemal Kılıçdaroğlu ficou-se pelos 44,99%, apesar de este ter levantado inúmeras dúvidas sobre o processo eleitoral.
Mesmo disputando a segunda volta, as sondagens mostravam um cenário mais animador para a oposição. Algumas davam mesmo uma vitória à primeira volta a Kemal Kılıçdaroğlu, mas isso esteve longe de acontecer, não ficando sequer em primeiro lugar.
Erdoğan parte em vantagem
Estando próximo dos 50%, o atual Presidente turco está numa posição relativamente confortável para ser reeleito. Com o atual cargo e com os poderes de que dispõe, Recep Tayyip Erdoğan pode decretar medidas que beneficiem certos setores da população e tentar ganhar alguns votos com isso. Os números desanimadores das sondagens terão levado o Chefe de Estado a agir na semana passada: por exemplo, o Chefe de Estado anunciou o aumento em 45% do salário dos funcionários públicos.
Para além disso, o Presidente turco tentará mobilizar os eleitores do terceiro candidato mais votado, que terá obtido, de acordo com os dados divulgados pelas agências de notícias estatais, 5% das intenções de voto, num cenário altamente bipolarizado. Com uma matriz nacionalista e conservadora, conotada com a extrema-direita, algumas das políticas de Sinan Oğan coadunam-se com as de Recep Tayyip Erdoğan.
Porém, quando questionado durante a campanha eleitoral sobre que candidato apoiaria, Sinan Oğan não abriu o jogo. “Nós vamos olhar para a competência e para o posicionamento em matérias de interesse nacional de cada um dos candidatos”, assinalou, citado pela agência estatal TRT News, indicando que ia ter em atenção a “situação do terrorismo”. “Vamos decidir com o nosso senso comum. O senso comum mostra-nos que talvez não possamos prometer o céu, mas é tempo de fechar os portões do inferno.”
Com uma postura intransigente na questão dos migrantes, o acordo que Recep Tayyip Erdoğan assinou com a União Europeia — e que levou à política de porta aberta, levando milhares de sírios a instalar-se na Turquia — pode representar um entrave para o apoio ao Presidente turco. Adicionalmente, Sinan Oğan advoga que a Turquia deve regressar ao parlamentarismo, opondo-se ao atual sistema presidencialista.
Há, portanto, algumas diferenças no que defendem os dois candidatos, mas ideologicamente existem pontos em comum. Assim, mesmo que Sinan Oğan não divulgue quem vai apoiar na segunda volta, RecepTayyipErdoğan poderá tentar cativar esses 5% numa segunda ida às urnas, dá daqui a duas semanas.
A oposição tem uma tarefa difícil pela frente
A haver uma segunda volta, isto significa que as previsões das sondagens falharam relativamente à vantagem confortável da oposição, que fica, à partida, numa posição desfavorável, já que tem de conseguir ganhar votos suficientes para superar a diferença do opositor.
Mas será complicado mobilizar o eleitorado. Com uma abstenção baixa — na ordem dos 11% —, a oposição terá dificuldades em captar votos entre aqueles que não votaram este domingo. Além disso, os eleitores que votaram no candidato que ficou em terceiro lugar estão ideologicamente mais próximos de Recep Tayyip Erdoğan.
O resultado da oposição mostra igualmente que a desistência do líder do candidato moderado, Muharrem İnce, que concorreu contra Recep Tayyip Erdoğan em 2018, terá tido efeitos limitados no apoio à candidatura de Kemal Kılıçdaroğlu — pelo menos, para que este conseguisse vencer a primeira volta. Na quinta-feira, o ex-candidato tinha justificado a decisão dizendo que não queria que o “culpabilizassem” se a oposição perdesse as eleições.
Mesmo que a hipótese mais provável acabe por acontecer, e o Presidente turco acabe reeleito, a ida a uma segunda volta não deixa de ter um efeito positivo para a oposição, que obtém um dos melhores resultados dos últimos anos. Em 2014, quando Recep Tayyip Erdoğan foi eleito pela primeira vez, o segundo candidato mais votado obteve 38,44% e, quatro anos depois, ficou-se pelos 30,64%.
Esta noite, o principal rosto da oposição dava sinais de não baixar os braços. “Nos próximos 15 dias, vamos lutar pelo direito e pela justiça e vamos trazer de volta a democracia a este país”, declarou Kemal Kılıçdaroğlu.
Tendo em conta os dados, a oposição ganhou cerca de 15 pontos percentuais em cinco anos. É, portanto, um sinal de que os partidos que se opõem a Recep Tayyip Erdoğan podem ter-lhe dificultado a vida — ainda que, ao que tudo indica, isso não seja suficiente para afastá-lo do poder.
Texto atualizado às 7h51 do dia 15 com mais 99% dos votos apurados