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Montagem: Milton Cappelletti

Montagem: Milton Cappelletti

"O Estado Social jamais poderá ser preservado sem novos mecanismos de seletividade"

A meses de eleições decisivas, legislativas e presidenciais, os portugueses já avaliam o país e os candidatos. Eis as opções de Daniel Bessa, António Filipe Pimentel, Afonso Reis Cabral e Rui Vilar.

Aberta a pré-campanha, com António Costa em exclusivo na liderança do PS e as negociações a começar entre PSD e CDS, para a primeira coligação pré-eleitoral desde 1979, como pensam as elites portuguesas o país e as escolhas que terão de ser feitas?

O Observador pediu a 18 dessas personalidades influentes, dos mais variados setores e atividades – e das mais diversas faixas etárias – que respondessem a quatro perguntas decisivas para o futuro coletivo do país: o que vai estar em causa nas legislativas; Que fatores irão determinar a sua escolha individual? Que políticas económicas e sociais são necessárias?; De que perfil precisamos na Presidência da Republica? Depois do enquadramento, dividimos as respostas em quatro blocos, juntando quatro/cinco personalidades em cada um. Depois do primeiro bloco (com José Maria Ricciardi, Guta Moura Guedes, Luís Portela e Francisco Veloso), este é o segundo deles:

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A pergunta é, em si mesma, interessante, porque, de acordo com a ordem constitucional vigente, os portugueses não elegem um Governo, mas um Parlamento. Acontece que, como sugere, uma coisa é a ordem constitucional vigente, no seu espírito, outra coisa é o modo como nos comportamos, dentro dessa mesma ordem constitucional. No meu caso, mais do que num Governo, voto num candidato a primeiro-ministro. O partido político conta pouco, ou nada. Confio em pessoas (mesmo sabendo que essa confiança pode ser traída), na pessoa do candidato a primeiro-ministro e nas pessoas que o acompanham (sobretudo no que, numa linguagem carnavalesca, me permitiria designar de a sua “Comissão de Frente”).

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A União Europeia, tal como a conhecemos (refiro-me ao modelo de sociedade) é o meu projeto político – o “novo desígnio” que, um dia, me foi proposto para Portugal, e que acolhi; oferece-me segurança. E, na União Europeia, revejo-me no Euro. Penso nisso, quando intervenho na escolha de um primeiro-ministro para Portugal, com o que ficam excluídos todos os candidatos que me pareçam pôr em causa este desígnio. É verdade que uma coisa é o modelo de sociedade, outra os resultados concretos conseguidos, nomeadamente no que se refere ao nosso País; e, se me sinto seguro em relação ao modelo de sociedade, não posso sentir-me contente com os resultados – do que decorre alguma margem de manobra, desde que preservado o essencial. Tenho também, perante a vida, uma postura muito “moral” (demasiado moral e de uma moral porventura demasiado própria, mas que é a minha): não gosto de “chicos espertos”, muito menos que “o crime, e a demagogia, compensem”. Considero também que toda a gente tem direito a errar (como eu próprio errei, e continuo a errar, tantas vezes) mas não aceito quem, tendo errado, não reconheça o erro, recusando-o e, pior, propondo-se persistir nele. .

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Defendo, há muito, que o objetivo central deve residir em aumentar a competitividade da economia portuguesa. Em estudos como, por exemplo, os do World Economia Forum, são feitas, também há muito, análises detalhadas da competitividade do País, dos fatores que a suportam e dos fatores que mais a comprometem; referi, muitas vezes, que o conjunto de medidas destinadas a contrariar estes fatores que mais comprometem a nossa competitividade como País poderiam, muito bem, constituir a base de um Programa de Governo. Haverá, depois, que distribuir – o rendimento que se tiver gerado pela produção (não o rendimento que não críamos, que nunca poderá ser distribuído), contrariando desigualdades que, em Portugal, são chocantes e nos diminuem enquanto povo/”ser colectivo”. No que se refere a uma questão essencial, a do “Estado Social”, entendo que jamais poderá ser preservado sem introdução de mecanismos de seletividade (de ajuda aos mais pobres, contra uma universalidade que a vida demonstra ser irrealista) e de princípios de racionalidade, e também de eficiência, como o do “utilizador pagador” (desde que possa pagar, como já acautelado).

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Se olho pouco a partidos políticos para escolher um Governo e, mais do que um Governo, um candidato a primeiro-ministro, olho ainda menos aos mesmos partidos políticos na hora de escolher um Presidente da República. Nesta matéria, encontro-me inteiramente alinhado com a letra e com o espírito da Constituição da República: à Presidência da República, candidatam-se pessoas, e é numa pessoa que voto. Ainda de acordo com a Constituição da República, não me parece que possa caber ao Presidente da República nenhum papel de indutor de “grandes golpes de asa” ou de “uma grande cirurgia do regime”; vejo-o mais como um “garante do regular funcionamento das instituições”, nomeadamente no que se refere à preservação do “Estado de Direito”. Em Portugal, “uma grande cirurgia do regime” só poderá vir do Parlamento – de preferência de um Parlamento que, por acordo prévio dos partidos políticos, estaria disponível para uma revisão constitucional, sem outros limites que não os impostos pela Constituição em vigor; e, para esse Parlamento, eu votaria em Partidos Políticos (num Partido Político), em função das propostas de revisão constitucional com que se apresentassem ao eleitorado.

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O “Estado Social” jamais poderá ser preservado sem introdução de mecanismos de seletividade (de ajuda aos mais pobres, contra uma universalidade que a vida demonstra ser irrealista) e de princípios de racionalidade, e também de eficiência.
Daniel Bessa

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O modelo de desenvolvimento proposto para o País, decerto. É uma palavra ou fórmula que dramaticamente desapareceu do léxico político, instrumentalizado pelas urgências financeiras (elas mesmas alienantes) e alienado pelo constante anedotário circunstancial (e pelas horas intermináveis de alienação futebolística).

O equilíbrio financeiro e a sustentabilidade são condições, não objetivos. Na vida das pessoas como na das nações. Não pode ser só isso que nos faz mover, trabalhar, construir, idealizar, criar filhos. E, no discurso oficial, não se divisa (há mais anos do que os que habitualmente contamos) qualquer coisa de semelhante a um “desígnio” que dê sentido ao futuro dessa velho projeto coletivo (umas vezes mais consciente que outras) que chamamos Portugal. Numa sociedade livre e democrática, porém, é essencial que esse projeto se consubstancie num modelo de desenvolvimento consciencializado, aceite e partilhado. O modelo de desenvolvimento proposto será, pois, a minha pedra de toque na hora de decidir — num quadro onde a expectativa é, infelizmente, desgraçadamente baixa.

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É uma pergunta imensa… Internamente pesarão, obviamente, objetivos pragmáticos, num quadro onde importa viabilizar uma qualquer governabilidade que garanta que se não desperdice o que tantos sacrifícios custou — sendo que tão pouco sabemos se o esforço despendido logrou algum grau de genuína eficácia. Estamos ainda em pleno túnel negro, presos a dados e indicadores contraditórios e que não controlamos e a discursos de essencial oportunidade política. O quadro externo, crescentemente inseguro, aconselha igualmente a preservação da governabilidade, tendo em conta o diminuto tamanho do nosso pequeno bote e a sua estrita dependência das correntes.

A margem é, pois, terrivelmente estreita. Do passado e do presente, todavia, não vêm especiais luzes que orientem a navegação. Muito ao invés. A falta de um desígnio de desenvolvimento — à margem do deslumbramento eufórico do dinheiro fácil, que aqui nos conduziu — é atavismo do atual regime, partilhado em responsabilidades iguais pelos sucessivos governantes. Há décadas. E o outro — que o tinha — não deixou saudades nem modelo a seguir. A escolha apresenta-se, pois, assaz complexa…

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Receio que a utilidade do meu voto tenha uma correlação diminuta com o efetivo apoio a um projeto político-económico e social que concite realmente a minha adesão consciente. Temo que seja essencialmente um exercício cívico, que cumpro com escrúpulo e por escrúpulo, compelido a opções de mercearia de estratégica caseira e momentânea: e não, como gostaria que fosse (e foi, nos tempos das ilusões pueris), por concreta adesão a um projeto ambicioso de reforma, que tenho razões para temer não esteja no córtex profundo dos partidos ditos da “área da governação”, estando provavelmente noutros mas não na direcção que me satisfaria.

Não vislumbro, na verdade, matéria-prima — num país totalmente desprovido de elites (entendidas enquanto corpo vital) — para a elaboração (e, sobretudo, para o seu zeloso cumprimento) de um programa de eficaz reforma das instituições e da cultura pública. Somos presas de um círculo vicioso antigo, de utilitarismo e vistas curtas, que, provocando o descalabro do ensino e reduzindo a cultura a um papel ornamental, retira ao País o que deveriam ser as fontes da sua criatividade, reduzindo-o (há quantos anos?) a replicar (“em calão”, como diria o Eça), modelos alheios mais ou menos toscamente adaptados, sem sombra de pensamento próprio: fundamental à criação do tal desígnio.

Ora, a criatividade é a base da economia, essencial à construção e sustentação de uma genuína política social. A negligência com que a educação e a cultura são encaradas (por gerações de governantes sem educação nem cultura, numa contínua e transversal auto-regeneração — que vem se longe e atravessa os regimes) é a primeira responsável pelo nosso subdesenvolvimento económico, decorrente de agentes incultos e conservadores, e, consequentemente, por um modelo político que é também intelectualmente tragicamente conservador. É um verdadeiro círculo vicioso, em relação ao qual não vislumbro, honestamente, qualquer raio de luz. E creio que conheço bem o País e a sua energia.

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Neste ponto estou em completo embaraço: sou monárquico, por rigorosa convicção intelectual, pelo que a questão se me afigura de índole rigorosamente sofística (com a devida vénia, claro), partindo do princípio de que a figura do Presidente da República terá algum impacte na reforma da estrutura política, da qual mais ou menos diretamente emerge. O pobre senhor, qual ele seja, será sempre vítima das contradições internas do cargo/função: se interventor, contribuirá poderosamente para o aumento do clima de conflitualidade institucional; se colaborante apagar-se-á e será acusado pela oposição de conivência com o Governo e quebra da sua função arbitral (sobram os exemplos de uma e de outra, até com ritmos que configuram uma coreografia pré-determinada: colaborante no 1º mandato; interventivo e conflitual no último, sendo o caso presente atípico por alteração violenta das condições meteorológicas). Não lhe queria estar na pele…

Em tempos de bonança é um bom posto de pré-reforma política – mas em tempos alterosos, como os nossos…. Creio que o futuro mostrará, tarde ou cedo e não sabemos a que custo, o arcaísmo do modelo. Ao invés, sou um crente convicto na sociedade civil. É dela e só dela que haverá de emergir (assim necessitamos) a regeneração do corpo político. E isto só pode fazer-se no quadro dos partidos institucionais e “de regime” (que podem, todavia, não ser exatamente estes). É uma maçada e nada meridional — gostamos sempre de fundar as coisas outra vez — mas vai ter de ser assim se queremos salvar a democracia: ou melhor, se queremos construir uma verdadeira democracia e não este simulacro que a Europa nos comprou… Mas vai levar muito tempo*.

* Como diziam aqueles dois velhos Franciscanos, discutindo a questão do celibato dos eclesiásticos: “Não será coisa para o nosso tempo – só se for para os nossos filhos ou os nossos netos”….

O modelo de desenvolvimento proposto será, pois, a minha pedra de toque na hora de decidir — num quadro onde a expectativa é, infelizmente, desgraçadamente baixa.
António Filipe Pimentel

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A credibilidade dos políticos e das políticas que melhor me garanta que Portugal não volta a necessitar de ser resgatado.

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A perda da soberania nacional resultante das políticas populistas e despesistas que obrigaram à assinatura do Memorando de Entendimento com a troika em Maio de 2011.

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Para não me perder numa floresta de propostas, seleciono uma única árvore: forte e inequívoco incentivo à economia e empreendedorismo de forma a criar riqueza e postos de trabalho.

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Obviamente que preferia uma grande cirurgia ao regime, mas simplesmente não acredito que exista um líder capaz de a propor, nem partidos capazes de a levar a cabo.

Para não me perder numa floresta de propostas, seleciono uma única árvore: forte e inequívoco incentivo à economia e empreendedorismo de forma a criar riqueza e postos de trabalho.
Afonso Reis Cabral

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Muito do nosso futuro passa pela Europa. E em três planos:

  • Oo do nosso relacionamento e interacção, como Estado Membro, com as instituições (sobretudo a Comissão Europeia e o BCE) e com os demais países membros;
  • O da própria dinâmica da União Europeia, no desenvolvimento do mercado interno, no aperfeiçoamento e consolidação da união económica e monetária, na segurança energética
  • E o da política externa da União, designadamente nas negociações transatlânticas (TTIP), no conflito Ucrânia/Rússia; no Mediterrâneo e nos movimentos islâmicos.

O reforço da capacidade negocial do Governo português, na defesa dos interesses nacionais e na influência que pode exercer nas grandes decisões europeias, é um elemento muito relevante para a conformação do nosso futuro.

Uma linha programática clara, um pensamento coerente, a firmeza combinada com espírito de compromisso, criando uma atitude credível em relação à Europa, são fatores decisivos para a avaliação de qualquer proposta eleitoral.

No plano interno, questões como a dívida pública e as obrigações decorrentes do Tratado Orçamental – que continuarão a condicionar fortemente as políticas públicas – serão igualmente fatores de ponderação do realismo daquelas propostas.

Salvo milagres, para qualquer futuro Governo, o caminho é estreito e a margem de manobra reduzida e, por isso, o rigor e a sustentabilidade das medidas do respetivo programa serão sempre um elemento diferenciador da sua credibilidade.

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Há ainda muitas incertezas no plano externo e, em particular, no europeu que nos é mais próximo: as soluções (ou não) para a Grécia; as consequências (ou não) do ato de contrição de Jean-Claude Juncker face aos programas de ajustamento; os efeitos do “quantitative easing” do BCE; a implementação do Plano Juncker. E no plano mundial, o preço do petróleo e as grandes assimetrias no crescimento económico. Tudo questões que condicionam a definição das políticas económicas.

Para Portugal, o ponto de partida é ainda de grande exigência, com o imperativo do não aumento da dívida pública o que implica o equilíbrio das contas do Estado. A menos que surjam, inesperadamente, remédios como seria o da mutualização das dívidas públicas até aos 60% do PIB (o limite de endividamento fixado no Tratado de Maastricht)…

Qualquer política de crescimento e, portanto, de emprego, não poderá contar com grande contributo do investimento público. A via do consumo privado arrasta, indesejavelmente, o desequilíbrio da balança comercial cuja compensação pela exportação de serviços tem limites.

Quanto ao investimento privado, nacional e estrangeiro serão sobretudo as condições de contexto que, melhoradas, o poderão estimular. É precisamente nas condições de contexto (justiça, simplificação administrativa acessibilidades, custo de energia) que as propostas eleitorais poderão conter elementos diferenciadores.

Nas políticas sociais, para recursos constantes, a diferença poderia surgir em termos de prioridades e de melhor modulação face ao rendimento dos beneficiários. O incremento nos recursos só poderá ser significativo com a redução do desemprego que, por sua vez só o crescimento do investimento poderá trazer.

Mas a grande e essencial clivagem estará sempre na garantia, que só o setor público poderá assegurar, das prestações sociais mais importantes – saúde, educação, reforma e desemprego – em termos de justiça distributiva. Por outras palavras, há que manter, renovando-o e tornando-o mais eficiente, um Estado com profundas preocupações sociais.

Finalmente, a defesa intransigente da independência do poder político e da administração pública face aos interesses será outro sinal distintivo na escolha das opções em sufrágio.

Em síntese, os três grandes fatores diferenciadores serão: o relacionamento com a Europa, a estratégia de consolidação das contas públicas e as políticas sociais.

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No atual quadro constitucional, há uma grande assimetria entre a legitimidade conferida ao Presidente da República pelo sufrágio universal e direto e os concretos poderes de que dispõe para intervir na vida política. Daí que a opinião pública reflita, muitas vezes, uma certa tendência para esperar mais do Presidente.

Claro que poderá haver nuances na leitura, mais ou menos estrita, do texto constitucional e o exercício, pela palavra e pelo relacionamento com as forças políticas, da chamada “magistratura de influência”, que dependerão muito da personalidade e modo de estar de quem ocupar Belém.

O próximo Presidente vai encontrar um Parlamento na primeira legislatura e um Governo com poucos meses de vida. Tem assim condições para iniciar um tipo de relacionamento institucional que lhe permita vincar uma nova liderança moral e política.

Qualquer política de crescimento e, portanto, de emprego, não poderá contar com grande contributo do investimento público. A via do consumo privado arrasta, indesejavelmente, o desequilíbrio da balança comercial cuja compensação pela exportação de serviços tem limites.
Rui Vilar

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