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"Este mundo que nos acolhe está a desmoronar-se." Vaticano lança "Laudate Deum", o alerta do Papa sobre a crise climática

Francisco fala da urgência de agir e fazer compromissos face à crise climática, apelando a que a próxima cimeira das Nações Unidas sobre o clima seja "um ponto de viragem".

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Há oito anos, o Papa Francisco publicava a encíclica “Laudato Si” (“Louvado sejas”), apelando ao desafio urgente de proteger a casa comum e unir esforços para promover um desenvolvimento sustentável e integral. Agora, observando que, com o passar do tempo, “não estamos a agir de modo satisfatório”, reforça os seus esforços, encorajando a compromissos eficazes face à crise climática. “Este mundo que nos acolhe está a desmoronar-se e talvez a aproximar-se de um ponto de rutura“, alerta na sua nova encíclica. E acrescenta: “Independentemente desta possibilidade, não há dúvida de que o impacto da mudança climática prejudicará cada vez mais a vida de muitas pessoas e famílias.”

A “Laudate Deum” (“Louvai a Deus”) foi publicada esta quarta-feira, dia de São Francisco Assis, o santo que inspira a carta apostólica. Coincide também com o primeiro dia da 16.ª assembleia do Sínodo dos Bispos, que durante o mês de outubro vai juntar em Roma mais de 400 pessoas ligadas à Igreja — incluindo bispos, leigos e variados especialistas — para debater o tema da sinodalidade na Igreja Católica. “Não é uma reunião parlamentar, nem um plano de reforma”, sublinhou o Papa sobre o encontro mundial, descrito por alguns como “o acontecimento eclesial mais importante desde o Concílio Vaticano II”.

Enquanto as figuras da Igreja Católica se juntavam para debater a sinodalidade, que segundo nota o Papa é uma expressão que “ainda não amadureceu”, a “Laudate Deum” ia sendo exposta nas livrarias pela primeira vez. Nesta encíclica, a quarta que assinou durante o seu pontificado, Francisco lamenta o agravamento da crise ambiental e alerta para a necessidade de “mudanças substanciais”, sem as quais a humanidade corre o risco de ficar bloqueada na “lógica do consertar, remendar, retocar a situação”.

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Esta exortação apostólica surge como uma continuação da anterior, publicada em 2015 e em que o Papa criticava “o modo desordenado de conceber a vida e a ação do ser humano, que contradiz a realidade até ao ponto de a arruinar”. Na nova encíclica, dividida em seis capítulos, Francisco aponta que a situação se vai tornando ainda mais urgente.

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“Sentiremos os seus efeitos em termos de saúde, emprego, acesso aos recursos, habitação, migrações forçadas e noutros âmbitos”, afirma, lembrando como os efeitos das alterações climáticas recaem sobretudo sobre as pessoas mais vulneráveis. “A realidade é que uma reduzida percentagem mais rica do planeta polui mais do que os 50% mais pobre de toda a população mundial e que a emissão per capita dos países mais ricos é muitas vezes superior à dos mais pobres. Como esquecer que a África, que alberga mais de metade das pessoas mais pobres do mundo, é responsável apenas por uma mínima parte das emissões no passado?”

Francisco sublinha que a crise climática é um problema social global que “está intimamente ligado à dignidade da vida humana”. “Laudate Deum”, explica ainda o Papa, é o título desta carta “porque um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo”.

Um paradigma “nocivo e destruidor”

“Por muito que se tente negá-los, escondê-los, dissimulá-los ou relativizá-los, os sinais da mudança climática impõem-se-nos de forma cada vez mais evidente”. É assim que o Papa Francisco dá início ao primeiro capítulo da encíclica “Laudate Deum”, partindo de dados da comunidade cientifica para refletir sobre cinco questões: os sinais da mudança climática são cada vez mais evidentes; a culpa não é dos pobres; a origem antrópica (humana) da mudança climática já não se pode pôr em dúvida; algumas das manifestações da crise climática são já irreversíveis, pelo menos durante centenas de anos. “Vejo-me obrigado a fazer estas especificações, que podem parecer óbvias, por causa de certas opiniões ridicularizadoras e pouco racionais que encontro mesmo dentro da Igreja Católica“, esclarece.

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Ao longo dos capítulos seguintes, Francisco denuncia o paradigma tecnocrático “nocivo e destruidor” e reflete sobre o facto de a humanidade nunca ter tido tanto poder sobre si mesma apesar de nada garantir que o utilizará para o bem. “Nas mãos de quem está e pode chegar a estar tanto poder? É tremendamente arriscado que resida numa pequena parte da humanidade”, sublinha, acrescentando que as “poderosas tecnologias utilizadas para dizimar populações, lançar bombas atómicas, aniquilar grupos étnicos” são prova de que nem todo o aumento de poder é um progresso para a humanidade.

“Houve momentos da história em que a admiração pelo progresso não nos permitiu ver o horror dos seus efeitos. Mas este risco está sempre presente, porque «o imenso crescimento tecnológico não foi acompanhado por um desenvolvimento do ser humano quanto à responsabilidade, aos valores, à consciência (…), ele está nu e exposto frente ao seu próprio poder que continua a crescer, sem ter os instrumentos para o controlar”, afirma.

Por muito que se tente negá-los, escondê-los, dissimulá-los ou relativizá-los, os sinais da mudança climática impõem-se-nos de forma cada vez mais evidente. Ninguém pode ignorar que, nos últimos anos, temos assistido a fenómenos extremos, a períodos frequentes de calor anormal, seca e outros gemidos da terra que são apenas algumas expressões palpáveis duma doença silenciosa que nos afeta a todos.”

O Papa tece ainda críticas ao que descreve como a “decadência ética do poder real, disfarçada pelo marketing e pela informação falsa, para influenciar a opinião pública”. “Com a ajuda destes mecanismos, quando se pretende iniciar um projeto com forte impacto ambiental e elevados efeitos poluidores, iludem-se os habitantes da região falando do progresso local que se poderá gerar ou das oportunidades económicas, ocupacionais e de promoção humana que isso trará para os seus filhos. Na realidade, porém, falta um verdadeiro interesse pelo futuro destas pessoas, porque não lhes é dito claramente que, na sequência de tal projeto, terão uma terra devastada”, aponta, exemplificando o dinheiro recebido em troca do depósito de resíduos tóxicos.

O Papa nota ainda uma política internacional fragilizada, em que “o mundo está a tornar-se tão multipolar e, simultaneamente, tão complexo que é necessário um quadro diferente para uma cooperação eficaz” entre estados. Importa, diz Francisco, “criar espaços de diálogo, consulta, arbitragem, resolução dos conflitos, supervisão”.

COP 28: um “ponto de viragem” ou uma “grande desilusão”

Em menos de dois meses arranca a grande conferência do clima das Nações Unidas, a Conferência das Partes (COP 28), que este ano vai juntar no Dubai os líderes mundiais para discutir a crise climática. Na sua carta apostólica, o Papa Francisco traça parte da história destas conferências, que começaram em 1995, apontando que, apesar dos claros progressos que trouxe, é também marcada por vários fracassos: a inércia na atuação, as dificuldades nas negociações e questões deixadas por esclarecer. Alerta, contudo, que “não podemos renunciar ao sonho de que este encontro leve a uma decidida aceleração da transição energética e a compromissos eficazes que possam ser monitorizados de forma permanente”. É que na visão do Papa, esta conferência pode ser um “ponto de viragem” ou tornar-se numa “grande desilusão” e pôr em risco aquilo que já se alcançou.

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O pontífice destaca que é preciso superar uma certa lógica de se mostrar sensível ao problema, sem contudo procurar alcançar mudanças, insistindo ao mesmo tempo para que não se fique preso a uma lógica do “consertar, remendar, retocar a situação”. “Supor que qualquer problema futuro possa ser resolvido com novas intervenções técnicas é um pragmatismo homicida, como pontapear uma bola de neve”, sublinha.

O Papa diz ainda que é preciso pôr fim à “atitude irresponsável” de apresentar a questão numa visão romantizada e que, se há um verdadeiro e sincero interesse de que a COP 28 se torne uma conferência histórica, com efeitos práticos e douradores, são necessárias fórmulas de transição energética com três características: “Eficientes, vinculativas e facilmente monitorizáveis, a fim de se iniciar um novo processo que seja drástico, intenso e possa contar com o empenhamento de todos”.

Não deixa de se mostrar esperançoso de que na conferência possam intervir figuras interessadas no bem comum e no futuro das próximas gerações, aproveitando também para lançar uma pergunta aos “poderosos”: “Para que se quer preservar hoje um poder que será recordado pela sua incapacidade de intervir quando era urgente e necessário fazê-lo?.”

E onde entra a fé?

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Num capítulo dedicado às “motivações espirituais”, o Papa deixou um apelo aos católicos, mas também aos “irmãos e irmãs de outras religiões”, sublinhando que a fé verdadeira “transforma a vida inteira, transfigura os objetivos pessoais, ilumina a relação com os outros e os laços com toda a criação”. Reconhecendo que as soluções mais eficazes não virão só dos esforços individuais, mas sobretudo das grandes decisões da política nacional e internacional, desafia cada um a fazer um “percurso de reconciliação com o mundo”.

Deus uniu-nos tão estreitamente ao mundo que nos rodeia, que a desertificação do solo é como uma doença para cada um, e podemos lamentar a extinção de uma espécie como se fosse uma mutilação.”

“O simples facto de mudar os hábitos pessoais, familiares e comunitários alimenta a preocupação pelas responsabilidades não cumpridas pelos setores políticos e a indignação contra o desinteresse dos poderosos”, escreve o Papa, notando que mesmo se isso não produzir imediatamente um efeito óbvio, “contribui para realizar grandes processos de transformação que agem a partir do nível profundo da sociedade”.

O que realmente importa, diz o Papa, é “recordar-se de que não há mudanças duradouras sem mudanças culturais, sem uma maturação do modo de viver e das convicções da sociedade; não há mudanças culturais sem mudança nas pessoas“. Desafia, por isso, à mudança dos hábitos pessoais, familiares e comunitários através de atitudes concretas: poluir menos, reduzir os esbanjamentos, consumir de forma mais sensata. Francisco concluir que a mudança generalizada do estilo de vida irresponsável, ligado ao modelo ocidental, juntamente com as “indispensáveis” decisões políticas, conduz a um caminho do cuidado mútuo.

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