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Francisco Lucas Pires: a AD, a "nova direita" e os desacordos com Sá Carneiro

Chega às livrarias a 5 de março "O Príncipe da Democracia", uma biografia do antigo ministro, dirigente partidário, deputado e advogado. O Observador faz a pré-publicação de um excerto.

Foi um dos nomes fundamentais da política portuguesa no pós-25 de Abril. Advogado e professor universitário, Francisco Lucas Pires foi presidente do CDS (onde chegou no ano da fundação) entre 1983 e 1986, mas acabaria por deixar o partido em 1991 (entre 1997 e 1998 seria militante do PSD). Foi deputado do Parlamento Europeu e ministro da Cultura e Coordenação Científica (cargo que ocupou no governo liderado por Francisco Pinto Balsemão).

“O Príncipe da Democracia” é a biografia escrita por Nuno Gonçalo Poças, que investigou “os fracassos e as vitórias” de um homem que acreditava que “a direita deve pensar cada vez mais em termos de futuro e menos em termos de passado” e que definiu as suas decisões políticas seguindo esse lema. Lucas Pires morreu em 1998, com 53 anos, vítima de doença cardiovascular. Faria 80 anos neste 2024 em que se comemora o 50.º aniversário do 25 de Abril. 

O autor desta biografia é colunista e autor de ensaios no Observador. Advogado, Nuno Gonçalo Poças escreveu os livros “Presos por um Fio – Portugal e as FP-25 de Abril” (Casa das Letras, 2021) e “O Fenómeno Marcelino da Mata – O Herói, o Vilão e a História” (Casa das Letras, 2022).

A capa de "O Príncipe da Democracia — Uma Biografia de Francisco Lucas Pires", de Nuno Gonçalo Poças (D. Quixote)

Com a demissão de Mota Pinto, Ramalho Eanes tomou a iniciativa política e, partindo do pressuposto de que a solução lhe era favorável à reeleição presidencial, convocou eleições intercalares para o ano de 1979, antes das regulares, de 1980. Satisfez, assim, o centro-direita, permitindo-lhe ir a eleições e, eventualmente, ganhá-las, mas também fez por agradar à esquerda, indigitando novo Governo de iniciativa presidencial, uma espécie de executivo de gestão até às eleições, escolhendo para o cargo de primeiro-ministro Maria de Lourdes Pintasilgo, uma católica de esquerda ou, como a descreveu Freitas do Amaral, «uma revolucionária – romântica, evangélica, messiânica – que aparentemente não fazia distinção entre socialistas, comunistas e maoístas».

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Lucas Pires, num comício na cidade da Maia, descreveria mesmo a política seguida pelo Governo de Pintasilgo como uma espécie de «neogonçalvismo rococó de saias e espartilho» e a chefe do Governo como uma mulher com «valores de terceiro mundo», quando se conheciam exemplos contemporâneos de mulheres no exercício do mesmo cargo, como Margaret Thatcher ou Simone Veil, com «valores europeus».

A nova «Aliança Democrática para uma Nova Maioria», já formalmente constituída e composta pelo PSD, CDS, PPM e Reformadores, estes apenas por acordo exclusivo com o PSD, começava a preparar-se para as eleições, agendadas para 2 de Dezembro. Dentro do seu espírito federador, tendo por objectivo a conquista da primeira maioria absoluta da democracia portuguesa, tornara-se de extrema relevância que a nova força política fosse tida como suficientemente ampla. A inclusão dos Reformadores na AD aproximava-a do centro-esquerda de pendor mais liberal, e no CDS tornava-se fundamental reduzir os sectores mais direitistas nela não representados à completa insignificância política. Nesse sentido, logo a 26 de Julho, Lucas Pires afirmou ao jornal A Rua, ligado às direitas sem assento parlamentar, que «a direita deve pensar cada vez mais em termos de futuro e menos em termos de passado. A direita tem de reconhecer que o CDS lhe deu campo e até a exprimiu, assim como o CDS tem de reconhecer que sem essa direita as suas possibilidades de acção estariam muito reduzidas». No mês seguinte, prosseguiu esse esforço, clarificando: «A batalha da direita não se pode travar ao mesmo tempo que a batalha do centro-direita, sob pena de as duas se derrotarem reciprocamente perante a esquerda, uma à outra.» E iniciava uma campanha que se revelaria eficaz pela lógica do voto útil na AD, afirmando que «não há interesse em que as pessoas que gostariam de votar à direita dispersem o seu voto por mais organizações».

Além de ter sido excluído da elaboração dos documentos programáticos, não foi também escolhido para qualquer cargo governamental depois de conquistada a maioria absoluta. Sá Carneiro e Freitas do Amaral convidaram-no para o cargo de coordenador-geral do Conselho Permanente da AD, funções que não incluíam o mais relevante papel de porta-voz da coligação.

Era a génese da ideia da direita possível, agrupando vários sectores, de diferentes sensibilidades e correntes ideológicas, que partilhavam a luta pela defesa da iniciativa privada, a recusa do socialismo e do colectivismo, pugnados por uma opaca parceria PS-PCP, e ainda a rejeição do presidente Eanes. Como escreveu Riccardo Marchi, «esta é no fundo a estratégia de Francisco Lucas Pires, convencido de que o entendimento entre o CDS e a direita deve ser orgânico ao projecto mais amplo da AD. Ou seja, a direita portuguesa deve habituar-se a comportar-se eleitoralmente como muitos dos seus congéneres europeus: votar em grandes partidos com aspiração governamental, com o objectivo principal de derrotar as esquerdas e governar o país. O voto de protesto de uma direita paroquial não serve os interesses do país, nem os da própria direita que, assim, se auto-exclui na marginalidade. (…) Contudo, o jovem dirigente da ala direita da AD reivindica o carácter centrista do programa da coligação, em razão do facto de que ainda “é cedo para aspirar a um poder político de direita ou até de centro-direita em Portugal”. Dentro deste programa há espaço para as reivindicações do “centro-direita dos valores” (recuperação da identidade histórica, cultural, moral do país) e do “centro-direita dos interesses” (liberalização e adesão pragmática à CEE)».

Lucas Pires pretendia promover, sem hesitações e tibiezas, a entrada de Portugal na rota do mundo ocidental através do ingresso nas comunidades europeias, de uma adesão sem reservas ao bloco da NATO, de uma revisão constitucional que promovesse a efectiva democratização da vida política, a desestatização da economia, a desmilitarização das instituições, a despartidarização da vida social. A Aliança Democrática (AD) foi o primeiro grande movimento que defendeu todas estas causas e, na maioria delas, com inolvidável sucesso. E o eleitorado sentiu-se atraído pela aliança – ou pelo «perfil conservador-progressista à maneira gaullista» de Sá Carneiro e pelo perfil neoliberal de Lucas Pires.

Toda a sequência de factos, e olhando para a relevância que Francisco teve na conceptualização da Aliança Democrática, fariam prever que lhe fosse atribuído um lugar de especial destaque na dinâmica interna do movimento. Não foi, porém, esse o caso. Além de, como já referido, ter sido excluído da elaboração dos documentos programáticos, não foi também escolhido para qualquer cargo governamental depois de conquistada a maioria absoluta. Sá Carneiro e Freitas do Amaral convidaram-no para o cargo de coordenador-geral do Conselho Permanente da AD, funções que incluíam o estudo do funcionamento da AD no plano político, em geral, mas que não incluíam o mais relevante papel de porta-voz da coligação.

No 9.º aniversário do CDS, Setúbal, 23 de Julho de 1983 (autor desconhecido, Arquivo do CDS-PP)

Lucas Pires tinha comprado uma guerra com o movimento dos Reformadores quando se tornara evidente que Sá Carneiro queria oferecer a presidência da Assembleia da República a Medeiros Ferreira. Tinha-se oposto a essa ideia e saíra vitorioso, através da eleição de Leonardo Ribeiro de Almeida, do PSD, para o lugar. Mas essa vitória teria o seu preço. Sá Carneiro não estava interessado em ter Lucas Pires descomprometido com a AD, este último não queria um cargo que não lhe permitisse exercer uma influência significativa. O cargo de coordenador-geral não era inócuo, tinha várias potencialidades políticas, mas era parco quando comparado ao que Lucas Pires pretendia – satisfazia mais as pretensões de Sá Carneiro do que as suas. Acabou por aceitá-lo.

Por essa altura, deu-se uma crise interna no CDS, provocada por um seu relevante dirigente, Rui Oliveira, tido como ligado à assim designada interna e mediaticamente «ala pró-Lucas Pires» do partido, que pretendeu diminuir a força interna de Amaro da Costa em favor do seu novo 3.º vice-presidente, após Freitas do Amaral ter anunciado que se afastaria na prática da direcção executiva do CDS. O momento foi alvo de intrigas partidárias e jornalísticas, e só acabaria ultrapassado graças à intervenção de Freitas do Amaral e de declarações públicas de Lucas Pires, que evocou a «tendência natural para a dramatização da vida política», dando o assunto por encerrado, já designado para a presidência de uma comissão executiva, com poderes delegados pela comissão directiva, presidida por Freitas do Amaral.

Lucas Pires não estava agradado com os papéis que lhe tinham sido oferecidos: «O Sá Carneiro não compensou o Francisco convenientemente. Nomeou-o coordenador da AD, mas aquilo não tinha força nenhuma. E ele começou a ficar amargo.» Lucas Pires tinha apoiado Sá Carneiro sem reservas aquando da crise dos Inadiáveis e «gozava de imenso prestígio político que se estendia claramente para zonas (…) além da área do PSD e do CDS». José Miguel Júdice entende que a sua chamada para o lugar de 3.º vice-presidente do CDS lhe custou o facto de não ser chamado para o Governo, e crê que Amaro da Costa foi conquistando um espaço de grande influência junto de Sá Carneiro, o que também não o ajudou: «Sá Carneiro não queria rivais, e como Amaro da Costa era um tipo mais de bastidores, era preferível tê-lo a ele do que ao Lucas Pires.»

José Miguel Júdice: "O Francisco não estava no Governo (o Amaro da Costa deve ter dito que ele não entrava), mas estava como coordenador da AD. Tinha uma legitimidade própria. E nessa reunião decidimos que íamos continuar organizados através do Lucas Pires. Nós apoiávamo-lo, dávamos-lhe força para se tornar um vector autónomo dentro da AD."

No Inverno de 1979-1980, Júdice reuniu um grupo na Quinta das Lágrimas, em Coimbra, onde se discutiu o futuro que a direita e eles próprios teriam no novel contexto da AD. Ali, foram apresentadas quatro soluções para o grupo: «A primeira é continuar o caminho seguido desde 1976, ou seja, cada um por si sem estratégia concertada; a segunda é entrar em massa no CDS onde alguns elementos relevantes já estão; a terceira é transitarem todos para o PSD; a quarta é permanecer cada um na própria posição e agir como grupo de pressão com um caderno de encargos comum à volta de meia dúzia de pontos claros e com o objectivo de apoiar, nas presidenciais de 1980, um candidato militar alheio ao antigo regime com o perfil bonapartista atraiçoado por Ramalho Eanes.» Venceu a última opção.

Lucas Pires era, segundo José Miguel Júdice, o líder desse grupo: «Aquilo era uma coisa inorgânica, mas o Lucas Pires, estando no CDS, era como o nosso líder. Era um grupo de muita qualidade, tinha gente como o António Gomes de Pinho, o Vieira de Andrade, o José Carlos Seabra, uma elite que veio a ser posteriormente o Grupo de Ofir. E nós definimos uma estratégia. O Francisco não estava no Governo (o Amaro da Costa deve ter dito que ele não entrava), mas estava como coordenador da AD. Tinha uma legitimidade própria. E nessa reunião decidimos que íamos continuar organizados através do Lucas Pires. Nós apoiávamo-lo, dávamos-lhe força para se tornar um vector autónomo dentro da AD e íamos jogar muito no apoio ao candidato presidencial que já se falava que ia ser um independente e militar. Falava-se do Firmino Miguel e do Loureiro dos Santos. O Francisco aceitou: ia trabalhar fortemente na AD, ia criar uma dinâmica própria, reaproximar-se do Sá Carneiro, e nós íamos fazer o terceiro pilar da AD, o dos independentes.» A escolha de um candidato presidencial que defrontasse Ramalho Eanes, na sequência, não só mas também, da ideia de Sá Carneiro de constituição de «uma maioria, um governo, um presidente», era fundamental na estratégia do grupo.

Lucas Pires não deixou de envidar os seus esforços no sentido de prosseguir com a estratégia delineada, e que correspondia ao projecto da AD, chegando mesmo a convidar o general Firmino Miguel para jantar em sua casa, tentando, em vão, convencê-lo a candidatar-se à Presidência da República.

Com Egon Klepsch e Helmut Kohl, 1989 (autor desconhecido, arquivo familiar Lucas Pires)

Após várias recusas para a candidatura presidencial, acabou por ser escolhido o general Soares Carneiro, uma opção pouco consensual, mesmo no seio da AD. Freitas do Amaral reconheceria mais tarde que a vitória do general nas presidenciais dificilmente se verificaria: quer pela falta de notoriedade pública do candidato, quer pela força que Eanes tinha no eleitorado, mesmo no da AD, quer pelas próprias particularidades políticas de Soares Carneiro, o qual «teria dado um excelente Presidente da República, mas não revelou todas as características necessárias a um candidato em campanha». Além disso, a AD também vivia as suas crises: os Reformadores tinham abandonado o projecto e decidiram apoiar Eanes, o PPM não se envolveu na eleição presidencial por entender que um partido monárquico não o deveria fazer e alguns dirigentes do PSD e do CDS não apoiaram o candidato, como foi o caso de Helena Roseta, ou «não o apoiaram com entusiasmo», como foi o caso de Lucas Pires. Recorda Júdice que «Sá Carneiro escolheu o Soares Carneiro porque achava que ia haver desobediência civil em Portugal, ocupações de fábricas, a Europa a entrar em risco de guerra, e queria ter a certeza de que se desse uma ordem à tropa para desocupar uma fábrica, a tropa cumpria. E o Soares Carneiro mandava na tropa que contava. Naquela altura vivia-se um ambiente de pré-guerra nuclear, havia uma quinta coluna brutal, com o Costa Gomes, os pacifistas, etc. E quando começou a ser claro que o Lucas Pires falava com o Eanes… enfim, o Aventino Teixeira vivia enfiado no Procópio com os jornalistas, passava-lhes mensagens… o Sá Carneiro perdeu a confiança que tinha nele. Ele era o coordenador da AD e não aparecia, não fazia nada para apoiar o Soares Carneiro.»

O caso não foi tão linear assim. Na verdade, Lucas Pires empenhou-se inicialmente no processo presidencial. Não só através da procura de um candidato concreto, como fez com o general Soares Carneiro seria, já na presidência de Mário Soares, e com Cavaco Silva na chefia do Governo, nomeado chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, cargo que desempenhou entre 1989 e 1994, com méritos por todos reconhecidos. Firmino Miguel, com quem tinha trabalhado no Estado-Maior do Exército, mas também na construção abstracta de uma candidatura alternativa à de Eanes. A 15 de Fevereiro de 1980, em entrevista a O Jornal, deixava claro, por um lado, que «o problema presidencial é um problema muito mais dramático para o PS» do que para a AD, na medida em que os socialistas precisavam desesperadamente de um acordo com alguém, fosse com os comunistas, com o PSD ou com Eanes, ao passo que a AD podia prescindir de mais acordos além do próprio acordo em que a aliança assentava. Mas não afastava a importância de a aliança ter um candidato presidencial, não excluindo também a ideia de que fosse um militar que fizesse um contraponto a Ramalho Eanes, visto que existiam mesmo várias interpretações das Forças Armadas – entre as puramente políticas, como as do Conselho da Revolução, e as Forças Armadas reais, que se coadunariam melhor com aquele que era o espírito da AD.

Lucas Pires via na «estratégia do “tudo ou nada”» ensaiada por Sá Carneiro, procurando fazer das presidenciais a segunda ronda das legislativas, uma possível atribuição ao candidato vitorioso de um poder governamental e mesmo legislativo que era necessário evitar.

A 8 de Março de 1980, o Expresso noticiava que Lucas Pires entendia que o candidato devia ser mesmo um militar, «exceptuando Ramalho Eanes, que considera uma aberração». Para ele, a candidatura presidencial devia ser encarada «numa perspectiva de estratégia nacional e de desenvolvimento político global», pelo que a figura escolhida, do ponto de vista da AD, devia ter capacidade para «alargar, pelo menos numa segunda volta, o respectivo espectro eleitoral, não ter o apoio do Conselho da Revolução e viabilizar um projecto de revisão fundamental e patriótico da Constituição». Era, de resto, uma ideia em que insistia: já em 1976, aquando da primeira eleição presidencial em democracia, Lucas Pires afirmava que era ao presidente da República que cabia a tarefa essencial de «despartidarizar ou despolitizar a Constituição, fazendo-lhe perder o cunho parcial de sebenta ou livro único ideológico».

Em Abril, pronunciar-se-ia, inclusive, sobre a possibilidade de o general Spínola concorrer às presidenciais, considerando-o «uma personalidade cujo significado histórico é necessário respeitar» por se tratar do «autor político do 25 de Abril», ao passo que os «homens do MFA e agora do Conselho da Revolução são em grande parte apenas os autores “administrativos”». Mas o nome de Soares Carneiro estava escolhido, a hipótese Spínola era, naquela altura, mera efabulação. E, em entrevista ao Diário de Notícias, uma vez tornado público o nome do candidato, Lucas Pires declarava que Soares Carneiro reunia as condições para ser o presidente da República que ele próprio e a AD preconizavam: «A certa altura, Eanes era o único ou principal ainda a salvo do processo político-militar em curso. Por isso, várias forças, aliás de sentido contraditório, o foram procurar para encarnar essa fase do processo. Ele era tanto mais o portador da esperança quanto mais intacto se encontrava. Hoje, é justamente procurando uma alternativa ao general Eanes que se poderá prolongar o 25 de Novembro.» Salientava, inclusive, a «inteligência, seriedade, discrição e eficácia» de Soares Carneiro, vendo-o como alguém que vinha contrariar a ideia de jogo da política portuguesa e substituí-la por critérios de ética normativa.

Mas o cenário alterar-se-ia progressivamente. Lucas Pires não se sentia devidamente valorizado na AD, por um lado, e, por outro, ao longo do caminho até às eleições presidenciais foi-se tornando cada vez mais evidente que o general Soares Carneiro não venceria, e ter-se-á mesmo começado a criar a convicção de que a AD, sendo ela própria uma necessidade, tinha problemas que talvez a comprometessem no futuro caso Eanes vencesse. E nesse percurso, sim, Lucas Pires foi-se aproximando de Ramalho Eanes, através de Aventino Teixeira – e foi manifestando a sua mudança de posição para uma outra, já não com os olhos postos na eleição propriamente dita, mas no que se lhe seguiria num cenário provável de vitória de Ramalho Eanes, com o qual a AD teria de lidar, e numa situação em que o próprio CDS tinha de sobreviver enquanto estrutura autónoma.

(Sem data, autor desconhecido, arquivo familiar Lucas Pires)

Procurou, por isso, afirmar um distanciamento político entre as eleições legislativas agendadas para Outubro e as presidenciais que se realizariam em Dezembro, o que foi visto por Sá Carneiro como um desvio à estratégia por este delineada de confundir ambas, dramatizando assim a eleição presidencial. O líder da AD não gostou. E Lucas Pires afirmou, atendendo ao desconforto manifestado por Sá Carneiro já espelhado nas páginas dos jornais, que mantinha a sua «grande admiração» por ele, mas que a AD não era um clube de yes men.

Em Outubro, a imprensa dava-o já como alguém que estimulava «a ideia de que Eanes poderia funcionar utilmente como um travão (um contrapoder) a Sá Carneiro». E em Novembro, o analista e investigador José Freire Antunes evidenciava nas páginas do Expresso: «Hesitante em atacar Eanes, Lucas Pires preservou-se como “ponte”, mas acabou por assumir a candidatura oficial da AD, embora sem excessiva convicção. E Sá Carneiro, como se sabe, não lhe perdoa as visitas a Belém. Com a eleição de Soares Carneiro, o talentoso dirigente só poderia aspirar à liderança do partido num processo de ruptura da própria maioria. O sonho [de Lucas Pires] de uma “nova direita”, moderna, culturalmente lavada, seria por ele transportado na travessia do deserto. Por isso, Lucas Pires não se sentiria mal com a vitória de Eanes, mesmo que o não proclame aos sete ventos. A sua capacidade de diálogo com o actual presidente haveria de franquear-lhe as portas de Belém num concerto institucional onde os valores nacionais impõem o fim da guerrilha sistemática. Nele se condensaria a aposta dos centristas que têm Sá Carneiro como o principal óbice a um CDS renovado.»

Lucas Pires, na verdade, via na «estratégia do “tudo ou nada”» ensaiada por Sá Carneiro, procurando fazer das presidenciais a segunda ronda das legislativas, uma possível atribuição ao candidato vitorioso de um poder governamental e mesmo legislativo que era necessário evitar. Se o Presidente da República era tido pela AD como uma espécie de dupla face do Governo, o que fazer se o eleito fosse aquele que a aliança não desejava? Sá Carneiro estava a dramatizar a vida política e, segundo Lucas Pires, essa dramatização não era benéfica aos interesses do país.

O que se manifestava, em todo este episódio presidencial, era não só a mesma personalidade que, na Coimbra quente da década de 1960, lhe permitia construir laços à esquerda, o que fazia com a sua natural bonomia e a sedução de que só a inteligência é capaz, mas também uma capacidade de observar além das evidências e um poder de análise do futuro algo incomuns, e até um certo espírito de ambição pela demonstração e aplicação das suas ideias, e não pela mera ambição de poder pessoal. O contexto político, porém, alterar-se-ia, por tristes razões, a partir de 4 de Dezembro de 1980. E para Lucas Pires iniciar-se-ia, também, uma nova fase a partir daí.

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