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HBO, Netflix ou Amazon: vivi um dia só de streaming e afinal a televisão não morreu

Alexandre Borges passou 24 horas com os três grandes. Uns ganharam, outros perderam, e a vítima chegou a uma conclusão: contadores de histórias e fabricantes de sofás, uni-vos, o mundo é vosso.

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Neste momento difícil, os nossos pensamentos estão com o sinal +. O sinal + que piscava no canto superior direito do ecrã quando estávamos no canal 2 e ia começar um programa no canal 1. Ou o duplo sinal ++ quando estávamos no canal 1 e a TV nos avisava de que um novo conteúdo (como agora se diz) ia arrancar no canal 2. Isto, caro leitor, aos idos de 80, e particularmente para um miúdo dos Açores, onde só havia então um canal de TV e apenas algumas horas por dia, quando vinha ao “continente” e se deparava com a possibilidade de escolher – escolher! – o que queria ver, se a RTP1, se a RTP2, representava o deslumbre do desenvolvimento. O auge da civilização. Havia as pirâmides, havia a revolução francesa, havia a ida à Lua e havia o + a piscar no canto do ecrã.

Penso nele e onde estará agora, esse + ou ++ rudemente grafado nas linhas do Radiola ou do velho Trinitron, quando ligo o ecrã plano de uma smart TV contemporânea e se abre vaidosamente em leque, qual cauda de pavão, o menu com as opções do dia: se Netflix, se HBO, se Amazon Prime Video, se YouTube Premium, se NOS Play, se FOX Play ou AXN Now, e os milhares de filmes e séries no interior de cada um deles, que quase nos fazem esquecer de que temos ainda os 200 canais da televisão propriamente dita, com o apoio da box que permite procurar e selecionar, criteriosamente, qualquer coisa que tenhamos deixado escapar na última semana de vida neste ruidoso e cada vez mais pixelizado mundo.

O lançamento da HBO Portugal – declinação nacional da HBO Go – é o pretexto para uma empreitada hercúlea: passar um dia inteiro no streaming, que é como quem diz, a saltitar entre a dona e senhora do mercado Netflix e a challenger HBO, com eventual vista de olhos à demasiado-grande-para-ser-outsider Amazon. Foi domingo, 17 de Fevereiro de 2019, mas que importa realmente isso? Podia ter sido sábado ou na semana anterior, ou daqui por um mês, porque se há efeito imediato do streaming é a anulação do tempo. Não há actualidade, não há notícias, não há anúncios, não há vínculo à circunstância – e podemos fazer aquilo a que nos tempos imemoriais do fim de século se chamava zapping, com veneração, entre séries acabadinhas de sair e clássicos da TV dos anos 90, quantas vezes sem a menor sensação de estranheza.

A questão do streaming: não há programação propriamente dita; ninguém escalonou uma grelha de acordo com as horas do dia e os públicos previsíveis a cada uma delas. Somos os nossos próprios programadores, curadores, directores de canal.

Round 1: A manhã

Começamos com “Jim & Andy: The Great Beyond”, documentário de Chris Smith na Netflix, acerca da transformação de Jim Carrey em Andy Kaufman durante a rodagem de “Man on the Moon” (estivessem as câmaras ligadas ou desligadas). Um pouco denso para digerir logo de manhã? Porventura. É outra questão do streaming: não há programação propriamente dita; ninguém escalonou uma grelha de acordo com as horas do dia e os públicos previsíveis a cada uma delas. Somos os nossos próprios programadores, curadores, directores de canal. Podemos tomar o pequeno-almoço com cabeças de zombies espetadas em paus e acabar o dia com uma maratona de “O Meu Pequeno Pónei” (sim, tem cinco temporadas disponíveis na Netflix).

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Pouco mais de hora e meia de reflexão sobre qual o verdadeiro ponto do showbiz (Carrey passou, directamente e sem parar na casa de partida, de arquétipo do sucesso da lei da atracção a velho asceta em busca do esquecimento, feliz por se limitar a flutuar no Universo): uma boa maneira de começar a empreitada e, depois, assistir a tudo o mais com um certo distanciamento higiénico. Vamos às séries acabar de ver a segunda temporada de “Stranger Things” e a primeira de “O Método Kominsky”, para ficarem bem claras as balizas entre os medos e fantasias da infância e os da velhice (afinal, quantas coisas haverá realmente mais estranhas do que a hipertrofia da próstata?) e paramos para almoço.

Netflix, Amazon ou HBO

O serviço de streaming da HBO, que agora chegou a Portugal, abriu portas nos Estados Unidos na verdade já em 2010; o da Amazon chegou-nos em 2016 e a Netflix em 2015, embora, na realidade, já tivesse entrado em funcionamento nesse remoto ano de 1997 (ninguém diz. Passa terrivelmente bem como criatura do novo milénio). Quem chega primeiro, escolhe o lugar e, por cá, sem números oficiais, resta a sensação de que a Netflix domina o mercado e as conversas, mas as armas da concorrência não são despiciendas. A começar pelos preços.

Todas oferecem gratuitamente o primeiro mês de teste, prazo que, no caso da HBO, se estende aos três meses para os clientes Vodafone. Pode-se ver na smart TV, no smartphone, no computador, no tablet, na Playstation, e, qualquer dia, até nos óculos, na torradeira e na testa da pessoa em frente.

A Netflix disponibiliza três modalidades: €7,99, €10,99 e €13,99, para ver, respectivamente, em SD num ecrã, em HD até 2 ecrãs e em 4K até quatro ecrãs. Já a Amazon Prime Video pede-lhe apenas €.2,99 durante os primeiros seis meses e €5,99 depois. Mas como a Amazon é, mais do que um serviço de streaming, a maior loja do mundo, pode optar por pacotes muito mais amplos, do género de uma assinatura anual, em que, por cerca de €85,50/ano, junta às séries e filmes o Amazon Prime Music, armazenamento ilimitado de fotografias na nuvem, etc. Quanto à HBO, faz a coisa por €4,99/mês e não se fala mais nisso. Ainda não tem 4K – há-de ter, disseram os responsáveis no lançamento – mas permite ver em cinco dispositivos, dois dos quais em simultâneo. Todas oferecem gratuitamente o primeiro mês de teste, prazo que, no caso da HBO, se estende aos três meses para os clientes Vodafone. Pode-se ver na smart TV, no smartphone, no computador, no tablet, na Playstation, e, qualquer dia, até nos óculos, na torradeira e na testa da pessoa em frente.

Round 2: A tarde

À tarde, instalamos arraiais na HBO. O template é tão parecido com o da Netflix que quase nos poderíamos esquecer de onde estamos, não fosse aquela interferência da estática que precede a aparição do logo da empresa antes de cada episódio lembrar-nos a quem devemos o que vemos. É que a HBO tem essa vantagem sobre a competição: por enquanto, apresenta um catálogo menor, mas tem muito mais produção própria – e que produção. Desde logo, tem a “Guerra dos Tronos”, o que é por si só argumento para acabar com toda a conversa. Depois, tem “Os Sopranos” e “The Wire”. Isto é, assim, de uma penada, talvez as três melhores séries de televisão de todos os tempos. E vão estar ali todas, inteirinhas, para sempre.

Enchemos o prato com um bocadinho daqui e outro dali: os primeiros episódios d’ “Os Sopranos”, “Big Little Lies” e “Westworld”. Para o menino e para a menina. Dos velhos códigos da Máfia e infracções aos mesmos às questões mais cortantes colocadas pela ficção científica. Mas há muito mais por ali, que, por ora, temos de deixar na travessa: “True Detective”, “Curb your Enthusiasm”, “Brothers in Arms”, “Deadwood”, “Sete Palmos de Terra”.

Licenças vs. Fabrico próprio

Todos os competidores têm conteúdos originais. Em matéria de séries, a Netflix tem “House of Cards”, “Narcos, “Black Mirror” ou “Stranger Things”; mas, quando o assunto é cinema, ainda dá os primeiros – ainda que muito relevantes – passos, com “Roma” ou patrocinando o finalizar do “infinalizável” “O Outro Lado do Vento”. As séries da Amazon terão feito menos furor – “American Gods”, “The Man in the High Castle”, “Mozart in the Jungle”, “Transparent” ou, extra ficção, “The Grand Tour”, da malta que fazia “Top Gear”. Todavia, no cinema, tem créditos que encheriam de orgulho o melhor estúdio independente: “Last Flag Flying”, “I am not your Negro”, “Paterson”, “Manchester by the Sea” ou o último Woody Allen, “Wonder Wheel”, só para citar alguns. Os recentes “Beautiful Boy”, “Suspiria” e “Cold War” passaram todos por lá, o que diz muito do galopante crescimento da divisão “Studios” da casa de Jeff Bezos.

A HBO perde nos filmes. Por enquanto, tem lá o “Brexit”, de Toby Haynes, com Benedict Cumberbatch, e disponibiliza êxitos de outras oficinas, como “Wonder Woman”, “Gravidade”, “Inception”, “The Departed”, “Gran Torino”, “Love Actually” ou, para quem gosta, todo o “Harry Potter”. Todavia, no departamento das séries, dá show. Para além de todas as já citadas, há ainda “Sexo e a Cidade”, “Girls”, “Boardwalk Empire”, “Entourage”, “The Pacific”, “Sangue Fresco”, “A Teoria do Big Bang”, isto é, uma espécie de cardápio da melhor televisão que se fez nos últimos 20 anos. Mais as coisas novas, como: “Sharp Objects”, “Succession”, “Manifest”, “High Maintenance”, “Strike Back” ou “A Amiga Genial”, para iniciados e não iniciados no fenómeno Elena Ferrante. Fora isso, ainda há a produção de fora, como “Patrick Melrose”, “All American”, “Killing Eve, “As Feiticeiras” “Deadly Class”, “Krypton” ou “Roswell: New Mexico”.

Embora os serviços de streaming pareçam enormes arcas do tesouro onde está o melhor de toda a televisão e todo o cinema (e nessa percepção resida, na verdade, boa parte do fascínio que exercem), a questão da produção própria é relevante. HBO Portugal e Amazon Prime Video têm, por enquanto, muito menos conteúdos disponíveis do que a Netflix. Não existem números oficiais, mas a HBO apresenta-se como dispondo de cerca de 4500 conteúdos, ao passo que, por exemplo, a Netflix, só em filmes, disponibilizava, no ano passado, no Brasil, mais de 70 mil títulos. A questão, de que talvez já se tenha apercebido na Netflix, é que há conteúdos que ora estão disponíveis, ora não, a oferta varia de mês para mês e de país para país, tornando-se impossível de contabilizar. A razão? É simples: estamos a falar de licenças que são compradas e que têm um tempo limite de utilização. Só a produção própria contraria isso e pode estar permanentemente disponível. E aí, por enquanto e se é de séries que falamos, a HBO dá de calcanhar.

Vivemos tempos curiosos. Podemos virtualmente ver o que quisermos quando quisermos, mas escolhemos quase todos andar a ver sempre a mesma coisa, ao mesmo tempo. Os serviços de streaming disponibilizam literalmente dezenas de milhar de opções, mas continuamos a comportar-nos como o público dos anos 80 que queria era discutir o episódio da telenovela no dia seguinte.

Round 3: A noite

Depois de jantar, comportamo-nos ainda com os hábitos adquiridos do velho telespectador e assumimos que é tempo para matérias mais nocturnas. Tudo pelas bandas da Netflix: a série de Christiane Amanpour: “Sex and Love Around the World”, um original da CNN que percorre Tóquio, Acra, Berlim, Xangai, Nova Deli e Beirute, para investigar como se vive hoje o amor nas diferentes culturas do mundo; e o segundo volume de “After Porn Ends”, sobre a vida das estrelas da pornografia depois de, enfim, não tanto arrumar as botas, mas mais de se vestirem, calçarem e porem os papéis para a reforma.

Ainda haveria tanto por onde escolher depois: um “Mindhunter”, um “Maniac”, uns “Uma Família Muito Moderna”. Ou voltar a uns clássicos “Mad Men”, “Friends”, “Arrested Development”, “Breaking Bad”. Seguir por “Sherlock” ou “Better Call Saul”. Ainda nos falta experimentar “Dark”, “Peaky Blinders”, “BoJack Horseman”, espreitar “Império de Memes”, “Springsteen on Broadway” ou o “Humanity”, de Ricky Gervais. Mas há uma espécie de sentimento de culpa católico pelo pecado da gula de abusar destes “all you can eat” do audiovisual, do trabalho demorado de tantos artistas e profissionais, que custaram tanto tempo a fazer e que consumimos como rebuçados, sem tempo suficiente para que o sabor de cada sequer se instale. E então escolhemos só mais um para terminar, a abaladiça: “A Balada de Buster Scruggs”, filme dos Coen, ou, na verdade, seis histórias dos Coen sobre o velho Oeste, que apostaram muito mais em estreá-las por aqui do que nas salas de cinema e foi quanto lhes bastou para voltarem aos Óscares. Já não são sinais dos tempos; são os tempos – acabados, consumados e consumidos.

Streamings, nothing more than streamings

Vivemos tempos curiosos. Podemos virtualmente ver o que quisermos quando quisermos, mas escolhemos quase todos andar a ver sempre a mesma coisa, ao mesmo tempo. Os serviços de streaming disponibilizam literalmente dezenas de milhar de opções, mas continuamos a comportar-nos como o público dos anos 80 que, com mais ou menos + e ++, queria era discutir o episódio da telenovela no dia seguinte. Fazemo-lo agora menos no café e mais na rede social, com menos credulidade e mais pretensão, com mais ou menos Fear of Missing Out, mas fazemo-lo na mesma, eternamente necessitados de linguagens comuns. Um dia, temos de estar a ver “Narcos”, no outro “Game of Thrones”, no outro “La Casa de Papel”. Agora, a moda é “Boneca Russa”. E ai de quem ainda não estiver a ver! É tratado como se nunca tivesse visto nada, como se ainda vivesse nas trevas, como um tipo que tivesse saído de casa em fato de treino para ir ao supermercado e entrasse, por engano, na festa da Moda Lisboa.

A televisão morreu, viva a televisão. Já não é a generalista, já não é a programada, mas nunca se produziu tanta e tão boa e nunca passámos tanto tempo diante dela.

Opte pela Netflix se se sente excluído por não ver as séries de que toda a gente fala. Pela HBO Portugal se quiser ir pavimentando o caminho até à estreia da última temporada da “Guerra dos Tronos” (tem até Abril para converter aquele ente querido ainda não iniciado nos mistérios de Westeros e fazê-lo empinar os 67 episódios já produzidos) ou celebrar os 20 anos d’“Os Sopranos”. Escolha a Amazon se estiver cheio de coragem para ser contracorrente. Escolha todos se for um louco incapaz de escolher. Ou fique pela televisão tradicional, pelo cinema e pelos livros, se estiver cheio de coragem para ser o “lone ranger” num mundo cada vez mais nervoso com a diferença. Afinal, assim que começa a febre por uma nova série, deixa imediatamente de parecer assim tão grave ter perdido a anterior.

Por cá, falta chegar a quarta grande empresa de streaming, a Hulu, ainda este ano a Disney deverá abrir a sua própria, e não há dúvida de que não ficaremos por aqui.

Num mundo onde a inteligência artificial e os robôs poderão, em poucos anos, tomar conta da maioria dos trabalhos e onde se diz que as pessoas deverão receber um ordenado simplesmente por existirem e para continuarem a ser os consumidores que alimentam toda a grande máquina de rodas dentadas, o streaming eterno pode ser a forma de entreter as vidas das massas. Não é o cenário mais belo, daria um episódio de “Black Mirror”, mas é boa notícia para os fabricantes de sofás e para os contadores de histórias.

Para uns e outros, suspeitamos, o futuro ainda é mais ou menos como costumava ser.

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