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O homicidio aconteceu a 29 de dezembro de 2019 na Cidade Universitária de Lisboa
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O homicidio aconteceu a 29 de dezembro de 2019 na Cidade Universitária de Lisboa

Getty Images/iStockphoto

O homicidio aconteceu a 29 de dezembro de 2019 na Cidade Universitária de Lisboa

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Homicídio no Campo Grande. Pedro foi uma das 14 pessoas assaltadas pelo gangue, mas a única que mataram

Quando Pedro Fonseca foi assaltado e esfaqueado até à morte, o grupo responsável já andava há dois meses a roubar pessoas. Agora, vão todas testemunhar no julgamento que arranca esta quinta-feira.

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Pleno inverno, noite cerrada. Faltavam três dias para o final do ano e passavam 15 minutos das 23h00. Pedro Fonseca caminhava sozinho na zona da Cidade Universitária de Lisboa quando sentiu uma mão a tocar-lhe no ombro. Mal se virou, foi empurrado contra uma parede. Em breves segundos, o rapaz de 24 anos viu-se cercado por outros três: um deles exigia-lhe que entregasse tudo o que tivesse consigo ao mesmo tempo que tirava do interior do forro do casaco uma faca de cozinha com um cabo de cor castanha e uma lâmina de cerca de 15 centímetros, pelo que descreve a acusação do Ministério Público (MP) a que o Observador teve acesso.

Pedro Fonseca recusou entregar quaisquer bens e tentou afastar de si os assaltantes, para fugir dali. Mas eram três contra um e o jovem recém-formado em engenharia informática não conseguiu resistir. Primeiro, foi agredido com socos e pontapés na cabeça e no corpo. Depois, foi esfaqueado com a faca que antes lhe fora exibida: as três facadas, uma atingiu-lhe o pulmão esquerdo e outra o coração — foram fatais.

Não é claro na acusação do MP se o grupo chegou a levar o telemóvel de 239 euros e o smartwatch de cerca de 130 euros que o Pedro tinha consigo e que motivaram o assalto que levaria à sua morte. Mas não há dúvidas que os assaltantes fugiram dali e deixaram o jovem de 24 anos, filho de um ex-inspetor da Polícia Judiciária (PJ), caído no chão junto ao Museu da Cidade, no Campo Grande.

A investigação foi levada a cabo pela secção de crime violento do Departamento de Investigação e Ação Penal Regional de Lisboa

ANDY RAIN/EPA

Pedro Fonseca foi a 14.ª e a última vítima destes três assaltantes, de uma lista que a PJ conseguiu reunir já depois do homicídio, ao investigá-lo. O gangue já andava há pelo menos dois meses a assaltar pessoas “recorrendo à intimidação, à violência física e à utilização de facas sempre que necessário para deixarem as suas vítimas na impossibilidade de resistir”, lê-se na acusação. Por isso, quando a PJ deteve os três assaltantes — após uma semana de buscas — e os começou a investigar, encontrou mais de uma dezenas de processos judiciais em que já eram suspeitos.

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Um assalto que acabou mal ou onda de assaltos. De que foi vítima o filho do ex-inspetor morto no Campo Grande?

O primeiro dizia respeito ainda a 2018, mas era um caso isolado que envolvia apenas um dos três assaltantes. Ainda assim, o crime consta na acusação que relata como Sérgio (nome fictício) agrediu o vigilante de uma associação em Rio de Mouro depois de ele o ter tentado separar de outro rapaz com que se tinha envolvido numa briga. Sérgio não reagiu bem à tentativa do vigilante em pôr fim ao conflito e retirou uma garrafa de vidro de um saco do lixo que se encontrava ali próximo, partiu a garrafa e usou-a para atingir o homem na zona do peito e na mão esquerda.

"[Os arguidos] abordaram, reiteradamente, ao longo do tempo, pelo menos, outras 14 pessoas, com o intuito de se apoderarem dos seus bens e valores, recorrendo à intimidação, à violência física e à utilização de facas sempre que necessário para deixarem as suas vítimas na impossibilidade de resistir à sua atuação"
Acusação do Ministério Público

A maioria dos casos relacionados com estes três assaltantes estavam porém concentrados no final de 2019. Foi preciso juntar as peças do puzzle para, no início de julho deste ano, os acusar de mais de uma dezenas de crimes cada um: roubo agravado, homicídio, tráfico de estupefacientes e recetação. Além deles, também um quarto foi acusado de um crime de recetação por ter alegadamente ficado com material roubado pelo grupo. Agora, vão responder por eles num julgamento que arranca esta quinta-feira. No rol de testemunhas, estão as vítimas que sobreviveram aos assaltantes.

Dois dias, dois assaltos e uma tentativa falhada. Vítima resistiu e foi atirada para a linha do comboio

Além dos quatro acusados, houve outros suspeitos envolvidos em roubos que a PJ nunca conseguiu identificar. Um deles terá realizado um roubo com Bruno (nome fictício), um dos acusados, na Estrada Marquês de Pombal, em Rio de Mouro. Eram 18h45 de 19 de outubro quando os dois abordaram um homem. “Encostaram-no a uma parede, exibiram-lhe uma faca com uma lâmina com cerca de vinte centímetros de comprimento e disseram-lhe: ‘Não grites, dá cá tudo!’“, relata a acusação.

Com a faca apontada, a vítima não se atreveu a reagir. Deixou-se revistar pelos dois alegados assaltantes, que lhe passaram as mãos pelas roupas e pelos bolsos e retiraram a carteira, um telemóvel de 220 euros e um leitor de livros eletrónicos da marca Kobo. Na carteira, além dos cartões de multibanco, estava o passe do metropolitano de Lisboa, carregado, que Bruno “passou a utilizar” como se fosse dele — segundo percebeu a PJ através das imagens de videovigilância.

O primeiro processo relacionado com o grupo era de 2018 e envolvia apenas um dos três assaltantes

Getty Images/iStockphoto

No dia seguinte, um novo roubo. O dia 20 de outubro de 2019 foi aquele que a PJ conseguiu assinalar como a primeira data em que os três suspeitos acusados realizaram um crime juntos: mais precisamente, um roubo e uma tentativa de um outro num espaço de uma hora. O local escolhido foi a estação do metropolitano do Jardim Zoológico, em Lisboa — onde Bruno chegou utilizado o passe mensal da pessoa que assaltara no dia anterior. Quanto aos outros dois membros do guangue, Sérgio saltou por cima das barreiras de acesso ao metro e Tiago usou um passe de outra pessoa — que a PJ não chegou a perceber como estava na sua posse.

Eram 22h30 da noite e o grupo sabia que havia um comboio cheio de potenciais vítimas prestes a chegar. Chegou um minuto depois, mas como não encontraram nenhum passageiro com “qualquer bem que lhes interessasse”, dirigiram-se à estação de Sete Rios. Lá chegados, por volta das 22h45, abordaram  um homem. Aproximaram-se pelas costas e, quando ele passava atrás de um “painel informativo que o deixava parcialmente oculto nas câmaras de videovigilância”, Bruno “encostou-lhe um objeto pontiagudo” junto à nuca. “Isto é um roubo. Não te mexas. Se te mexeres eu espeto. Fica calado e quieto senão levas uma facada”, terá dito, segundo a acusação. Começaram então a revistá-lo.

Logo ali ter-lhe-ão tirado um telemóvel no valor de 329 euros. Mas como entretanto chegou um comboio e, com ele, pessoas que poderiam aperceber-se do que se estava a passar, os suspeitos empurraram a vítima “para um local mais afastado”, segundo a acusação. Depois, terminaram o que já tinha começado: ter-lhe-ão tirado o casaco, a mochila de marca e o relógio que estava lá dentro.

Saíram dali de comboio até à estação de Massamá. Logo depois de terem chegado, eram cerca de 23h10, o três alegados assaltantes terão abordado outra pessoa, atraídos pelo iPhone, de cerca de 1.500 euros, que trazia na mão. Aproximaram-se pelas costas e Bruno puxou-lhe a mochila, levando-o a voltar-se para si, relata o MP. “Dá o teu telemóvel. Não resistas”, terá dito ao mesmo tempo que tentou arrancar-lhe o telemóvel da mão.

"O arguido ordenou ao ofendido que lhe entregasse o seu telemóvel, dizendo-lhe: 'Dá o teu telemóvel. Não resistas'. E, em ato contínuo, puxou pelo telemóvel que o ofendido segurava na mão"
Acusação do Ministério Público

Mas a vítima não cedeu e puxou o telemóvel para si, provocando no grupo uma reação agressiva. Bruno deu-lhe um soco e, ao mesmo tempo, Sérgio agarrou o homem contra si, pondo-lhe o braço à volta do pescoço, segundo o MP. Como a vítima tentou resistir, Tiago “puxou de uma faca, do tipo ponta e mola, com o cabo castanho, e desferiu dois golpes”, escreve o MP. Só não o atingiu porque o homem “se conseguiu desviar”. Sérgio, que o segurava pelo pescoço, largou-o e começou a dar-lhe socos.

O grupo acabou por desistir do roubo ao ver “o sangue que escorria pela face” da vítima. Fugiram, mas foram seguidos pelo homem que tentaram roubar momentos antes e que queria fotografar-lhes o rosto. O grupo voltou então a aproximar-se dele e Bruno “empurrou-o com força, fazendo-o cair sobre a linha do comboio”. Os três fugiram e o homem acabaria por sofrer um traumatismo craniano.

Grupo roubou catorze telemóveis e vendeu dois. Um deles, um iPhone, através do OLX

O modus operandi foi sendo semelhante: abordavam as vítimas pelas costas, mostravam-lhes uma faca e, assustadas, as pessoas acabavam por não resistir e ceder. A 26 de outubro, pelas 21h20, os três acusados e ainda outro suspeito não identificado terão roubado uma pessoa no jardim do Campo Grande: tiraram-lhe um iPhone de 870 euros e, depois, exigiram ao seu dono “que lhes fornecesse os códigos de desbloqueio”, lê-se na acusação. Isto porque assim podiam apagar todas as configurações e registos do telemóvel e vendê-lo: o que fizeram através de um anúncio no site OLX, por 640 euros, segundo o MP.

O modus operandi foi sendo semelhante: abordavam as vítimas pelas costas, mostravam-lhes uma faca, segundo o MP

Getty Images/iStockphoto

Quatro dias depois, em Agualva-Cacém, os três arguidos terão assaltado outra pessoa, tendo ficado também com um iPhone de cerca de 1099 euros. Desta vez, porém, Bruno ficou com ele e utilizou-o como seu telemóvel — até pelo menos ser apreendido pelas autoridades. O mesmo se repetiu no dia 15 de novembro: num novo assalto em Queluz, foi a vez de Sérgio ficar com o iPhone roubado, avaliado em 600 euros — até ser apreendido pelas autoridades.

Seguiram-se mais seis assaltos. Dois deles terão acontecido a 12 dezembro: um no Cacém, em que roubaram um telemóvel de 150 euros e agrediram a vítima, fazendo-a cair no chão e partindo-lhe os seus óculos no valor de 350 euros; e outro em Barcarena, em que levaram da vítima, depois de a agredir, um telemóvel de 249 euros, um cartão bancário, 30 euros e um passe do metropolitano de Lisboa, que Sérgio passou a usar, segundo descreve o MP. Em cada um dos dois assaltos, a 14 e a 23 de dezembro, o grupo assaltou duas pessoas de uma só vez e roubou-lhes os telemóveis, segundo a investigação. Feitas as contas, em outubro, novembro e dezembro de 2019, o grupo terá roubado catorze telemóveis.

Os dois últimos assaltos do grupo aconteceram na véspera do homicídio de Pedro Fonseca: a 27 e 28 de dezembro. A 27, junto ao centro comercial Colombo, em Lisboa, o grupo terá abordado um homem. “Está quieto! Não faças barulho! Dá cá o que tens nos bolsos”, terá dito um deles. Mas a vítima não reagiu e, por isso, Sérgio ordenou aos restantes assaltantes que lhe mostrassem a faca. A ordem foi cumprida e um deles retirou do casaco “uma faca de cozinha com uma lâmina com o comprimento aproximado de 20 centímetros”.

"Aproximaram-se do ofendido pelas costas e o arguido Sérgio, ultrapassando-o e colocando-se na sua frente, disse-lhe: 'Está quieto! Não faças barulho! Dá cá o que tens nos bolsos'”
Acusação do Ministério Público

O homem recusou entregar-lhes o telemóvel e a carteira, dizendo que não tinha nada consigo. E o grupo partiu para a violência. Sérgio ter-lhe-á dado vários socos e pontapés na cabeça e no corpo ao mesmo tempo que lhe dizia que “se não entregasse o telemóvel lhe rebentaria o joelho todo”. A vítima “começou a gritar por socorro, o que levou Sérgio “a arrancar um pedaço de relva do chão e a colocar-lho na boca para abafar a sua voz”. Sem hipótese, e deitado no chão, o grupo acabou por conseguir levar-lhe o iPhone de 1.300 euros.

Depois dele, houve mais uma pessoa roubada antes de Pedro Fonseca, que acabaria por ser esfaqueado até à morte. Agora, todas as pessoas roubadas pelo grupo serão testemunhas no julgamento em que estão em causa, entre os crimes de roubo, o crime do homicídio do jovem de 24 anos. O único assaltado que acabou sem vida.

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