Discurso de encerramento de Rui Rio no congresso

O líder do PSD encerrou o 38.º Congresso do PSD este domingo ao início da tarde

Compreenderão que dirija um cumprimento em particular à delegação do CDS-PP, partido que, em diversos momentos – e alguns deles bem difíceis – partilhou com o PSD a governação do País.”

Foi um momento importante na abertura do discurso de encerramento. É habitual nos congressos o líder eleito cumprimentar as delegações dos partidos presentes, e também é habitual prolongar-se nos cumprimentos ao partido com quem a relação é privilegiada, neste caso, o CDS. Assim foi, mas aqui atingiu contornos ainda mais especiais. É que, nas vésperas do congresso, durante o debate final do Orçamento do Estado, Rio tinha sido muito crítico da mão que o CDS deu ao PS para evitar a aprovação da descida do IVA da luz. Essa instrução tinha sido dada diretamente pelo novo líder centrista, Francisco Rodrigues dos Santos, à sua bancada, pelo que a crítica era diretamente para ele. E neste domingo, já depois do discurso de Rio, o líder do CDS respondeu com alguma dureza (como, aliás, já fizera no sábado). As relações entre os dois — Rio e Rodrigues dos Santos —, que ainda nem se reuniram formalmente desde que o segundo tomou posse (a reunião já está marcada), não estavam na sua melhor forma.

Do ponto de vista eleitoral é imperioso evidenciar as nossas verdadeiras diferenças, para que as escolhas dos cidadãos sejam mais esclarecidas e conscientes. Mas quando as inventamos ou ficcionamos, levando-as para lá da própria realidade, construindo barreiras que, na prática, não existem, só estamos a prejudicar esse mesmo interesse nacional.”

Já que a relação PSD-CDS é para manter, um alerta para o futuro: vincar as diferenças entre os dois partidos, sim, mas apenas as diferenças reais e verdadeiras, não as diferenças “inventadas” só para efeitos de taticismo político. Rio não especificou a quem se dirigia, mas é uma ideia recorrente no discurso político do líder do PSD, que acusa os outros (desde os seus críticos internos aos outros partidos políticos) de simularem divergências onde não existem para ganharem vantagem em alguma frente. Serve até para o caso recente da baixa do IVA da eletricidade, onde todos aparentemente estavam de acordo, mas ninguém chegou a acordo nenhum, ou serve, por exemplo, para as críticas de que era alvo pelos adversários internos sendo que, tudo espremido, eram mais as matérias onde concordavam do que aquelas em que discordavam.

A consciência desta circunstância tem de levar os partidos e demais agentes políticos a serem mais comedidos nas promessas e mais preparados na ação. Menos fazedores de notícias e mais construtores de soluções.”

Rui Rio falava de como a evolução das sociedades atuais traz problemas novos de resolução urgente e que precisam de ser enfrentados sem demoras. Mas não desiste de colar ao governo uma imagem de um executivo que privilegia propaganda em vez do interesse público. Que prefere governar de forma mais eleitoralista e para evitar passar uma má imagem pública na imprensa. Rio referiu várias vezes no passado que a crise dos professores foi um equívoco mediático e, agora, no IVA da eletricidade voltou a pedir aos jornalistas para que interpretassem tudo bem, já que acredita que há uma máquina de propagando do governo que é eficaz no spin e consegue impor à Comunicação Social o ângulo noticioso que mais convém a António Costa.

Um Governo que não reforma e que se limita a gerir a conjuntura, é um Governo que não está a preparar o futuro de Portugal. Por força da ala mais extremista do Partido Socialista e da sua união de facto com os partidos da esquerda mais radical, o País voltou a ter o consumo privado como principal motor do crescimento económico.”

É o mesmo argumento que o PSD de Passos Coelho usava para criticar o governo de António Costa: que não tem ímpeto reformista, não governa a pensar no futuro nem sequer no médio prazo, e que só tem em vista a sua sobrevivência política. Como precisava dos partidos da “esquerda mais radical” para viabilizar orçamentos e conseguir governar, Rio diz claramente que o PS (movido pela ala mais extremista dos socialistas) fez um pacto com o diabo e, pelo caminho, sacrificou o modelo de crescimento económico do país: que assenta no consumo privado em vez de assentar na produtividade e nas exportações. São as “amarras” da esquerda que havia nos tempos da geringonça, e que se mantêm mesmo sem a geringonça formal.

Com esta governação, os portugueses podem ter alguma ambição, desde que ela seja poucochinha. Porque com este Governo e com estas alianças parlamentares, os portugueses poderão ter aumentos salariais de 0,5 ou 0,7%, mas nunca terão aumentos que os catapultem para os padrões de vida europeus. Para que tal pudesse vir a acontecer, era necessário que o Governo de Portugal percebesse que para haver melhores salários são precisas melhores empresas e mais investimento. Só que este Governo e particularmente os seus aliados, amarrados que estão às conceções mais primárias da luta de classes, veem o capital como o elemento explorador do trabalhador, em vez de olhar para as empresas como unidades produtoras de riqueza.”

O discurso do último dia é sempre para fora e, por norma, sempre que o PSD está na oposição o governo é o principal visado desse discurso. Este não foi exceção e foram várias as críticas ao governo. Quando fala numa ambição “poucochinha”, Rio quer atirar diretamente a António Costa, que em tempos utilizou essa expressão para definir a vitória eleitoral do PS no tempo de António José Seguro. Sobre as culpas por o país não crescer mais, Rio acaba por as atribuir a PCP e Bloco de Esquerda, a quem cola um “amarrado” PS. A lógica é: o país não cresce porque PCP e BE vêem o capital como um papão e o PS nunca se vai libertar destes parceiros, logo só o PSD pode pôr o país a crescer mais (por via das exportações e não do consumo).

É assim que aparece a maior carga fiscal da história de Portugal. Uma carga fiscal própria de uma governação fortemente marcada pela ideologia comunista e socialista. (…) Na Saúde, aumentam os tempos de espera para consultas e cirurgias, agravam-se as dívidas a fornecedores, cresce a desmotivação por força das fracas condições de trabalho, crescem as ameaças à integridade física dos profissionais, faltam recursos humanos e tardam em aparecer os médicos de família para os 700.000 portugueses que não o têm.”

Rui Rio centra grande parte do seu discurso de encerramento do congresso a detalhar a sua visão (já conhecida) sobre as várias áreas da governação e da sociedade: da carga fiscal à saúde, passando pela educação, o ambiente e a degradação dos serviços públicos em geral. Se o discurso de abertura do congresso foi mais virado para dentro, com o intuito de explicar ao partido qual a sua estratégia para liderar o PSD e, dessa forma, chegar a São Bento, o discurso de encerramento foi com os olhos postos em António Costa, e no alvo a abater chamado governo PS. Fê-lo logo com os impostos à cabeça, já que é essa a grande bandeira eleitoral de Rio: começar a baixar os impostos sobre sobre as famílias e as empresas. As bandeiras de Rio são claras e voltou a repeti-las no congresso que o lança para mais dois anos de oposição a António Costa. E insiste naquilo que foi uma marca deste discurso: o PS está capturado pela esquerda radical.

Na área da Segurança, com a forte quebra do investimento público, abundam as instalações sem condições e as falhas de equipamentos fundamentais para o exercício da função. As forças de segurança são um pilar do Estado de Direito Democrático e têm, por isso, de ter condições de trabalho dignas e compatíveis com a respeitabilidade que a nobreza da sua missão nos exige.

O PSD nunca foi um partido tão securitário como, por exemplo o CDS. Não é que Rio tenha dedicado uma grande parte do discurso a este ponto, mas — numa altura em que o CDS de “Chicão” e o Chega de André Ventura disputam a área de quem é mais pela segurança e pelos polícias — o líder do PSD não dispensou essa referência. Foi Ventura quem levou faturas para o Parlamento e começou a ser caixa de ressonância das queixas dos sindicatos da polícia. Rio lembra assim as “instalações sem condições” e as “falhas de equipamentos fundamentais” para a função. Aqui, o centro de Rio pende mais para a direita, por oposição à ala esquerda do PS e ao BE, muito críticos das autoridades sempre que há demonstrações de força mais deliberadas.

O nível de assimetrias regionais que o território nacional apresenta não é próprio de um País desenvolvido. É, sim, característico de um País atrasado. Não é aceitável, sob nenhum ponto de vista, concentrar os meios num único espaço territorial e deixar uma parte substancial do País a definhar económica, social e demograficamente. (…) Temos de ter coragem de fazer um pacto político abrangente”.

Descentralização outra vez. É a sua grande guerra (a par da justiça) e Rio não vai dar tréguas. Daí que, à boleia do lema do “interesse nacional acima do interesse partidário” volte a pedir coragem para um pacto político abrangente em torno deste tema. Ou seja, um pacto com o PS para a verdadeira descentralização. Essa foi, aliás, uma das primeiras coisas que Rio fez quando foi eleito, há dois anos: sentou-se com o primeiro-ministro para fechar dois acordos de regime, um sobre a descentralização, outro sobre os fundos comunitários. Rio já tem dito que houve falhas e que nem tudo correu bem nesse acordo sobre a descentralização, mas nem por isso desiste de apelar a entendimentos sobre o tema.

Repensar a forma de eleger os deputados e os executivos autárquicos, limitar o número de mandatos no Parlamento tal como já hoje acontece nas autarquias locais, reduzir moderadamente o número de deputados, alterar a composição da Comissão de Ética da Assembleia da República de molde a evitar os conflitos de interesses ou revisitar a Lei dos Partidos, são tudo matérias que a credibilização e a eficácia da democracia há muito reclamam e que os partidos não têm sido capazes de resolver.  Impõe-se uma reforma consciente e séria, fugindo à habitual demagogia que parte, logo de início, do princípio de que quem está na política é, por definição, suspeito do que possa haver de pior. Essa lógica abstrusa pode agradar aos tabloides que vivem do escândalo e da suspeita gratuita, mas não serve a dignidade e muito menos a nobreza da função política.”

Rio insiste na reforma do sistema político para que os cidadãos passem a confiar mais nos políticos. E não se importa de propor medidas pouco populares no PSD como a redução do número de deputados (ainda que moderadamente) ou a limitação da duração do cargo de deputado a três mandatos. Na verdade são propostas de pólvora seca porque o PSD precisa sempre do PS para aprovar uma reforma do sistema político. O mesmo acontece na Segurança Social, na descentralização e na justiça, onde Rio volta a propor reformas e a apelar aos outros partidos para que o acompanhem. Rio afasta-se no entanto de quem o faz “por demagogia” e para alimentar tablóides, naquilo que podia ser visto como uma indireta a Ventura que defende a redução de deputados de 230 para 100.

O Homem vive com o que recebe, mas marca a sua vida com o que dá. Por isso, quando estamos na vida pública só conseguiremos marcar a nossa passagem com o que a ela damos. Quem nela está para receber, dela sairá sem qualquer honra ou glória. Na história do Partido Social Democrata, muitos saíram com honra e com glória. Saibamos nós seguir esses exemplos, e servir Portugal como eles serviram.”

Rio insiste que está na política para dar e não para receber. Que estaria mais sossegado na sua vida no Porto do que nestas andanças de andar sempre na A1 de cima para baixo. Mas, devido ao seu sentido de Estado, quase de homem providencial, sentiu que podia contribuir para o seu país. Como gosta de repetir: Portugal sempre à frente do PSD nas prioridades do líder. Há aqui uma ‘nuance’: Rio fala dos que na história do PSD “saíram com honra e glória” e quer “servir Portugal como eles serviram”. Ora, Rio defende que tanto se serve o país na oposição como no governo e por aí está resolvida a “honra”. Mas quando fala em obter “glória” é porque tem em mente vencer. O que o líder do PSD quer com isto dizer é que espera ser como aqueles que serviram Portugal no governo e saíram honrados (como Cavaco Silva ou Passos Coelho). Para isso é preciso ser primeiro-ministro.