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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Inês Aires Pereira: "Estamos todos a precisar de ir ao teatro. Todos"

Perguntam-lhe se o Bicho vai continuar a mexer, mas há muito mais em Inês Aires Pereira do que o fenómeno da quarentena. A televisão, o teatro, a família e o futuro, tudo em entrevista.

Não é fácil tentar decifrar alguém que se apresenta como sendo normal. Terá de ser preciso, eventualmente, um recurso mais científico, sentar a pessoa numa poltrona e esperar que um psiquiatra faça a sua avaliação. Mas isso fica para outros consultórios. No meio artístico, sabemos que há atores e atrizes que precisam de revisitar os traumas vividos para se transformarem noutra coisa qualquer. No assassino a sangue frio, na tia rica e solteira, ou na mulher abandonada pelo marido. Ou então, recorre-se à imaginação.

Inês Aires Pereira, atriz de 30 anos que fez parte do fenómeno “Como é que o Bicho Mexe?”, criado por Bruno Nogueira, mesmo tendo quem lhe diga que é “avariada da cabeça”, continua a julgar-se normal. Confessa-se uma privilegiada no meio, que teve tempo para ver a bebé a crescer nestes meses e de saltar para um projeto com milhares de espectadores, em que cada direto “parecia uma estreia de uma peça de teatro”. Antes disto, andava pelos palcos, depois de ter começado nas novelas juvenis, como na “Rebelde Way” e na “Lua Vermelha”. A comédia acaba por ser quase transversal na sua carreira, mas ainda lhe falta um papel mais desafiante. Ou, pelo menos, fazer parte do núcleo cómico de uma novela de prime-time.

Nos diretos foi ganhando ritmo, preparando-se para cada noite, jogando com a performance e a ideia de não haver um guião. Isso e “proibir” os sogros de ver o que é que se passava pelas 23h00 no Instagram. Sentiu a pressão de ser engraçada cada vez que o humorista lhe ligava, e agora sente uma espécie de vazio, que há de ser preenchido com o próximo projeto. Por outro lado, acredita que este Bicho acabou de forma tão histórica, que mais valia não repetir — mas não hesitaria em aceitar o convite para uma eventual segunda temporada. Quanto ao futuro que se avizinha, com a cultura a abrir-se aos poucos outra vez, é que não sabe qual é. Até porque, para já, não há convites. No entanto, lança uma ambição: “Acho que vou escrever um espectáculo meu, apesar de ter medo. Mas vai acontecer”.

Esta paragem por causa da pandemia da Covid-19 em que é que a afetou?
Para mim não foi nada de novo. Fui mãe há seis meses, estive 4 meses em casa, quando era para começar a sair, voltar à normalidade, voltei para casa outra vez. Tinha uma peça de teatro, que não sei em que ponto é que está, ou seja, ia começar a trabalhar e, por outro lado, quando víamos gente já a fritar por estar em casa há duas semanas, eu estava assim há quatro meses. No fundo, também serviu para ficar mais tempo com a minha filha. Foi mau, claro, mas vi-a a crescer, com o meu namorado, que também ficou em teletrabalho. No meio disto tudo, até teve coisas boas. Continuei a fazer locuções, nunca houve uma altura em que tenha ficado sem ordenado. Mas para muita gente isto está a ser um grande problema.

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"Mas o que é que é ser normal? Bom, seguimos… quer dizer, acho que sou uma pessoa normal mas há quem ache que sou avariada da cabeça, que sou maluca"

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Acabou por acontecer algo que por vezes não é possível no mundo artístico: ter tempo para os filhos.
Exatamente. Se calhar não ia acompanhar de perto ela a virar-se para baixo, uma série de coisas que começam a fazer, que eu achei que não ia dar importância nenhuma. Mas quando a vi a fazer pela primeira vez comecei logo a chorar. Portanto, ainda bem que estive presente.

A maternidade versus carreira profissional. Olhando para as suas redes sociais, daquilo que a Inês vai partilhando, é algo que encara com naturalidade.
Tive imensa gente  a dizer-me assim: “oh meu deus, não sejas mãe agora, nunca mais vais fazer televisão, vais ser esquecida”. Depois começo a olhar à minha volta, e conheço imensas atrizes que têm filhos e trabalham. Até foi numa altura em que estava a sentir e pensei: a seguir a esta peça pode ser que não venha mais nada. Porque sempre quis ser mãe cedo. Tenho as minhas locuções, vou conseguir estar grávida e trabalhar ao mesmo tempo. Pode ser uma grande chatice, mas o meu namorado tem um trabalho estável e foi tudo ponderado. Ou seja, apoiamo-nos um ao outro. E se não tivesse trabalho em televisão, teria noutra coisa. Consegui fazer uma participação num filme porque estava grávida, mas trabalhei. Fiz uma série grávida, o “Desliga à Televisão” da RTP. Trabalhei bastante, portanto. E também não estou com pressa para voltar.

E essa parte do “esquecimento”, isso não lhe passa pela cabeça.
Claro que passa, temos sempre medo. De repente relaxamos, arranjamos um trabalho e passados três meses começa a vir o ponto de interrogação outra vez e começamos a fritar. Por isso é que é bom fazer televisão, porque paga muito bem e depois dá para relaxar a cabeça. Mas não sou uma pessoa muito stressada com isso, porque imagino-me a fazer outras coisas. E tenho trabalhado muito as minhas redes sociais como o Instagram. Não só para ganhar dinheiro…

Se vier esse extra é bom.
Sim. Quando há uma marca que acho que faz sentido, com a qual me identifico, e que paga bem, está tudo certo. Mas o meu Instagram não é um catálogo, nem quero que seja. É um bocadinho de mim com todas as personagens que tenho e que me representa como atriz.

A Inês não se leva muito a sério. Por cá, uma mulher, no meio artístico, com essa atitude pode ser classificada como “tonta” ou até acusada de ter atitudes masculinas. Como é que olha para isso? Pode prejudicá-la?
Só me vai trazer vantagens. Não se pode agradar a toda a gente. Por acaso não tenho tido muitos haters, mas um dia hão de chegar. Isto parece um grande cliché, mas acho que não saberia ser de outra forma. Por vezes tento meter um filtrozinho, mas acho que pode trazer-me vantagens. Principalmente numa mulher, porque há tantos tabus, preconceitos e julga-se tanto a mulher… no futuro talvez esteja a contribuir para que sejamos um pouco mais iguais. Que podemos ser todos parvos. E nem sempre é propositado o que faço, mas ainda bem que acontece.

Nem sempre está tudo guionado.
Quase nunca. Mas é engraçado porque, principalmente no Instagram, quando faço algo que me diverte, de repente, tenho imensas mensagens de mulheres a dizer “ainda bem que fez isto, estava a sentir-me tão mal”. E isso é incrível.

"Às tantas é mais perigoso ir ao supermercado, porque se toca em tudo e mais alguma coisa. Num teatro, entramos na sala, estamos afastado das pessoas, não estamos perto dos atores, porque não? Estamos todos a precisar de ir ao teatro. Todos. E todos os artistas estão a precisar de trabalhar."

Por falar em redes sociais, a Inês expõe a sua vida com a família, inclusivamente com a bebé. Pensa em possíveis consequências de um dia fazer algo no Instagram e no dia a seguir já está em capas de jornais ou revistas?
O meu namorado é o meu filtro. Por mim, mostrava tudo e mais alguma coisa, mas ele é que filtra. E depois penso que nem toda a gente é como eu. A minha mãe fica revoltadíssima porque posto uma fotografia e no dia seguinte vem nas revistas. “Mas pediram autorização?”, pergunta-me. E aí respondo-lhe que fui eu publiquei, que queria mostrar às pessoas. É-me bastante indiferente, por acaso.

Há muitos artistas que escondem o lado privado.
Não tenho nada isso, mas se calhar devia. Porque às tantas mostro tanto, tanto, que depois as pessoas acham que me conhecem. Na verdade não são só números, são pessoas, que sabem tudo e mais alguma coisa sobre mim. Às vezes tenho um rasgo de não poder fazer, como quando mostro a casa, de poder mostrar a matrícula do carro, por exemplo. Mas acho sempre que essas situações piores nunca me vão acontecer. Em relação à bebé, foi algo que pensei muito, se a ia mostrar ou não. A primeira coisa que me vem à cabeça é: será que ela no futuro vai querer? É que eu escolhi ser figura pública mas ela não. Primeiro pensei que não ia mostrar, só uma fotografia. O que é certo é que tenho vindo a mostrar, mas tento não aproveitar-me disso para benefício próprio.

E quando for mais velha, ajusta contas com a mãe.
Quando for mais velha se quiser ganhar dinheiro com isso, tudo bem. Agora não. Vou mostrando ‘pouquinho muito’.

Acaba o projeto do Bruno Nogueira, e quem acompanhava cai assim um pouco na realidade do que estamos a viver, em especial os artistas. Dias a seguir, li uma entrevista em que Nuno Lopes falava de artistas a passar fome. Depois, temos aqui uma espécie de choque entre áreas da cultura, de um lado Joana Latino a criticar artistas que deviam olhar para o vosso projeto, e do outro, artistas a criticarem as palavras da Joana Latino.  Onde é que a Inês que se coloca?
Acho que é de mais, perde-se o foco. Aqui o objetivo não é dar tiros na Joana Latino. É educar, tentar que as pessoas percebam que não é aquilo que ela disse. Quem ouvir as palavras dela vai pensar que todos os artistas podem mexer-se e fazer tutoriais como o Tiago Teotónio Pereira e isso está errado. Quando nós vamos para as redes sociais a contradizer o que a Joana diz, não é para criar uma guerra.

Mas sem querer, cria-se. É um “bicho” que não se controla.
Sim, mas tem de ser dito na mesma. E entretanto gerou-se uma grande guerra que não era suposto.

E como é que uma atriz com a Inês, desmonta as tais supostas divisões que existem dentro do próprio setor? Porque deduzo que tenha amigos em todas as áreas
É simplesmente não nos expormos por camadas. Sinto-me uma privilegiada, mas há pessoas que não têm o mesmo dinheiro ou as mesmas oportunidades. Ou seja, se calhar não fizeram televisão e portanto não conseguiram guardar tanto dinheiro. Há quem faça só teatro. Mas no fundo estamos todos a fazer pela arte e nem todos conseguimos fazer o mesmo. Nem ter bons resultados em áreas de crise.

A partir de junho a cultura regressa um pouco aos palcos. Mas o público pode ainda surgir um pouco de pé atrás.
Tenho perguntado aos meus amigos se abrirmos o teatro, se não. Todos responderam que sim.

Sem dúvidas?
Sim, nenhumas.

"O meu Instagram não é um catálogo, nem quero que seja. É um bocadinho de mim com todas as personagens que tenho e que me representa como atriz"

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Mas também podemos estar a falar de gente mais jovem.
Pois, não sei. Se for a 20% ou 30% de ocupação, acho que serão raras as peças que vão acontecer, porque não compensa. Não há forma de pagar a toda uma equipa de atores e técnicos. Mas se for uma taxa mais alta, se toda a gente tiver máscara… às tantas é mais perigoso ir ao supermercado, porque se toca em tudo e mais alguma coisa. Num teatro, entramos na sala, estamos afastado das pessoas, não estamos perto dos atores, porque não? Estamos todos a precisar de ir ao teatro. Todos. E todos os artistas estão a precisar de trabalhar.

Está ansiosa por voltar aos palcos…
Lido bem se não acontecer nos próximos meses, porque tenho uma força e amor muito grande em casa. Se não tivesse, estava totalmente desesperada e a precisar de trabalhar. E é preciso. Deixo o meu amor para ir trabalhar toda contente, em prol de que estamos a avançar e meter toda a gente a trabalhar. E claro, dar dinheiro aos meus colegas.

O facto de ter uma bebé, deixou-a com mais medo?
Mais pelos meus pais. Íamos sempre só aos supermercados, a Alice nunca saía. E ouvia as indicações de que se não havia risco para os bebés, estava tudo bem logo, focava-me nisso. Porque se me focasse no medo estava lixada. Fiz constantemente chamadas para os meus pais. E é engraçado que toda a gente que conheço diziam-me que os mais complicados de manter em casa eram os mais velhos. Os meus pais reagiram bem, mas levaram um massacre meu. Mas quando é que vai ser possível eles estarem à vontade com a neta? Essa é que é a minha tristeza.

Agora não podem ser avós.
Estivemos confinados, fomos um fim de semana ao Porto e voltámos a ficar confinados. Os meus pais estão desesperados por não poderem ser avós. Há sempre as ferramentas de vídeo, é melhor do que nada. Pior era se estivessem doentes numa cama de hospital.

Vamos lá falar do “Bicho”. Sentiu pressão de ser engraçada?
Claro. Antes de entrar estou a ver as pessoas mais engraçadas de todas, e de repente o Bruno Nogueira liga-me e fico: caraças, tenho de ter piada. As pessoas tinham de ser entretidas.

"Acho que [o 'Como é que o Bicho Mexe'] não vai acontecer isso porque isto foi feito nas condições em que estávamos. Não aconteceu porque sim. Se o Bruno Nogueira decidir fazer outro programa, mas a pagar, acho que as pessoas pagavam."

Era como se fosse um casting?
Como uma estreia. As primeiras vezes deixaram-me muito nervosa, como se fosse para o palco. Quando desligava o telefone parecia que tinha sido depois de uma estreia. Telefone a tocar, mensagens por todo o lado. Só conseguia dormir às 3h00 e depois ficava a pensar o que poderia fazer no dia seguinte. Quem me relaxou muito foi o meu namorado, ao dizer-me que não tinha de ter sempre piada. Que podia ser só eu a conversar normalmente. No fim comecei a tirar essa pressão, e era só eu, pensando claro numa coisa ou outra.

Naquele que foi o “último episódio”, senti algum ingenuidade da sua parte, por estar à volta de pessoas com carreiras maiores do que a sua. Não estava à espera de ser puxada para isto?
Conheço o Bruno, dou-me muito bem com ele. Ligar uma vez, tudo bem, mas nem sabia que o projeto ia ser o que foi. De repente, quando me apercebo, já estou lá dentro, faço parte do elenco, já fiz três performances. Foi tudo surpreendente e o episódio acaba daquela maneira… parecia um sonho. Não acreditei que fiz parte disto, foi histórico. Estive três dias nas nuvens, feliz e ao mesmo tempo muito triste porque acabou.

Baixa o pano e há vazio.
Foi isso que se sentiu, fim de projeto. E não foi um daqueles em que me ligam a perguntar se quero entrar, a dizer qual é o elenco, qual o cachet e as horas de gravação, não. Foi surreal.

Apesar de ser certamente histórico, não acha que abre um precedente perverso para o público: “para me entreter basta pegar no telemóvel, sem pagar”.
Acho que não vai acontecer isso porque isto foi feito nas condições em que estávamos. Não aconteceu porque sim. Se o Bruno Nogueira decidir fazer outro programa, mas a pagar, acho que as pessoas pagavam.

E pela Inês ter participado nisso, sai beneficiada?
Sei lá eu! Agora estou à espera que chovam convites! Aqui sentadinha, a fazer a papa para a menina… estou a brincar. Não sei. Quando participei na série “Sara” do Marco Martins e dele, toda a gente me disse: agora é que é, vais começar a fazer cinema. OK, participei, foi incrível, mas não me aconteceu nada a seguir. O Zé Pedro Gomes quando fez o Herman, acho eu, toda a gente lhe dizia que “agora é que era”, depois foram sete meses sem trabalho. Este projeto pode ter sido incrível, sim, mas pode ser que ninguém me chame.

É uma incógnita.
É. Até agora não tive proposta nenhuma [ri-se]. Devia estar aqui a dizer que estava cheia de projetos, que 2021 vai ser uma loucura, mas não, não tenho nada.

Também passou pouco tempo.
Sim, torça por mim.

"Escrever um espectáculo meu. Uma peça de teatro ou um stand-up. Fazer o meu programa, sim, sim. Mas acho que vai acontecer. Até me dá a volta à barriga pensar nisso..."

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É fazer figas. Criou-se ali uma comunidade entre público e atores, todos no mesmo palco, mas havia um risco: eram conversas sem filtro, sobre sexo, sobre relações. Às vezes a Inês podia esquecer-se de que estava em direto…
Esquecia-me muito, mas pensava que se fizesse um stand-up falaria sobre os mesmos temas. Nunca sabemos o que é real ou não. A magia dos diretos é aquilo ser um limbo entre a realidade e uma novela. As conversas que o Bruno e o Nuno Markl tinham, as coisas que diziam… Imaginava-me a fazer um stand up, punha grande parte da realidade mas depois dava um floreado, pintava com um amarelo ou um verde para ficar mais bonito. Juntando isso ao facto de ser uma pessoa que não tem pudor nenhum… a minha mãe às vezes dizia-me “mais filtro”. Eu ponho, mas é por ela, para não ter de ouvir como é que tenho relações sexuais. Ou não vou dizer nomes porque gosto de me expor, mas há outras que não têm de ser. Nunca tive esse medo. Era mais pelos meus pais e pelos meus sogros, a quem pedi para que não vissem os diretos.

E não viram?
Não, não. ‘Aaah não, tem bolinha vermelha, se calhar é melhor não ver’, dizia-lhes.

E nunca foi uma espécie de trabalho? Teve sempre vontade de estar “ligada”?
Era como se fosse um trabalho, sim. Se não tivesse nada naquele dia, pensava ‘ hoje não vou’. Porque me levanto às sete da manhã, e com o Bruno deitava-me às 2h30. Só que às vezes ficávamos a ver, e pensava o que é que tinha para dizer, como poderia contribuir. Foi mesmo um trabalho. Tentei descansar, mas não foi possível.

Entretanto fecha-se uma espécie de fenómeno. Mas há intenções de regressar…
Mas é bonito ser fechado assim. Se o Bruno decidisse voltar, aceitava, só que foi porque estivemos em confinamento, e foi uma “época” e acabou. No futuro sou a favor de fazermos algo todos juntos, mas outra coisa. “Como é que o Bicho Mexe” acho que está feito e bem feito.

Por gostar de registos de humor, veio por acaso, ou é mesmo o seu género?
É como sou, ou seja, não foi por acaso. Acho que é assim, vou criando personagens, depois em vez de as deixar só em casa, para amigos e família, começo a publicá-las, depois as pessoas dizem que sou comediante e um dia hei de fazer um stand up, talvez…

Gostava de fazer?
Sim, mas tenho muito medo. Acho que não sei escrever e tenho medo da obrigação de escrever para ter piada. Faço vídeos, mas é tudo do momento, de improviso. Ter de escrever, as pessoas pagarem um bilhete e dizerem “ah foi tão giro”, é uma ideia que me mata de medo.

"Acho que ainda existe o estigma de ser uma atriz comercial ou atriz mais intelectual. Na verdade, sou um bocadinho comercial. Se me convidassem para fazer Shakespeare,  fazia, mas ia ter um trabalhão do caraças. Quero fazer tudo, sou tão nova, tenho tanto para fazer."

Aí na volta já ganhava haters, porque mulheres no stand up é sempre um tópico quente.
É tão ridículo não é? Não percebo. E acho que por causa disso as mulheres retraem-se muito mais, porque vão ser criticadas.

Veio das novelas juvenis, “Rebelde Way” ou “Lua Vermelha”. Disse que lhe faltam papéis desafiantes em televisão. O que é isso?
Em televisão acho que sim. Mas gostei muito de fazer a “Lua Vermelha”, porque fiz uma personagem que era homossexual e fiquei feliz por tentar ajudar a acabar com o preconceito. Estava feliz com o meu papel, mas, sinceramente, de resto, nunca tive assim nada muito desafiante.

Então não é da geração “Morangos Com Açúcar”.
Acho que não, mas foi numa altura em que vieram as novelas juvenis e fiz duas. Era reconhecida na rua: ‘ah ela é dos Morangos’.

Isso chateava-a? E sabia que tinha de fazer essas novelas para ter trabalho ou subir na carreira?
Não me chateava, não. Acho que as novelas juvenis importantíssimas, por isso, fazer parte de uma não me chateia minimamente, nem acho que seja menos bom. Estamos a educar uma geração. Sei que estou a ter muito impacto nos adolescentes.

Não era uma sina?
De todo. E não me chateia ter trabalho em televisão, só tenho a agradecer. Mas penso que me poderiam dar algo melhor.

Como por exemplo?
Um papel num núcleo de comédia, que nunca tive. As novelas têm o núcleo cómico, os protagonistas… acho que seria uma mais valia aí. Mas em relação ao teatro não tenho de que me queixar, depois da “Avenida Q” ou a “Pior Comédia do Mundo”. Estou feliz com a minha carreira, é pequenina, mas estou feliz.

E teatro mais tradicional?
Acho que cada vez menos me vão chamar para isso. Acho que ainda existe o estigma de ser uma atriz comercial ou atriz mais intelectual. Na verdade, sou um bocadinho comercial. Se me convidassem para fazer Shakespeare,  fazia, mas ia ter um trabalhão do caraças. Quero fazer tudo, sou tão nova, tenho tanto para fazer.

Não se testou a todos os níveis.
É isso. Nem que seja para fazer Shakespeare e perceber que não é a minha cena. Mas quero experimentar.

Porque não um programa no Youtube ou um talk show?
Já pensei nisso, mas ainda não me apareceu nenhuma ideia concreta, que tenha princípio, meio e fim. Por isso é que só faço coisas do Instagram, por não ter obrigações nenhumas nem ninguém me obriga a ter graça. Mas também já me disseram que tinha de fazer um canal de Youtube. Mas vou ser youtuber agora? Acho que não…

"A minha mãe dizia que, na altura em que não havia internet nem telemóveis, em que só havia jogos de computadores tipo Solitário, eu criava histórias enquanto ela via televisão"

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Sim, esse termo meio assustador
Mas por exemplo, tinha aqui uma ideia e fui com ela para a frente, mas às vezes imaginamos, concretiza-se e não fica tão bem. E ia ser um programa no Youtube, como por exemplo o da Neuza com o Diogo Faro, só que não correu muito bem. Ainda não sei o que vou fazer com aquilo, mas estou na fase de: “o que é que eu vou fazer agora”?. Houve muito mais pessoas a conhecerem o meu trabalho agora, e se chegar uma altura em que decidir fazer algum projeto, acho que vou ter apoio das pessoas certas.

Porque a Inês parece-me bem, segura, na zona de conforto. Mas pelo que vamos vendo, no meio artístico, a certa altura tem de se arriscar. E, portanto, ainda não arriscou.
Não, não, ainda não arrisquei nada.

E o que é esse arriscar?
Escrever um espectáculo meu, por exemplo. Uma peça de teatro ou um stand-up. Fazer o meu programa, sim, sim. Mas acho que vai acontecer. Até me dá a volta à barriga pensar nisso…

Puxando a cassete para trás. Andou a estudar representação lá fora e a viajar bastante. O pai não percebia bem essa ambição de ser atriz, a mãe sim.
A minha mãe apoiava, o meu pai queria que eu tirasse um curso normal. Na altura de ir para a faculdade inscrevi-me em comunicação, porque tinha de ser, e disse: vou para a faculdade, faço o curso normal, mas só se for na pública, não o ia meter a pagar balúrdios num curso que nem sequer queria. Só que entrei em Vila Real e disse que não queria ir, fazer um curso que não queria, só porque as pessoas diziam que tinha de tirar algo ligado às letras ou ao jornalismo. Disse-lhe que queria ser atriz e o meu pai disse para arrancar. E vim para Lisboa.

Não foi para contrariar o pai, então.
Não não, era o que a filha queria e aceitou. Candidatei-me ao Conservatório e não entrei, fiquei furiosa. E pensava como é que era possível não entrar no curso em que ia ser boa, mas não entrei. Entretanto, fui para a Act estudar, mas logo no primeiro ano fui chamada para uma novela e fui trabalhar. Depois seguiram-se 4 meses a estudar teatro no Rio de Janeiro, fiz uma janela, mais uns meses a estudar teatro em Los Angeles. Depois voltei, houve uma altura sem trabalho, vim para Lisboa mas a trabalhar num restaurante. Só que odiei a experiência, achei que me tratavam mal, que recebia mal e pensei que se era para trabalhar assim, tinha de ganhar bem. E como estava revoltadíssima, juntei dinheiro e mandei-me para a Austrália com o meu melhor amigo. Conseguimos fazer ainda mais dinheiro e estivemos oito meses em viagem. Quando acabou o dinheiro, bati à porta dos meus pais e disse: cheguei.  Aí apareceu o Curto Circuito…

Quando esteve nos Estados Unidos da América (EUA) porque é que não tentou ficar por lá? Há atores portugueses que bem tentam e até conseguem…
Não tenho a ambição de ser uma estrela de Hollywood. Se me caísse nas mãos, sim, mas fui lá para estudar e perceber um pouco do método, tal como a escola deles.  No Brasil tive até algumas propostas já de fazer participações em novelas, fiz uns contactos…

E essa porta fechou-se?
Acho que não. Por acaso já tive algumas, sinto sempre que o Brasil é meio casa, porque a minha avó é brasileira, tenho lá família. Nos EUA nunca me senti em casa, parecia sempre grande demais. Uma sede, uma fome… e o facto de não ser a minha língua. Quanto mais viajo, mais me apercebo que, se tiver cá trabalho, a contribuir para a cultura do país, não me importo nada de ficar aqui.

"Tive sempre muita liberdade para fazer e dizer o que queria. Mas igualdade era igual a responsabilidade. E nunca houve problemas em estar entre rapazes, tive uma infância e uma adolescência muito feliz. Continuam a ser os meus melhores amigos, apesar de não os ver tanto quanto posso."

Mas há muitos portugueses a rentabilizar o seu nome no Brasil…
Sim, mas por exemplo, nunca me passou pela cabeça fazer isso agora. Está péssimo, todos os meus amigos lá dizem para ficar cá. Não quero criar um bebé num país naquele estado. Viver numa cidade em que não se pode estar na rua à noite, para já acho que isso não vai acontecer.

É a irmã mais nova de seis?
Sim. O meu pai tem uma filha mais velha, só que é só do lado dele. Nunca vivemos com a minha irmã porque sempre viveu com a mãe. Fui eu e os rapazes.

Ser a mais nova no meio de rapazes, levou-a a levar-se menos a sério?
Talvez, não sei explicar porque sou assim. Tive sempre muita liberdade para fazer e dizer o que queria. Mas igualdade era igual a responsabilidade. E nunca houve problemas em estar entre rapazes, tive uma infância e uma adolescência muito feliz. Continuam a ser os meus melhores amigos, apesar de não os ver tanto quanto posso.

Isso contraria a ideia da atriz sofrida?
O método de stanislavski diz que nunca chegamos à verdade através da imaginação. Ou seja, imaginemos estar a fazer um papel de uma mulher que é abandonada pelo marido, como me aconteceu uma vez. Disse a uma professora em Los Angeles que sabia que não era normal, mas que tinha uma vida normal. Nunca me aconteceu nada de errado, e perguntava-lhe como é que poderia fazer um papel daqueles, sem ser por imaginação, e pedia-lhe para acreditar em mim. Só que ela dizia que não, que todos os atores têm traumas na vida. Concordei, mas disse-lhe que traumas toda a gente tem. E ela respondeu que nem sempre as pessoas têm noção dos traumas que têm e, por viverem em sociedade, abafam-nos. Com isso, disse-me que me conseguia meter a chorar em dois segundos e conseguiu. Fez-me descobrir traumas que não sabia que tinha. Mas até me considero uma pessoa bastante normal e pouco sofrida.

Se calhar também é porque ainda não surgiu aí um papel mais dramático.
Sei lá… nesse papel que estava a fazer da mulher abandonada, a professora disse-me para ir ao momento em que a minha mãe me deixou na escola, sozinha pela primeira vez. Só que não me lembrava. Depois claro que há outros métodos, em que é possível chegar lá através da imaginação, o que é bom perceber que existem.

Mas não é por ter medo de ir mais a fundo.
Acho que não. Através da imaginação acho que chegamos lá. Às vezes nem é preciso imaginar, basta ver uma cena que me toca num filme, e já dei por mim a fazer uma cena que para lá chegar, vou à tal cena. E não tem nada a ver comigo, não era a minha história. Mas o que funciona para mim não quer dizer que funcione daqui a dez anos. Claro que acredito muito na bagagem do ator, porque se fizer um papel em que vou fazer de mãe, vou senti-lo de outra forma.

"Continuei a fazer locuções, nunca houve uma altura em que tenha ficado sem ordenado. Mas para muita gente isto está a ser um grande problema"

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E uma pessoa normal pode representar.
Sim, claro…

Uma última pergun…
Mas o que é que é ser normal? Bom, seguimos… quer dizer, acho que sou uma pessoa normal mas há quem ache que sou avariada da cabeça, que sou maluca.

Porquê?
Pois não sei, porque faço coisas que os outros não têm coragem de fazer. Porque vivem dentro de mim mais pessoas que não eu. Mas acho que sou normal, somos todos.

Pode ter vários “eus”, sim…
Siga, siga, se não ficamos aqui uma hora.

Só que depois há quem seja bipolar, mas isso, enfim, é algo diagnosticável clinicamente. A Inês gosta de fazer vários tipos de personagens, o que é diferente.
É o que me aparece na altura, nem sei de onde. Isso agora tinha de ir fazer terapia e daqui a dez anos voltávamos a falar.

Combinado. Quando era mais nova também tinha tudo isso?
Sim, sim. A minha mãe dizia que, na altura em que não havia internet nem telemóveis, em que só havia jogos de computadores tipo Solitário, eu criava histórias enquanto ela via televisão. Fazia de conta que era uma senhora à espera do autocarro, a conversar com outras senhoras.

E é a única atriz da família?
Não, a Benedita Pereira é minha prima direita. A minha mãe é cantora, o meu irmão é pintor e artista plástico. Tenho outro irmão DJ e produtor de música.

Os genes artísticos estão lá todos. Mas se a sua filha for engenheira civil também não há problema.
Ah, espero que sim! [ri-se] Pode ser o que quiser, não tenho preferência.

Um último exercício hipotético: se até 2021 não houver palcos ou televisão, o que é que a Inês vai fazer?
Não diga isso… olhe, vou ter que escrever, fazer coisas através de uma câmara de filmar para as outras pessoas.

Vai andar aí, portanto.
Ah isso é certo.

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