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"A Flor do Buriti" estreia-se esta quinta-feira, 21 de março, nas salas de cinema portuguesas, através da distribuidora Desforra Apache
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"A Flor do Buriti" estreia-se esta quinta-feira, 21 de março, nas salas de cinema portuguesas, através da distribuidora Desforra Apache

"A Flor do Buriti" estreia-se esta quinta-feira, 21 de março, nas salas de cinema portuguesas, através da distribuidora Desforra Apache

João Salaviza e Renée Nader Messora filmaram "a terra e a resistência" do povo Krahô

“A Flor do Buriti”, de Renée Nader Messora e João Salaviza, conta a história da luta do povo Krahô, com o qual os dois realizadores vivem parte do ano. Filme estreia-se esta quinta-feira.

Há dez anos que os cineastas João Salaviza e Renée Nader Messora filmam o povo indígena Krahô, que vive na aldeia Pedra Branca, no estado de Tocantins, a sudeste da Amazónia, no Brasil. O tempo partilhado entre os realizadores e a comunidade já tinha resultado em Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos (2019), que lhes valeu o Prémio Especial do Júri em Cannes. A relação prolonga-se em A Flor do Buriti, nova longa-metragem que chega esta quinta-feira aos cinemas portugueses, depois de vários prémios internacionais e mais uma distinção em Cannes, desta vez com o Prix d’Ensemble.

A Flor do Buriti começa com as dores de parto de uma mulher indígena na sua cabana, mas não se pode dizer que este filme seja um filho do anterior. Renée rejeita a ideia de continuidade, sequela, mais do mesmo. “É outra coisa. É um filme que amplifica o olhar”, diz antes. O retrato íntimo de um adolescente, em Chuva, deu lugar a um retrato maior: o de uma comunidade. “Nesse filme a gente deu um passo para trás, para tentar olhar um pouco mais de longe”, explica a cineasta brasileira. “É um filme que tenta dar conta de uma inteligência coletiva dessa comunidade.”

A obra é uma ficção inspirada num levantamento histórico deste povo indígena brasileiro, sublinhando a violência a que este tem estado submetido no último século, do histórico massacre de 1940 perpetrado por fazendeiros brancos até às políticas hostis lançadas nos anos em que Jair Bolsonaro foi Presidente do Brasil. Rodado ao longo de 15 meses, o filme é mais do que um documento sobre a história de um povo e a relação com a sua terra, é sobre o futuro de quem o exige.

“Eles não estão nem presos num passado e também não estão só vivendo no presente, eles também estão imaginando um futuro e lutando para chegar nesse futuro imaginado”, afirma Renée. “Quando a gente vê um movimento indígena organizado se encontrando em Brasília para reivindicar seus direitos constitucionais, a gente vê que isso é uma ideia de futuro.”

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[trailer de “A Flor do Buriti”:]

O que João e Renée descobriram com os índios brasileiros está num filme para que todos aprendam

Tal como no filme anterior, pairam dúvidas sobre o que é ficção e realidade. Uma coisa é certa: a mobilização massiva que se concretiza já perto do fim da fita, numa das raras cenas não nas profundezas da Amazónia, mas na citadina Brasília, não é um produto da ficção, orquestrada pela dupla de realizadores. Enquanto os Krahô tentam seguir com seus ritos e tradições, representantes da aldeia planeiam uma viagem à capital do país, onde se encontrarão com outras lideranças indígenas para pedir ao governo federal que adote políticas de preservação para os seus povos. Na estreia mundial do filme, no Festival de Cinema de Cannes, no ano passado, a equipa do filme — realizadores e atores — protestou contra o marco temporal no tapete vermelho, com uma faixa que dizia: “O futuro das terras indígenas no Brasil está sob ameaça, não ao marco temporal”.

O marco temporal é uma tese não prevista na Constituição brasileira e que, na prática, trava demarcações do território. “Cria-se um novo critério: os indígenas que não estivessem em suas terras na data da promulgação da Constituição de 1988 não teriam direito de reivindicar a demarcação da área —o que ignoraria o histórico de expulsões e violência contra os diferentes povos”, resume o jornal Folha de S. Paulo.

Os realizadores Renée Nader Messora e João Salaviza; e Hỳjnõ Krahô e Cruwakwỳj Krahô, protagonistas de "A Flor de Buriti"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Hỳjnõ Krahô, um dos protagonistas de A Flor de Buriti, recorda a vontade de participar no momento histórico de reivindicação, uma “experiência de luta”. “Não é só o povo Krahô com esse problema”, lembra, “todos os povos do Brasil estão passando por esse processo de demarcação”. Defenderem-se não é, por isso, uma escolha, mas uma necessidade. “Se eu esperar isso para o presidente, para o Ministério da Justiça, para o IBAMA, para o CIMBIU, e para as pessoas que protegem, a gente vai sempre ser invadido. Para isso não acontecer comigo nem com o meu povo, a gente tem que se preparar, da comunidade para a cidade”, conclui.

Na luta dos povos indígenas, que papel podem ter os “cineastas e aliados”, como se descreve no comunicado de imprensa a dupla de autores? Nenhum é estranho aos Krahô. Renée Nader Messora desde 2010 que vive na aldeia durante vários momentos do ano. João Salaviza chegou depois, em 2014. “Mas apesar desta amizade, desta aliança, continuamos a ser dois estrangeiros não indígenas a filmar, na casa e no território de outras pessoas que nos recebem tão abertamente e tão amistosamente há tantos anos”, descreve Salaviza, que aponta para a necessidade de fugir às narrativas estereotipadas.

Grande parte do filme foi rodado em Pedra Branca, aldeia do povo indígena Krahô no estado de Tocantins, Brasil

“O filme é sobre a terra, é sobre a resistência, muito mais do que sobre a violência histórica que se foi perpetuando”, crê. “Não queríamos de modo algum perpetuar novamente essa imagem do indígena como vítima impotente perante um cerco gigantesco”, aponta. Por outro lado, “mesmo muitos olhares bem intencionados sobre as questões indígenas caem muitas vezes numa espécie  de armadilha discursiva que é não conseguir olhar e retratar uma figura indígena sem ser marcando uma oposição e um contraste com o não indígena.”

É aí que, para os cineastas, reside o cariz político do filme. “Apesar de termos filmado a viagem a Brasília, e se calhar uma leitura mais imediatista do filme pode parecer que é o momento mais político do filme porque eles estão ativamente a participar na militância indígena e o filme acompanha e participa e envolve-se também nesse movimento, acho que a política que nos interessava também filmar é a política nos termos indígenas, que é uma outra política, é uma política sem Estado e sem mercado. Eles destabilizam todos os nossos dualismos.”

Sem a tradição de um cinema documental pretensamente neutro e observacional, é a através da ficção que os cineastas cosem o “lugar do cinema em que a gente acredita”, lembrando que não está em causa a criação de “cinema indígena”, pois este “deve respeitar exclusivamente filmes pensados, realizados, feitos por indígenas, nos seus termos, sem haver essa necessidade de uma mediação ou intervenção de um não-indígena”.

A realizadora Renée Nader Messora (à esquerda) frequenta a aldeia desde 2010 e foi ela quem introduziu o realizador João Salaviza à comunidade dos Krahô, quatro anos depois

Cruwakwỳj Krahô acompanha a conversa, olhar penetrante e atento. A protagonista de A Flor de Buriti tem estando em silêncio, mas interpelamo-la sobre a importância de filmes que contem a sua história, a história dos Krahô e o seu futuro. A dada altura, na película, uma mulher da aldeia sentencia: “É preciso ter filhos, se não o nosso povo acaba”.

“Somos muito poucos”, confirma Cruwakwỳj. “Por causa do massacre, perdemos muitos parentes indígenas e até hoje lutamos para ter mais criança”. E continua: “Temos de contar essa história no filme: as crianças são importantes. Vamos fazer mais crianças”, sorri.

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