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Mário Carvalho, 58 anos, nasceu no Porto, estudou arquitetura, foi road manager dos Táxi, geriu a discoteca Indústria e abriu o Café Lusitano em 2005
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Mário Carvalho, 58 anos, nasceu no Porto, estudou arquitetura, foi road manager dos Táxi, geriu a discoteca Indústria e abriu o Café Lusitano em 2005

Rui Oliveira/Observador

Mário Carvalho, 58 anos, nasceu no Porto, estudou arquitetura, foi road manager dos Táxi, geriu a discoteca Indústria e abriu o Café Lusitano em 2005

Rui Oliveira/Observador

Mário Carvalho, empresário da noite do Porto: “As discotecas correm o risco de não voltarem a ser viáveis nos próximos quatro anos”

É empresário da noite do Porto há mais de 30 anos, mas a pandemia veio alterar-lhe os planos. Em entrevista, Mário Carvalho fala da desunião do setor, do futuro do negócio e das festas clandestinas.

Abre a porta do Café Lusitano, na baixa do Porto, afasta as cortinas vermelhas de veludo da entrada, acende as luzes e, no espaço completamente vazio, afasta as cadeiras que vão ser estofadas em breve. “Às vezes venho aqui beber um copo junto ao balcão só para matar saudades”, conta Mário Carvalho.

Desde os seis anos que sonhava ser arquiteto, ainda chegou a frequentar a faculdade de Belas Artes, mas sofreu de preconceito por parte dos professores por ser “uma ave rara”, vestido de preto e com gel no cabelo. Durante a adolescência, aprendeu com os Táxi a montar as luzes e o som para um concerto, coisa que também fez na estrada com os GNR, Rui Veloso ou Xutos & Pontapés. Foi mesmo a consertar o som de uma coluna na discoteca Indústria, em 1986, que se tornou responsável por ela pouco tempo depois. Começava assim o seu percurso como empresário da noite portuense, recheado de histórias com cavalos brancos e perseguições policiais.

Pessimista confesso, Mário Carvalho esteve ao leme do mítico projeto situado na Foz várias décadas até que chegou ao centro da cidade, onde em 2005 abriu um dos primeiros bares gay do Porto, o Café Lusitano, sendo ao mesmo tempo um dos primeiros inquilinos daquela zona histórica. “Quando abri os fornecedores diziam que eu não estava bem, que não iria resultar, que não havia ninguém na baixa, aliás, as marcas de cerveja não queriam fazer grandes contratos comigo”, recorda.

O empresário viu bares e discotecas inaugurarem nas ruas vizinhas, o turismo a instalar-se em força em cada esquina e garante que o segredo para a longevidade do negócio é a qualidade da música, a arte de bem servir e a filtragem na porta. Nunca ambicionou acumular casas noturnas, mas em 2016 não resiste à tentação de recuperar o Pérola Negra, a famosa antiga casa de strip, para o vender um ano depois.

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Em 2020, o Lusitano celebrou 15 anos de vida e um mês depois da festa de aniversário o país e o mundo mudaram. “Tive logo a perceção de que não iria ser fácil e que isto ia durar pelo menos um ano. A minha grande preocupação era como iria conseguir aguentar a empresa financeiramente durante um ano, esse foi o meu pânico.” Pediu dinheiro à banca, recebeu apoios do Estado e ainda pondera reabrir portas como restaurante.

Conformado e desiludido, Mário Carvalho lamenta a desunião do setor e a inação da polícia perante as festas clandestinas, acredita que o conceito de discoteca, tal como hoje o conhecemos, será inviável nos próximos anos, mesmo que se reinvente.

Aos 58 anos, Mário Carvalho é um dos nomes mais antigos e reconhecidos da noite portuense

Rui Oliveira/Observador

É nascido e criado no Porto?
Sim, nasci perto da Boavista, estudei arquitetura, na Faculdade de Belas Artes, mas não cheguei a terminar o curso porque fui chamado para a tropa.

Antes disso, começou a trabalhar com 16 anos como road manager dos Táxi.
Sim, eles ensaiavam na mesma rua onde eu morava e convidaram-me para trabalhar com eles. Comecei por carregar colunas, depois comecei a aprender e passei a ser operador de som. Estive quase 10 anos com eles.

Como foi essa experiência?
Adorei, viajei muito, tínhamos mais de 100 concertos por ano e deparei-me com situações completamente inacreditáveis, como chegar a aldeias e ter que montar um espetáculo sem condições nenhumas, muitas vezes sem energia suficiente. Tinha que improvisar imenso, fazia de carpinteiro e quando chovia era uma desgraça, os palcos caíam, era tudo muito amador. Lidei com todo o tipo de pessoas, deu-me muito traquejo.

Nunca pensou enveredar por esse caminho de forma mais profissional?
Não, desde os seis anos que sempre quis ser arquiteto. Tinha um vizinho mais velho que estudava arquitetura e me deixava ir desenhar para o quarto dele, ficava lá horas e tinha algum jeito. Na altura dos Táxi, queria era terminar o curso, dediquei-me aquilo a 100%, mas tive um conflito grande com os professores.

Como assim?
Os professores não queriam que andasse na música, criticavam a minha forma de vestir, sempre de preto e o gel na cabeça. Para eles, eu era uma ave rara. Não percebia como é que uma escola de artes discriminava as pessoas pela sua forma de vestir, achava inacreditável e aquilo desiludiu-me completamente. Chumbei um ano por descriminação, ainda insisti e voltei no segundo ano, mas entretanto fui chamado para a tropa.

Onde?
Estive 18 meses, primeiro em Lisboa, a fazer a instrução militar, e depois em Tancos. Recordo-me que fui muito contrariado, tinha uma vida de concertos e de viagens, então ir para a tropa era como ir preso.

E foi?
Sim. Os primeiros meses foram duros, foi um exagero de autoridade, não aconselho nada. Aquilo alterou um bocado o meu comportamento, fez com que eu não tivesse medo de ninguém e fiquei mais agressivo. Depois isso desapareceu, mas deu-me uma bagagem grande para a vida.

E quando regressa ao Porto?
Quando regresso tento outra vez arquitetura, mas não me consigo adaptar e acabo por desistir do curso. Como não tinha dinheiro, fiz-me à vida. Os concertos dos Táxi pararam, então peguei na minha aparelhagem de luzes e som e fui para a estrada com outras bandas. Trabalhei com os GNR, Xutos & Pontapés, Rui Veloso, até fiz espetáculos de ópera aqui no Teatro Rivoli. Dava-me gozo, não tinha horários, fiz amigos, mas era puxado fisicamente.

"Como é que é possível procurar em plena pandemia distinguir a intelectualidade do que é comercial? Estamos a reivindicar apoios e estão preocupados com os rótulos? Unidos teríamos muito mais voz, não tenho dúvidas."

Como é que depois migra para o mundo da noite?
Foi por acaso. A discoteca Indústria abre em 1987 e vou como cliente à festa de inauguração. Umas semana depois volto lá e o som estava horrível. O dono, que era o João Mário Pinho, veio da cabine desesperado a queixar-se que não funcionava nada e disseram-lhe que eu percebia alguma coisa de som, então subi dei um jeito e aquilo começou a funcionar melhor. Depois disso, ele desafia-me a abrir um projeto no Algarve, durante os meses de verão, que não correu nada bem, e mais tarde convida-me para ser gerente da Indústria. Não tinha nada a perder e acabei por aceitar, precisava de dinheiro.

Já era cliente de discotecas?
Sim, mesmo quando estudava ia diariamente ao Griffon’s durante a semana, nem que fosse para beber uma cerveja, era como ir beber um café.

Como era a noite do Porto nessa altura?
Nos anos 80 a noite do Porto era mais elitista, tinha um ambiente mais selecionado, pouco massificado e menos juvenil. Além disso, não existia muita mistura de géneros nas discotecas, isso era bastante evidente. Havia o Griffon’s, o Aniki Bobó e o Meia Cave, mais alternativos, o Swing, um pouco mais comercial, o Twins, para os queques da Foz, o Batô, mais Pop/Rock, e depois a Indústria, dos primeiros sítios a ter música eletrónica e mais música para dançar.

Muito diferente da noite em Lisboa?
A grande diferença reside nas pessoas, que em Lisboa são muito mais show off. Muitos têm um certo deslumbramento pela capital, mas poucos são os que nasceram mesmo lá. Há esse complexo de superioridade, depois vivem mais na rua do que em casa, o movimento de restaurantes e de noite é muito superior ao do Porto, que se resume apenas ao fim de semana.

Voltando à Indústria. Esteve ao leme de uma das discotecas mais emblemáticas da cidade, qual foi a primeira coisa que fez quando lá chegou?
Limpar a casa, que é como quem diz, mudar clientes e empregados, foi essencial para a casa. Continuo a achar que a porta é o local mais importante de uma discoteca, é onde existe a filtragem, e logo a seguir a cabine do DJ, claro. Fico a gerir o espaço sozinho, cheguei a abrir a Indústria em Braga, em Cerveira e, em 1997, em Lisboa.

Sente que consolidou uma marca de sucesso?
De certa forma, acho que sim. Sempre houve muita concorrência na noite, a Indústria sempre foi um sucesso e posso dizer-lhe que havia mesmo uma perseguição por parte de autoridades policiais, com queixas e denúncias falsas. Claro que nunca é agradável lidar com isso, mas as modas são realmente a grande dificuldade. Há casas que de repente desaparecem porque há uma moda que leva as pessoas para outro lado qualquer, a novidade pode matar um negócio. Nos anos 90 começou a acontecer muito isso, numa altura me que começaram a abrir espaços muito grandes na zona industrial, como o Via Rápida, o Act, o Chic, ou o Mau Mau e o Estado Novo, em Matosinhos. Quando um desses armazéns funcionava muito bem, outros tinham que sofrer e a disputa era maior.

Nessa altura, a noite do Porto fica amplamente conhecida por ser violenta e perigosa. Como explica isso?
Sim, quando se começa a massificar o número de casas, aumentou também o número de seguranças e não havia regulamentação nenhuma, eram eles que dominavam as casas, os donos tinham medo deles. Fui o primeiro a formar uma equipa de seguranças, não havia empresas especializadas nisso.

Que indicações lhes dava?
Primeiro, não podiam fazer nada sem a minha ordem, tinha de ser eu a julgar as situações, a violência era usada só em último recurso e nunca à frente das pessoas. Um segurança tem de saber tirar alguém do meio da confusão sem estragar a noite a ninguém, uma discoteca é para uma pessoa se divertir e não para assistir a cenas de violência.

Recorda-se de algum episódio engraçado?
Fomos a primeira casa a abrir na noite de Natal, lembro-me de um rapaz que resolveu ir à Indústria nessa noite e chegou lá montado num cavalo branco e com um cão no braço. Chegou à porta e disse que queria entrar com eles, porque eram os seus melhores amigos. Claro que lhe disse que não era possível, então ele lá amarrou o cavalo e o cão a um poste e entrou. Trazia uma espada que depois ficou guarda no meu escritório. No fim da noite, já estava tudo a sair, e o rapaz viu dois seguranças de outra casa a brincar com o cavalo, então puxou uma pistola de alarme. Ora os seguranças eram pugilistas e desfizeram-no. Quando o apanhei, já tinham chamado uma ambulância, ele estava com o queixo fora do sítio e saía sangue pelos ouvidos, mal conseguia falar, mas disse-me que para tomar conta do cavalo, disse-me onde morava e foi para o hospital. Conclusão, na manhã de Natal, andei com um cavalo na mão e um cão na outra pela rua fora até encontrar o portão do rapaz. Isto é uma de muitas histórias que davam um filme.

Indústria, Lusitano ou Pérola Negra são alguns projetos que fazem parte do seu percurso como empresário

Rui Oliveira/Observador

Ficou com mais amigos ou inimigos?
Toda a gente dizia que era meu amigo porque lhe convinha dizer isso, mas, sinceramente, sempre senti que tinham respeito por mim. Os gangs da cidade sempre tiveram respeito por mim, talvez porque sabiam que eu já andava cá há mais tempo.

Acaba por vender a discoteca em 2009, mas quatro anos antes abre o Café Lusitano na baixa. Em que circunstância isso aconteceu?
Tenho uns amigos que faziam a decoração na Indústria, sempre dei importância à decoração dos espaços e sobretudo à iluminação. Há sítios que até são bonitos, mas depois estão mal iluminados e estragam tudo e há outros que até nem são grande coisa, mas a iluminação é boa e disfarça muito bem. A certa altura, eles desafiaram-me ao dizerem que eu não teria coragem de abrir uma discoteca gay no Porto.

O que havia de gay friendly nessa época na cidade?
O Moinho de Vento, o Boys-R-Us e pouco mais. O que existia eram sítios meios escondidos, muitos pequenos, alguns mesmo numa cave. Então disse-lhe que ia abrir uma coisa gay, mas com dignidade, que não fosse um buraco. Foi assim que surgiu o Lusitano. O espaço estava fechado há anos e era uma antiga loja de moagens, tinha um balcão comprido e algumas máquinas nas traseiras. Estava tudo num péssimo estado, tive que fazer obras.

Porque escolheu instalar-se no centro da cidade?
Achávamos que na baixa seria o ideal porque em qualquer cidade do mundo a zona mais antiga tinha animação noturna, só o Porto é que não tinha. O centro do Porto não tinha nada, quando abri os fornecedores diziam que eu não estava bem, que não ia resultar, que não havia ninguém na baixa, aliás, as marcas de cerveja não queriam fazer grandes contratos comigo.

Acreditou logo que iria funcionar?
Sim, até porque durante um ano fiz uma prospeção de bares gay, percebi que clientes existiam e pensei que se fizesse uma coisa com bom gosto só poderia resultar.

Como viu depois o crescimento das ruas vizinhas?
Achei um exagero. Quando abri aqui não havia um carro na rua, depois era impossível estacionar. A seguir ao Lusitano, abriram rapidamente outras coisas, como a Casa do Livro ou o Plano B.

"Que sentido faz estar a pagar 4000 euros com isto fechado? Não tem lógica nenhuma. Eu quero trabalhar, mas estou impedido legalmente de o fazer. Porque é que o senhorio tem que receber o dinheiro todo? Não acho justo."

Nunca pensou ter vários projetos ao mesmo tempo?
Nunca tive essa ambição, ficariam descaracterizados. Gosto de estar em cima dos meus negócios, tenho que os acompanhar. Gosto das coisas personalizadas com o meu vínculo, não adiro à marca pela marca, prefiro ter menos gente, mas ter controlo do que se passa dentro da minha casa.

É esse o segredo para sobreviver ao longo dos anos, apesar das modas e de todas as novidades que surgiram depois?
O segredo é manter uma certa qualidade, não se pode descuidar. O público vai mudando, as coisas novas vão surgindo, mas o meu lema é sempre tentar fazer melhor que os outros.

O fazer melhor passa por onde?
Passa pela música, pelo atendimento, pela seleção na porta e pela maneira de receber, que é muito importante. É fundamental que as pessoas se sintam seguras dentro do espaço, se tiverem algum problema que saibam a quem recorrer. Antes da pandemia, acho que a baixa estava uma feira popular, principalmente em algumas ruas.

Na sua opinião, isso deve-se a quê?
A um número descontrolado de aberturas de espaços, sem um limite que se calhar deveria existir. Há sítios de qualidade duvidosa que não têm muitas condições, não dignificam muito a cidade, não acrescentam. Depois o tipo de turismo low cost também não ajuda nem embeleza o Porto. Já sabemos que o que mais descaracteriza e destrói qualquer cidade é mesmo o turismo. Claro que toda a gente precisa do turismo, mas já se sabe que todas as cidades sofrem com isso porque se perde muita identidade. Na noite isso também se reflete, passa a ser uma coisa muito mais de despedidas de solteiros. No Lusitano entrava uma percentagem pequena, por noite tínhamos uns 10% de turistas, os que vêm são mesmo gays, não há muitos paraquedistas.

Para Mário Carvalho, o conceito de discoteca, por mais que se reinvente, não irá existir nos próximos anos

Rui Oliveira/Observador

Em 2016 decide ressuscitar o Pérola Negra, porquê?
Sempre achei piada ao espaço, completamente kitsch. Ia lá uma vez ou outra beber um copo e adorava aqueles espelhinhos e o teto baixo, até que um dia perguntei aos donos, que na altura eram uns espanhóis, o valor e pediram-me um a quantia enorme e esqueci o assunto. Passado uns tempos, telefonou-me um advogado a dizer que eles iam largar aquilo porque já tinham algumas dívidas e fiquei a pensar na oportunidade. Fiz uma maluqueira e comprei, mas nunca tive a intenção de ficar lá muito tempo, o meu objetivo era não deixar que aquilo fosse destruído. Pintei logo o teto de vermelho e fiz mais casas de banho, porque só havia para homens, pois o resto eram camarins. Em 2017, tive logo uma proposta para passar o negócio e passei.

Como perspetivava o ano de 2020?
O Lusitano fazia 15 anos, o negócio estava estável, tinha expectativas boas, janeiro e fevereiro tinham sido meses melhores do que 2019. Depois de umas obras de remodelação, ainda celebrámos o aniversário em fevereiro e dia 11 de março fechei as portas.

O que lhe passou pela cabeça nessa altura?
Tive logo a perceção de que não iria ser fácil e que isto ia durar pelo menos um ano. A minha grande preocupação era como iria conseguir aguentar a empresa financeiramente durante um ano, esse foi o meu pânico. Logo na semana a seguir fui ao banco saber qual era a possibilidade de financiamento porque já sabia que não iria aguentar e tinha que resolver aquilo rapidamente. No início de abril, chegaram as linhas de financiamento Covid-19 e recebi uma verba relativamente alta que me está a permitir aguenta esta gente toda.

Foi obrigado a dispensar funcionários?
Não. Tinha 10 pessoas, duas saíram porque arranjaram um trabalho diferente, os outros continuam em layoff. Entretanto, já recebi em dezembro e em janeiro uma quantia do programa Apoiar, que são os 20% relativos à faturação dos três primeiros trimestres de 2019.

Continua a pagar a renda do espaço?
Neste momento tenho a renda em sistema de moratória, até porque tive o azar do senhorio me aumentar a renda para mais do dobro, de 2.700 euros para seis mil. Acho completamente inacreditável, e vou continuar a defender isso através da Associação de Bares da Zona Histórica do Porto, que os senhorios tenham que continuar a receber a renda na totalidade. Se há coisas que impedem a minha atividade, como é o caso, não posso usufruir do espaço, então por que razão tenho de continuar a pagar a renda? Quanto muito devia dividir com o senhorio o prejuízo. O Estado vai apoiar 50% do valor das rendas de janeiro a junho de 2021, mas o ano de 2020 não apoia. Neste momento, tenho esse dinheiro guardado para pagar as rendas todas mais tarde, mas acredito que isso tenha que ser alterado. Que sentido faz estar a pagar 4000 euros com isto fechado? Não tem lógica nenhuma. Eu quero trabalhar, mas estou impedido legalmente de o fazer. Porque é que o senhorio tem que receber o dinheiro todo? Não acho justo.

"Não há nada para inventar, os bares e as discotecas não vão ter quadrados no chão para as pessoas dançarem, não é viável. O sentido de uma discoteca é o contacto e a socialização, o distanciamento é a antítese completa deste negócio."

Em agosto, o Governo anunciou que este tipo de negócios poderiam reabrir como cafés ou pastelarias. Ponderou este cenário?
Isso é um disparate total, uma discoteca nunca será uma pastelaria nem um café, porque a rentabilidade desses negócios não é suficiente para pagar a renda de uma discoteca. O readaptar ou reinventar o negócio que tem uma estrutura como esta é muito complicado. As discotecas são áreas grandes, têm rendas e despesas altas, não dá para tornar isto num cafezinho.

Não ter a expectativa de poder reabrir atividade, como é que lida com isso?
Provoca alguma ansiedade. Construi uma cozinha porque queria transformar isto num restaurante, não cheguei abrir porque entretanto a situação piorou, mas é uma hipótese em cima da mesa. Já tenho conceito, uma ementa variada e a ideia é que as pessoas possam comer qualquer coisa a partir do fim da tarde até à hora que for permitida. Tenho que avaliar, porque quanto menos horas estiver a funcionar, menos rentável irá ser. Metia aqui dentro 300 pessoas ao mesmo tempo e ao abrir como restaurante vou colocar 60 ou 70 pessoas sentadas e afastadas, ora a rentabilidade disto é muito diferente. Claro que podem gastar mais, mas eu também vou investir mais no produto, não terei a mesma margem de lucro e o negócio pode tornar-se mesmo inviável.

Vê esta opção como algo temporário ou permanente?
Penso que se arrancar com este projeto será para continuar, adaptando o restaurante a uma pista de dança.

Uma pista de dança parece-lhe algo bastante longínquo?
O setor da noite foi o primeiro a fechar e muito provavelmente será o último a reabrir, penso que isso vai mudar muito a forma como as pessoas saem à noite e se divertem. Se a pandemia estiver controlada em dois anos, os seus efeitos e consequências ao nível dos nossos comportamentos demorarão muitos mais anos. As discoteca correm o sério risco de não voltarem a ser viáveis nos próximos quatro anos. Sinceramente, não estou a ver o conceito a existir nos próximos anos, por mais que se reinvente.

Isso será provocado pelo medo das pessoas?
A geração mais nova não tem medo e, por isso, vai adaptar-se mais facilmente às circunstâncias, mas as pessoas com mais maturidade vão ter algum receio, já não vão andar aí agarrados na pista aos saltos. Vai haver o estigma de pensar se o vírus está ou não resolvido, se há ou não uma nova variante, se a vacina é ou não eficaz.

Que alternativas podem existir ao negócio da noite?
Não há nada para inventar, os bares e as discotecas não vão ter quadrados no chão para as pessoas dançarem, não é viável. O sentido de uma discoteca é o contacto e a socialização, o distanciamento é a antítese completa deste negócio. Num primeiro momento, penso que a tendência será sempre os espaços ao ar livre, mas as casas mais antigas vão ter dificuldade em manter-se e a cidade vai perder com isso.

Está preparado para que isso aconteça?
Não, vou reinventar qualquer coisa. Tenho algumas ideias, mas estou condicionado pelo facto de saber se as pessoas podem ou não estar próximas. Esse é o meu grande problema. Toda a minha vida fiz coisas para as pessoas estarem juntas, não para estarem afastadas. Desde os meus 16 anos, em que montava concertos, que proporciono momentos para as pessoas estarem próximas, a dançar e a socializar, não sei fazer coisas que provoquem a distância.

O setor uniu-se com esta pandemia?
Não, de todo. Já fui vice presidente e agora sou apenas consultor da Associação de Bares da Zona Histórica do Porto que é bastante interventiva, mas infelizmente não é muito apoiada. As pessoas da noite são muito desunidas.

Porquê?
Há muita rivalidade e uns acham-se superiores aos outros. Há casas que se acham pseudo-culturais e portanto não querem estar no mesmo saco que a casas mais comerciais. Não compreendo como é que num momento de pandemia, em vez de se unirem na primeira associação que interveio, criam outras mais ou menos intelectuais, como é o caso do Circuito. Como é que é possível procurar em plena pandemia distinguir a intelectualidade do que é comercial? Estamos a reivindicar apoios e estão preocupados com os rótulos? Unidos teríamos muito mais voz, não tenho dúvidas. Depois outros foram atrás dos cozinheiros, no movimento A Pão e Água. Acho que deveríamos ter autonomia suficiente para não estarmos ligados aos restaurantes, a noite deveria estar separada desse setor. Parece que estamos a fazer-lhes um favor e a dar mais número na rua. Eles não precisam, já são muitos.

Que opinião tem das festas clandestinas que têm sido públicas ultimamente?
Acho uma falta de tudo. Não me admira nada porque desde o verão que vejo essas festas acontecerem, muitas vezes até de dia. Acho inacreditável como é que a polícia que passa aqui todos os dias não as vê. Não sei explicar como é isto acontece, a polícia do Porto está a fechar os olhos.

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