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Uma mistura de amoras, framboesas e mirtilos, juntamente com camarinha e medronho. É esta a combinação de frutas que levou uma equipa de cientistas portugueses a descobrir uma molécula com efeito anti-inflamatório que pode ajudar a retardar a doença de Parkinson, que afeta entre 18 a 20 mil pessoas em Portugal. Esta é uma história que começou com um estudo para determinar se, através da ingestão de determinadas frutas e legumes, era possível trazer melhorias ao cérebro humano. Depois, os resultados “surpreenderam” os próprios investigadores.
“Tivemos esta surpresa de ver que alguns compostos, em particular esta molécula que agora continuamos a estudar, têm um efeito muito grande para reduzir a inflamação cerebral [característica do Parkinson]”, explica ao Observador a bioquímica Cláudia Nunes dos Santos, que liderou a investigação.
Os ensaios para testar o composto começaram por ser realizados em células imunitárias do cérebro — responsáveis pela resposta inflamatória nessa região — e posteriormente em ratos com inflamação cerebral, mas a expectativa é evoluir para testes clínicos com humanos. Se tudo correr bem, poderá revelar-se essencial para produzir um medicamento capaz de combater a inflação cerebral em doentes com Parkinson. Atualmente, não há nenhum no mercado.
“Se conseguirmos que isto chegue ao mercado, e claro que tudo isto demora muito tempo, vamos estar a dar aos doentes uma molécula que vai melhorar a sua qualidade de vida“, acrescenta a investigadora do laboratório de Nutrição Molecular e Saúde da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. As potencialidades não se esgotam aí e pode mesmo ser útil no tratamento de outras doenças neurodegenerativas.
Uma molécula dez vezes mais eficaz que um anti-inflamatório genérico
Tudo isto foi resultado de um trabalho de quase dez anos que começou com um olhar sobre o efeito de determinados alimentos no nosso cérebro. Numa série de estudos com humanos, os investigadores olharam para os compostos que circulavam no corpo depois da ingestão de misturas de frutas e legumes e que não são mais do que produtos derivados do metabolismo.
Ao testar as moléculas obtidas em células cerebrais descobriram uma — a tal salada de frutas de amoras, framboesas, mirtilos, camarinha e medronho — com grande potencial para reduzir a inflamação em doenças neurodegenerativas. “Quando uma pessoa ingere frutas e legumes, esta molécula pode aparecer. Há pessoas que produzem mais, outras menos. Queremos perceber se conseguimos tirar partido dela numa dose mais terapêutica”, explica Cláudia Nunes dos Santos.
O passo seguinte foi estudar os efeitos em ratos com inflamação cerebral. As conclusões foram, novamente, promissoras: o composto foi dez vezes mais eficaz que um anti-inflamatório genérico. A próxima etapa já está em marcha e passa por assegurar que não há efeitos adversos antes de se avançar para testes com humanos. Nesse caminho, será essencial a bolsa de cerca de 150 mil euros que a equipa recebeu do Conselho Europeu de Investigação.
Mas seria uma dieta à base destes alimentos suficiente? Há dados que apontam que as pessoas que comem mais frutas e legumes conseguem retardar o progresso destas doenças. “Eu diria que sim, que através da nutrição pode haver algum efeito. Só que a pessoa tem de ter um consumo constante”, diz a investigadora. Acrescenta, no entanto, que, existindo a possibilidade de se desenvolver um medicamento que faça chegar uma maior concentração ao cérebro, poderá chegar-se a um efeito muito mais significativo.
Do Parkinson ao Alzheimer, em traumatismos e derrames cerebrais. Que outras aplicações poderá ter a molécula?
O Parkinson é uma das doenças neurodegenerativas mais comuns. Estima-se que existam sete a dez milhões de doentes com Parkinson em todo o mundo, cerca de 18 mil a 20 mil só em Portugal. A doença resulta da redução dos níveis de dopamina, uma substância que funciona como um mensageiro químico cerebral nos centros que comandam os movimentos. Quando os seus níveis se reduzem, dá-se a morte das células cerebrais que a produzem. Consequências: lentidão de movimentos, rigidez muscular, tremores.
A resposta inflamatória surge como um mecanismo de defesa do próprio corpo. Se, em curto tempo, “ajuda a resolver o problema dos neurónios e aumentar a sua viabilidade”, sendo crónica, vai contribuir para a morte destas células. “Se conseguirmos reduzir esta inflamação, vamos conseguir que os outros processos não se agravem, isto é, a morte dos neurónios, e vamos atrasar o processo”, diz Cláudia Nunes dos Santos.
Atualmente, não existe no mercado nenhum medicamento capaz de combater a inflamação cerebral. Há anti-inflamatórios genéricos, mas esses têm efeitos adversos ao nível dos órgãos, nomeadamente no fígado, e não são aconselhados, já que não podem ser usados de forma constante, explica a investigadora.
Um medicamento capaz de atacar a inflamação cerebral não seria útil apenas para o Parkinson, que os investigadores já tinham em mente quando descobriram a molécula. A equipa acredita que esta poderá ter aplicações no tratamento de outras doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, que se estima que afete 130 mil pessoas em Portugal. Também pode vir a ser útil em casos de traumatismos e derrames cerebrais.
Testes em humanos só daqui a três ou quatro anos
Todos os testes realizados até agora apontam para uma ação anti-inflamatória que pode retardar a progressão da doença de Parkinson. No entanto, ainda é cedo para se falar em possíveis ganhos concretos. “O modelo foi feito em inflamações, agora será mesmo em Parkinson. Quando o projeto acabar, já poderei dar a informação”, refere a investigadora da Universidade Nova.
“Posso dizer que a nível de ensaios do comportamento animal, e alguns deles são indicadores para a doença de Parkinson, que se caracteriza por dificuldades motoras, tivemos uma boa pista de que até esse nível os animais estavam a melhorar“, diz. Se for possível obter resultados semelhantes em humanos, isso seria um passo no caminho para atrasar a progressão da doença.
Ainda há muito trabalho a fazer antes de se passar aos testes clínicos, que a equipa espera que possam arrancar dentro de três a quatro anos. Uma espera longa, mas “necessária” para garantir a segurança do produto final: “Estas coisas demoram muito tempo, mas não haverá efeitos adversos.”
Atualmente, não há qualquer tratamento de cura para o Parkinson e os medicamentos disponíveis só atuam nos sintomas da doença. “Se conseguirmos chegar ao ponto de reduzir a progressão e contribuir para melhorias no dia a dia, por exemplo, locomotoras, a qualidade de vida será melhorada”, afiança.