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Morreu Alfredo Rubalcaba, velocista nas pistas e corredor de fundo na política

Foi ministro de González e Zapatero e um trunfo contra a ETA. "Cativante" para uns, "maquiavélico" para outros, sempre gostou da química e das corridas — mas a política sobrepunha-se a tudo.

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Podia ter sido um relevante cientista ou um velocista famoso. Quis o destino que Alfredo Pérez Rubalcaba dedicasse a maior parte da sua vida, contudo, à política. O sonho de chegar à presidência do Governo espanhol ficou pelo caminho; mas sobrou experiência como ministro do Interior a combater a ETA, como porta-voz do Governo a responder às difíceis perguntas dos jornalistas e como líder do PSOE a tentar renovar um partido que atravessava o deserto pós-Zapatero. Alfredo Rubalcaba morreu esta sexta-feira, aos 67 anos, vítima de um AVC. Mas teve uma vida cheia nos corredores da política espanhola.

Nasceu na Cantábria, na vila de Solares, em 1951, filho de um piloto da Iberia — embora, ironicamente, viesse a ter medo de andar de avião na vida adulta. Ainda criança, seguiu com os pais para Madrid, onde se estabeleceram. Embora um dos avôs de Rubalcaba fosse republicano, a família era, no entanto, conservadora. O pequeno Alfredo cresceu num dos bairros mais exclusivos da capital, Salamanca, onde a direita é habitualmente vencedora nas eleições ainda hoje.

Apesar disso, Rubalcaba decidiu juntar-se ao Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) aos 23 anos, em 1974. A morte de Enrique Ruano, jovem estudante que morreu enquanto estava detido pela polícia secreta franquista cinco anos antes, foi o primeiro acontecimento a despertar o jovem para a política. O facto de Ruano ter andado na mesma escola que Rubalcaba frequentava à altura, o colégio católico Nossa Senhora do Pilar, tornou o acontecimento muito mais próximo. “Para mim esse momento foi muito importante [para a entrada na política]”, confessaria o próprio em 2010, à revista do El País. “Depois começas a ler, tornas-te delegado de turma, brincas com o Partido Comunista, com a Organização Revolucionária dos Trabalhadores, lês Bakunin e Kopropkin, flirtas com o anarquismo e acabas no PSOE.”

“Para mim esse momento foi muito importante [para a entrada na política]. Depois começas a ler, tornas-te delegado de turma, brincas com o Partido Comunista, com a Organização Revolucionária dos Trabalhadores, lês Bakunin e Kopropkin, flirtas com o anarquismo e acabas no PSOE.”
Alfredo Rubalcaba sobre a morte de Enrique Ruano, que o despertou para a política

Mas não só de política se fazia a juventude de Rubalcaba. As responsabilidades na Federação Socialista Madrilena eram conciliadas com o curso de Química e com o atletismo. Desportista do Celta de Vigo, Alfredo Rubalcaba era um velocista promissor: em 1975, correu os 100 metros em 10,90 segundos — o recorde mundial nesse ano ficou nos 10,05. Do seu passado de velocista ficou uma referência futura para a política: “Se foi capaz de correr os 100 metros em pouco mais de 10 segundos, será capaz de ganhar as eleições em dez meses”, vaticinou o antigo presidente do Governo espanhol José Luis Zapatero, dias antes de anunciar a antecipação das eleições para quatro meses antes. Não foi o que aconteceu: candidato do PSOE na ressaca da liderança Zapatero, Rubalcaba acabaria por ser derrotado em toda a linha pelo Partido Popular (PP) de Mariano Rajoy.

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A carreira nos ministérios: as detenções da ETA celebradas com charutos e os jogos Real-Barça com Zapatero

Antes disso, contudo, houve uma vida marcada primeiro pela química e depois pela passagem pelos governos socialistas de Felipe González e o próprio Zapatero.

Alfredo Rubalcaba foi ministro de Felipe González (à esquerda) e passou a contar com o apoio do histórico até ao fim da vida (CRISTINA QUICLER/AFP/Getty Images)

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Rubalcaba chegou ao poder pela mão do histórico González, com quem manteve uma ligação até ao fim da vida — “tens o meu apoio hoje, amanhã, no mês que vem, porque és o melhor que temos”, dir-lhe-ia o antigo primeiro-ministro anos depois de abandonarem o Executivo. Teve em mãos a pasta da Educação e Ciência entre 1992 e 1993, mas rapidamente seria transferido para o ministério da presidência e para o papel de porta-voz do Governo. “Sou, possivelmente, o político que fez mais conferências de imprensa ao longo da sua vida”, desabafaria com o jornalista do El País Semanal, anos depois. Em 2014, na sua última conferência enquanto líder do PSOE, comentaria com humor, ao ouvir um telemóvel tocar, que “não há conferência de imprensa sem um telefone, nem sequer a última”.

O regresso do PSOE ao poder em 2004, pela mão de Zapatero, voltaria a trazer Rubalcaba para a ribalta política. Porta-voz do partido no Congresso durante parte do primeiro mandato, veria a sua boa prestação recompensada com a pasta ministerial do Interior em 2006. Fanático do Real Madrid, chegou a ver jogos de alta intensidade dos merengues com o Barcelona no Palácio da Moncloa, a convite de Zapatero, adepto ferrenho do clube catalão.

Material de campanha de Rubalcaba nas eleições de 2011, perto do estádio do Real Madrid, clube pelo qual torcia apaixonadamente (DOMINIQUE FAGET/AFP/Getty Images)

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O período à frente do ministério do Interior acabaria por ser o ponto alto da sua carreira política, pelo papel que teve no início do fim da ETA, o grupo terrorista basco. Sob o pulso de Rubalcaba, vários membros da ETA seriam presos, incluindo importantes líderes como Txeroki e Ata. As detenções dos dois, contaria o El País, foram celebradas cada uma fumando um charuto de 300 euros. Rubalcaba tinha consciência da importância que o tema assumiria no seu legado. Em San Sebastián, no primeiro ato do PSOE depois da ETA ter anunciado o fim da luta armada, o político comoveu-se. “Este é um dos momentos mais emocionantes da minha vida”, confessou.

Um tático como Onésimo ou um estratega como Mao? Talvez fosse mais Rasputine

A velocidade nas pistas de atletismo tinha ficado para trás, mas a sua vertigem permaneceu ao longo da carreira política de Rubalcaba, segundo os mais próximos. Os 100 metros implicavam sobretudo tática e planeamento a curto-prazo — e a obsessão de Rubalcaba com as notícias e com o imediato, na política, levou a que o próprio Felipe González lhe chamasse Onésimo, à semelhança do jogador de futebol famoso pelo seu drible. O próprio, contudo, não concorda: “Sou mais como o Mao Tse-Tung com a Longa Marcha. Sou o mais estratega de todos”, terá dito ao próprio González, que partilhou a inconfidência com a Vanity Fair espanhola.

"Aqueles que o conhecem até no PP dizem que é um político-pessoa, que por detrás do político há um tipo cativante, mas há muitos que não se aproximam dele porque têm medo."
Estebán González Pons, porta-voz do PP em 2011

Rubalcaba era um homem “muito humano”, de acordo com os amigos. O eleitorado também gostava dele: foram precisamente os seus altos índices de popularidade que levaram Zapatero a nomeá-lo vice-presidente do Governo em 2010, como recorda o ABC. Mas nem todos tinham palavras tão simpáticas para o socialista quando ainda estava no poder. “Aqueles que o conhecem até no PP dizem que é um político-pessoa, que por detrás do político há um tipo cativante, mas há muitos que não se aproximam dele porque têm medo”, confessaria à Vanity Fair Esteban González Pons, porta-voz dos populares, em 2011. “Conspirador? O Alfredo inventou a conspiração”, disse à mesma revista um ex-ministro que preferiu não ser identificado, acrescentando que os participantes nos Idos de Março eram “amadores” ao pé do antigo ministro do Interior.

O jornalista José García Abad apelidou-o mesmo de “Rasputin de Solares”, no seu livro El hundimiento socialista (sem edição em portugês, o título pode ser traduzido como “O naufrágio socialista”), publicado em 2012. Esse lado maquiavélico que alguns identificam — ou de estratega, no entendimento do próprio — tornou-se visível aquando da sua nomeação como candidato à presidência do Governo, já que Zapatero não poderia recandidatar-se. Com o apoio dos barões do partido e usando como trunfo a sua popularidade, Rubalcaba conseguiu afastar a possibilidade de se realizarem primárias, bem como a sombra da adversária interna e ministra da Defesa, Carme Chacón. “Ou Chacón se retira ou não contem comigo”, terá dito o político, de acordo com o El Confidencial. Chacón retirou-se da corrida.

Nos bastidores comenta-se que Rubalcaba foi implacável a afastar a adversária interna Carme Chacón (à direita) (CRISTINA QUICLER/AFP/Getty Images)

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A tarefa de liderar um PSOE machucado por vários anos de governação, contudo, estava longe de ser fácil. E o facto de Rubalcaba ser um rosto conhecido dos espanhóis, com muitos anos de Congresso e Governo, tornava difícil emprestar um ar de renovação à sua campanha. Foi nessa altura, recorda o diário andaluz Ideal, que Rubalcaba inaugurou as reuniões de fim-de-semana com as federações do partido, por todo o país, e passou a pedir aos militantes que o tratassem por “Alfredo”, e não pelo apelido. “O presidente do Governo, os ministros e os integrantes da comissão executiva falam dele como Alfredo ou o candidato Alfredo, mas a verdade é que para o resto do partido continua a ser Rubalcaba e até Rubal para alguns”, resumia o Ideal.

Os esforços de renovação, contudo, caíram em saco roto. A herança Zapatero pesava e, nas eleições de 2011, o PP liderado por Mariano Rajoy conseguiu uma maioria absoluta, enquanto a Rubalcaba coube o pior resultado da História do PSOE em democracia, à altura (Pedro Sánchez faria pior nas eleições de 2015 e 2016). Apesar disso, o socialista não se demitiu da liderança do PSOE. Corredor de fundo na política, sabia que a probabilidade de vencer aquelas eleições era baixa e apontava para o futuro. Aguentou novo embate pouco depois, com a adversária Carme Chacón a sair da sombra e a desafiá-lo no Congresso do partido em 2012 — venceu por 22 votos e agarrou a liderança do PSOE.

Rubalcaba retomou então o seu lugar no Congresso dos Deputados e assumiu a posição de líder da oposição. Quaisquer esperanças de chegar a presidente do Governo, contudo, ficaram irremediavelmente destruídas no dia 26 de maio de 2014. Nas eleições europeias — as primeiras desde o surgimento do movimento dos Indignados, em plena crise económica — o PSOE não conseguiu bater o PP que estava no poder e sofreu ainda um revés à sua esquerda, com o surgimento em força do Podemos. Rasputine ou não, Rubalcaba entendeu que o seu tempo tinha chegado ao fim: “A responsabilidade deste muito mau resultado eleitoral é minha, minha e minha e por isso assumo a minha responsabilidade”, disse, antes de convocar um congresso extraordinário para escolher um novo líder para os socialistas. Uma saída “com dignidade”, como o próprio tinha dito em tempos que gostaria de ter.

Longe da Moncloa e do Congresso, mas nunca desligado da política

Menos de um mês depois, Rubalcaba consolidava o seu afastamento definitivo da política, ao anunciar a sua saída do Congresso dos Deputados. “Ficará na História como um grande parlamentar”, decretou o presidente da câmara, o popular Jesús Posada. O antigo líder do PSOE ouviu comovido a ovação de um minuto, que contou com aplausos de socialistas e membros do PP.

Nos governos de José Luis Zapatero (à esquerda) teve um papel fulcral como ministro do Interior, sobretudo no combate à ETA (JAVIER SORIANO/AFP/Getty Images)

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Aos 62 anos, Rubalcaba decidiu regressar a uma das suas primeiras paixões: não à velocidade, porque as pernas provavelmente não chegariam para tanto, mas à química. Voltou à Universidade Complutense para dar aulas como professor de Química Orgânica, mas a política continuou a infiltrar-se regularmente na sua vida. Basta recordar que, mesmo na Universidade, contava com apertadas regras de segurança como o facto de ser acompanhado por guarda-costas, como contou o La Razón. O motivo? A luta que assumiu contra a ETA fez dele um possível alvo até ao fim da sua vida.

Mas não só de coisas más se fez essa herança. “Como posso deixar a política? Sou militante do PSOE e isso não se deixa nunca”, confessou o próprio nesse mesmo artigo. Em dezembro, rejeitaria o convite de Sánchez para regressar à política ativa, como candidato do PSOE à câmara de Madrid. Mas o seu desejo de intervir publicamente não ficou totalmente adormecido: ainda em janeiro passado, Rubalcaba comentou a política nacional em público, lamentando a situação na Catalunha na apresentação de um livro sobre esse tema.

“Como posso deixar a política? Sou militante do PSOE e isso não se deixa nunca.”
Alfredo Rubalcaba sobre a sua saída da política ativa

À altura, distribuiu críticas por todos os quadrantes políticos: “O PSOE pode dormir muito tranquilo a achar que a culpa foi toda de Rajoy, mas engana-se. Da mesma maneira, enganam-se o PP e o Ciudadanos.” Talvez por estar então liberto da lealdade incondicional ao partido que serviu por tantos anos, Rubalcaba tenha ousado criticá-lo. Ou então talvez tenha sido apenas uma alfinetada do “Rasputine de Solares” a Pedro Sánchez, por quem nunca morreu de amores, depois de este ter ousado começar a preparar-se para lhe suceder como líder do PSOE, quando Rubalcaba ainda nem tinha aquecido o lugar. Não seria a primeira vez: foi precisamente Rubalcaba quem cunhou o termo “Governo Frankenstein” para se referir à possível aliança de Sánchez com os separatistas catalães e bascos para derrotar Rajoy, ainda em 2016.

“Sánchez é capaz de cantar a Internacional e depois aplicar medidas de austeridade”

Nos últimos tempos da sua vida, o socialista estava focado na Química e bem longe do Congresso dos Deputados — e até da Moncloa, que, ao contrário do que desejava, nunca conseguiu alcançar. Mas de uma coisa não há dúvidas: Alfredo Rubalcaba continuava a ter dentro de si um político. E foi assim até ao final.

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