Augusto Santos Silva queria um encontro de 15 minutos, Marcelo Rebelo de Sousa abdicou da sandes de queijo e o sumo de ananás com que habitualmente despacha o almoço e pediu-lhe uma hora e meia à mesa. Numa semana marcada pelo choque frontal entre André Ventura e o Presidente da Assembleia da República, jura-se a pés juntos que o elefante na sala — o líder do Chega, naturalmente — ficou fora da ementa. Os comensais ter-se-ão limitado a trocar impressões sobre “questões gerais”.

“Os encontros com Augusto Santos Silva são sempre muito interessantes e permitem um horizonte mais vasto porque ele tem uma perspetiva internacional”, comenta com o Observador fonte de Belém. Este almoço, anunciado de supetão durante a manhã, não terá sido diferente, com as duas figuras do topo da hierarquia do Estado a aproveitarem o momento para avaliarem o quadro complexo que se coloca no horizonte.

Cá fora, em declarações aos jornalistas já depois do almoço, Augusto Santos Silva garantiu que foi a Belém apenas para convidar o Presidente da República para a “sessão solene que vai comemorar o segundo centenário da aprovação da primeira Constituição Portuguesa”. O pedido de encontro, assegurou o socialista, aconteceu “na semana passada” e, de acordo com Santos Silva, não devia ter uma duração superior a “15 minutos”.

Acontece que foi o próprio Marcelo Rebelo de Sousa que quis transformar a visita de médico num almoço que acabou a prolongar-se por mais de uma hora e meia. Ainda que as partes envolvidas o neguem, o almoço foi interpretado como um sinal político evidente: depois do bate-boca entre Santos Silva e André Ventura, e depois de o Presidente da República ter concordado em receber o líder do Chega em audiência já esta sexta-feira, era importante não deixar o Presidente da República sem o respaldo de Belém.

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Um simples encontro de “rotina”

Vai daí, Marcelo decidiu abrir uma “exceção” nos seus hábitos alimentares — prefere almoçar num banco de jardim, ao sol — para conversar demoradamente com Santos Silva. De resto, o almoço foi comunicado aos jornalistas cerca de duas horas antes de acontecer.

Até meio da manhã, o compromisso não fazia parte da agenda de nenhum dos dois, mas pontualmente à hora marcada Santos Silva já estava a passar o portão do Palácio de Belém. Lá dentro já tinha o Presidente da República à espera.

A versão oficial é a de que o Chega não foi tema. “Tratou-se de um encontro de rotina entre Presidentes como os que já aconteciam com Eduardo Ferro Rodrigues e os que acontecem regularmente com o primeiro-ministro”, nota-se Belém.

O que pensa de facto Marcelo sobre o conflito entre Santos Silva e Ventura fica entre paredes presidenciais. “O Presidente da República não tem que achar nada sobre esse assunto. Isso seria fazer comentário político”, conclui a mesma fonte. Isso e o prato que foi servido às duas figuras do topo da hierarquia do estado.

A única declaração pública foi feita pelo Presidente da Assembleia da República aos jornalistas numa curta declaração na Sala das Bicas: “Fiz o convite ao Senhor Presidente que teve a amabilidade de o aceitar de imediato e foi nisso consistiu esta diligência”.

Apesar da insistência dos jornalistas, Augusto Santos Silva optou por não revelar o que se passou nos 75 minutos adicionais que teve o encontro com Marcelo. O Presidente da República não quis falar à comunicação social ali presente.

Marcada está já a audiência com André Ventura que vai acontecer na sexta-feira. De acordo com o Chega tem como objetivo chamar a atenção do Presidente para “mais um episódio lamentável por parte de Augusto Santos Silva relativamente ao Chega” onde o presidente do Parlamento revela “falta de isenção e independência”.

Também esta quarta-feira, antes do encontro de Marcelo e Santos Silva, a Comissão de Assuntos Constitucionais empurrou para setembro o parecer sobre a moção de censura que o Chega ameaçou apresentar contra o Presidente da Assembleia da República. Santos Silva defende que este projeto do partido liderado por André Ventura abre um precedente que permite a cada deputado censurar o comportamento de outro.