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Pouco era mais do que uma desconhecida quando em 2011 integrou o Governo de Pedro Passos Coelho que tinha a tarefa espinhosa de implementar um programa de ajustamento ao abrigo de uma ajuda financeira a que o país teve de recorrer junto do BCE, Comissão Europeia e FMI ao ficar sem dinheiro.
Maria Luís Albuquerque juntou-se a Vítor Gaspar na sua equipa no Ministério das Finanças. Tinha passado pela Refer e pelo IGCP e de envolvimento político não havia referências. Ficou logo com as pastas da dívida pública e das privatizações. É a sua assinatura que consta da venda, por exemplo, da ANA. Mas foi a banca que lhe terá dado mais dores de cabeça. É também sua a assinatura do diploma que teve de ser aprovado para que o Banco Espírito Santo fosse alvo de uma medida de resolução, em agosto de 2014. Já Portugal tinha assumido a chamada saída limpa do programa da troika.
O BES nem foi, no entanto, a polémica que mais se cola a Maria Luís Albuquerque, o nome que o Governo português propõe, agora, para comissária europeia nacional em Bruxelas.
Passou por dossiês como os contratos de swaps de empresas públicas — que, enquanto governante, determinou o seu fim, o que envolveu uma disputa judicial com o Santander –, ou com a venda considerada a baixo preço do BPN. Nos últimos dias de governação, ainda teve de lidar com o Banif, que acabaria também com uma medida de resolução nos primeiros dias de Governo Costa. As polémicas sucederam-se no Governo e fora dele, depois de assumir um cargo numa gestora de fundos que comprou malparado português. Ainda teve envolvimento parlamentar, como deputada, e apesar do seu lugar no PSD pouco tem sido as intervenções públicas da ex-ministra.
Swaps. Os contratos “mesmo muito maus” que quase afundaram a então ministra
Foi graças a um conceito financeiro inglês que poucos sabiam descodificar que Maria Luís Albuquerque chegou à ribalta da política. A então secretária de Estado fechou um acordo com bancos internacionais para antecipar os contratos de swaps feitos com empresas públicas, sobretudo de transportes, que estavam a gerar perdas avultadas. Os produtos financeiros contratados pelos gestores públicos durante o Governo de José Sócrates foram denunciados como tóxicos e os partidos no poder tentaram capitalizar o caso num ataque aos socialistas, com uma comissão de inquérito ao tema. Mas a iniciativa acabou por rebentar nas mãos do próprio Governo e, em particular, nas de Maria Luís Albuquerque que, ao ser promovida a ministra, se tornou um “alvo a abater” no verão de 2013.
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Depois de ter dito que os anteriores responsáveis pela pasta das Finanças não tinham alertado para este problema, Maria Luís foi desmentida duas vezes. Por Teixeira dos Santos, ex-ministro socialista que garantiu ter passado o tema ao sucessor, Vítor Gaspar. E pelo ex-secretário de Estado Costa Pina que até revelou que a então secretária de Estado tinha-se mostrado preocupada com o Metro do Porto. “Eu continuo a dizer que não minto e que aquilo que disse continua a ser verdade”, respondeu quando foi acusada de faltar à verdade.
Esta comissão de inquérito marcou a estreia de Mariana Mortágua pelo Bloco de Esquerda e teve intervenções dos então deputados socialistas (e futuros ministros), João Galamba e Ana Catarina Mendes que até assinalou: “É um facto inédito um membro do Governo vir três vezes consecutivas a uma comissão de inquérito”, por declarações “imprecisas, erráticas, contraditórias….”.
Ao longo dos trabalhos ficou ainda demonstrado que a ministra tinha assumido responsabilidades na área financeira da Refer, e mais tarde do IGCP (Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público) quando alguns destes swaps foram contratados. Maria Luís Albuquerque tremeu, mas não caiu, mas teve de sacrificar o seu secretário de Estado, Joaquim Paes Jorge, depois de terem saído notícias de que tentou vender swaps à República quando trabalhava na banca de investimento.
O acordo feito para eliminar os swaps envolveu pagamentos antecipados a grandes bancos internacionais que ajudaram Portugal a regressar aos mercados da dívida. Só ficou o banco que tinha mais contratos “lesivos”, o Santander, que abriu uma guerra jurídica contra o Estado português em Londres. E a provável vitória do banco levou o Governo sucessor a chegar a um acordo que implicou pagar os juros vencidos desde 2013 de mais de 500 milhões de euros. Maria Luís Albuquerque tinha dado ordem às empresas públicas para deixarem de pagar os juros porque “estes contratos eram mesmo muito maus”, como explicou numa entrevista já depois de ter abandonado o cargo.
Austeridade ficou colada a Governo de Passos Coelho que promoveu Maria Luís a ministra das Finanças mesmo contra Paulo Portas
Quando assumiu funções no Governo do “aluno” Pedro Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque tinha a secretaria de Estado do Tesouro e Finanças, o mesmo é dizer que tutelas as empresas públicas e a gestão da dívida pública – que como o país teve de recorrer a ajuda da troika teve um período sem ir ao mercado. Vítor Gaspar assumiu, nesse Governo de Passos – eleito depois da demissão de José Sócrates e depois do país ter chamado a troika –, a pasta das Finanças. Maria Luís era uma das suas secretárias de Estado – estavam também como secretários de estado, Paulo Núncio (assuntos fiscais e atual deputado do CDS), Luís Morais Sarmento (orçamento e que foi recentemente escolhido para administrador do Banco de Portugal), Hélder Rosalino (administração pública e que está a acabar o mandato no Banco de Portugal).
Por isso acaba ligada ao período de austeridade que aconteceu por imposição do programa de ajustamento que obrigou a cortes salariais, cortes nas pensões, aumento de impostos. Na mesma mesa em que Vítor Gaspar anunciou “um enorme aumento de impostos” para 2013 estava Maria Luís Albuquerque que nesse período ficou com a tarefa de privatizar um conjunto de empresas. A austeridade e os anos da troika colaram-se a Maria Luís Albuquerque que acabou a ascender a principal responsável pela pasta das Finanças quando Vítor Gaspar bateu com a porta alegando falta de coesão no Governo. Mesmo com a oposição de Paulo Portas, que ainda teve uma demissão irrevogável (da qual recuou), Maria Luís assumiu mesmo as Finanças em julho de 2013 chegando à pasta na altura da decisão da saída limpa, possível porque Portugal conseguiu colocar dívida junto de investidores privados internacionais.
A “frustração de expectativas” pouco antes da resolução do BES
“Quem enganou as pessoas foram os acionistas do banco, que fizeram o que fizeram”. Sem subir em demasia o tom de voz, foi nesta parte da audição parlamentar que Maria Luís Albuquerque mais deixou vir ao de cima a exasperação em relação ao tema do BES. Momentos antes, uma deputada do PS, Jamila Madeira, tinha acusado o governo PSD/CDS de ter dado, publicamente, garantias de tranquilidade relativamente ao banco.
Quando Maria Luís mostrou confiança de que o BES estava protegido dos problemas do Grupo Espírito Santo, fê-lo, disse, porque outros lhe tinham transmitido essa informação – estaria a referir-se ao governador Carlos Costa. “Face à informação que eu tinha, à informação que me era prestada e que eu pedi que me fosse prestada, havia todas as razões para acreditar que o Banco Espírito Santo estava suficientemente protegido para não ter um problema de viabilidade mesmo que os riscos se materializassem”, afirmou, acrescentando que seria “completamente contraproducente” um ministro manifestar preocupação com a solidez de um banco tão importante.
Um ano depois de assumir a liderança do Ministério das Finanças, o colapso do BES rebentou-lhe nas mãos. Sete anos depois, quando foi ouvida no Parlamento, Maria Luís Albuquerque recusou ter varrido para debaixo do tapete os problemas do BES para não perturbar a chamada “saída limpa” do programa da troika (isto é, evitando-se um segundo resgate como na Grécia e mesmo um eventual “programa cautelar”).
Da mesma forma que outros bancos, como o BCP, o BPI e a própria Caixa foram ajudados pelo Estado, recebendo empréstimos (ressarcidos com juros elevados), o BES também poderia ter recebido ajuda. Mas Ricardo Salgado não quis. “A explicação que corria era que o BES estava traumatizado com os processos de nacionalização que se seguiram ao 25 de Abril, que para a família seria um acontecimento muito traumático e que, portanto, havia ali uma questão de princípio de que não queriam recorrer ao apoio público”, lembrou a ex-ministra das Finanças.
“Mais tarde”, assinalou depois Maria Luís Albuquerque, “percebeu-se melhor o porquê”: Salgado recearia que o maior escrutínio dos supervisores, associado a essa ajuda pública, poderia revelar a fragilidade da instituição financeira. Do ponto de vista do Governo, o facto de o BES ter conseguido fazer dois aumentos de capital no mercado aberto ia dando algum conforto, indicou Maria Luís Albuquerque. O banco não tinha de cair, mas acabou por cair porque Salgado usou o banco para tentar salvar o grupo, disse Maria Luís. “O que levou a isto foi um montante de [perdas de] 1.500 milhões que ninguém conhecia até meados de julho e que resultaram de uma desobediência expressa às instruções do Banco de Portugal”, sublinhou a ex-ministra das Finanças. O Governo de Passos Coelho recusou pôr a Caixa a ajudar as empresas não financeiras do grupo de Salgado.
Passos Coelho diz que Ricardo Salgado estava “desesperado” quando lhe pediu ajuda
Salgado acabou por sair, e Maria Luís disse na comissão parlamentar de inquérito que o grande problema foi não se ter afastado o banqueiro muito tempo antes. Sucedeu-lhe Vítor Bento, que mal chegou, a 14 de julho de 2014, se viu confrontado com uma realidade cuja gravidade até para si foi surpresa – nas contas semestrais (que não quis assinar) inscreveram-se 4,3 mil milhões de euros em imparidades, o que resultou em quase 3,6 mil milhões de euros em prejuízo só naquele primeiro semestre. Esses prejuízos deixaram o BES entre a espada e a parede, com poucos dias para se recapitalizar – e a linha de recapitalização pública (a parte dos 12 mil milhões de euros que não tinham sido usados pelos outros bancos) poderia ser uma hipótese. Para isso, Carlos Costa pediu aos gestores do banco que fossem “falar diretamente com a senhora ministra das Finanças”, para saber qual seria a recetividade do Governo para que essa ajuda pública fosse prestada. A “senhora ministra das Finanças” era Maria Luís Albuquerque, que terá dito a Vítor Bento e aos demais que a recetividade do Governo para tal coisa era “nula”.
Foi uma “frustração de expectativas”, confessou mais tarde Vítor Bento, que pouco depois bateria com a porta no BES. Bento revelou que lhe tinha sido dito de que seria possível o acesso à tal linha pública de recapitalização, com vista a montar um plano de reestruturação ao longo de vários anos – um plano que Bento ainda hoje considera que teria sido viável e teria poupado muito dinheiro aos contribuintes portugueses. Maria Luís Albuquerque contou uma história diferente, na mesma comissão de inquérito. “A linha de capitalização pública estava disponível”, havia mais de seis mil milhões de euros disponíveis – mas “nenhum pedido foi apresentado“, afirmou a ex-ministra, reconhecendo que apenas disse a Vítor Bento que uma recapitalização nos moldes em que tinha sido feita nos outros bancos já não seria possível porque a legislação europeia, entretanto, já tinha mudado no sentido de tornar mais complexas as injeções estatais em bancos. Aquilo que Bento tinha imaginado “era uma ideia romântica”, disse Maria Luís Albuquerque no parlamento.
Quis o destino que a resolução do BES fosse anunciada em agosto, com Maria Luís Albuquerque ministra das Finanças e com Paulo Portas a líder do Governo em funções. Passos Coelho estava de férias, segundo o Expresso.
A criação do Novo Banco, que não traria “qualquer risco” para os contribuintes
Antes de António Costa ter garantido que a venda do Novo Banco (ao fundo Lone Star, em 2017) não teria “impacto direto ou indireto nas contas públicas, nem novos encargos para os contribuintes“, já Maria Luís Albuquerque tinha sido criticada por afiançar, na altura da resolução de 2014, que essa era uma opção que não acarretava “qualquer risco” para o erário público – contrastando, por exemplo, com uma nacionalização onde o Estado assumia a responsabilidade por tudo o que dali viesse.
Mais tarde, também numa comissão parlamentar de inquérito, Maria Luís acabou por admitir que o Estado, pelo facto de ser dono do maior banco português (a Caixa Geral de Depósitos), poderia acabar por ter uma perda caso o Novo Banco fosse vendido por menos do que lá foi injetado pelo Fundo de Resolução (um organismo que, embora seja alimentado com contribuições dos bancos, é público e entra no Orçamento do Estado). “É o preço de ter um banco público”, respondeu Maria Luís Albuquerque, questionada por Mariana Mortágua.
A ideia é que os bancos, ao longo das próximas décadas, reembolsem o Fundo de Resolução daquilo que este organismo colocou no Novo Banco (e no Banif). Inicialmente, os bancos tinham um prazo de poucos anos para “tapar” o buraco do Fundo de Resolução, mas já no tempo do governo PS acabaria por ser negociada uma extensão desse prazo para 30 anos. Isso levou Maria Luís Albuquerque, que após a saída do governo se manteve quase sempre em silêncio, a dizer que – agora, sim – a operação ia ter custos para os contribuintes. Isto porque, alegava, a taxa de juro negociada com os bancos nessa extensão é inferior àquilo que o Estado pagaria para se financiar no mesmo prazo (30 anos) – ou seja, há uma perda de valor para o contribuinte.
Porém, o impacto orçamental da medida de resolução existiu e prolongou-se ao longo de vários anos, incluindo depois da venda, porque o Fundo de Resolução é um organismo do Estado, que trabalha na dependência do Banco de Portugal. Maria Luís, porém, recusa a ideia de que o seu Governo não tomou a melhor opção – a resolução era a opção “superior”, o plano de Vítor Bento era uma ideia “romântica” e a nacionalização “teria multiplicado os custos não sei quantas vezes”, garantiu Maria Luís Albuquerque.
O Novo Banco só seria vendido em 2017, ao fundo de private equity Lone Star, pelo governo de Costa. Antes, porém, Maria Luís Albuquerque acabou por ficar colada ao fracasso do processo de venda no verão de 2015. O Banco de Portugal chegou a dizer que havia sete interessados em comprar o banco, mas “lamentavelmente”, disse Maria Luís, “ocorreram factos fora de Portugal – receios com a Grécia, problemas nos mercados asiáticos” que inviabilizaram o negócio.
Encaixe recorde nas privatizações. Preço “nunca é o primeiro e principal objetivo”
Para a história do período da troika ficou o mais ambicioso programa de vendas de empresas do Estado realizado num prazo recorde e onde claramente se foi além da troika. Só a RTP e a Caixa ficaram de fora, por oposição do parceiro do PSD, o CDS. Ainda enquanto secretária do Tesouro, Maria Luís Albuquerque tornou-se no rosto das Finanças para as privatizações — com a exceção da EDP e REN que foram acompanhadas por Vítor Gaspar. Foi em dupla com Sérgio Monteiro, então secretário de Estado das Obras Públicas (e de quem continua próxima, trabalhando como gestora operacional de ativos que estão no fundo Horizon), que Maria Luís protagonizou a maior operação deste período: a venda da ANA por 3.080 milhões de euros à Vinci, uma operação fechada em cima do Natal que permitiu logo em 2012 ultrapassar a meta prevista para todo o programa de alienações de cinco mil milhões de euros.
As privatizações renderam até 2015 mais de nove mil milhões de euros, mas o que foi visto como um sucesso à direita e que permitiu cumprir um duplo objetivo — ideológico, porque retirou o Estado de vários setores económicos, e financeiro, porque permitiu abater a dívida pública –, foi duramente atacado à esquerda e, em alguns casos, parcialmente revertido pelos socialistas (TAP e concessões de transportes).
Já este ano, uma auditoria do Tribunal de Contas à privatização da ANA, cujo encaixe líquido para o Estado foi afinal um terço do anunciado, foi o mote para um pedido de comissão de inquérito do PCP, chumbado, seguido de pedido para várias audições, entre as quais as da ex-ministra das Finança. Segundo esta auditoria, a operação não salvaguardou o interesse nacional. Exatamente o contrário do que garantiu a então secretária de Estado do Tesouro em 2012 numa entrevista à TVI: “Temos o cuidado de nunca colocar o preço como primeiro e principal objetivo. (…) Em todos os casos há que salvaguardar o interesse nacional acima do encaixe financeiro”.
BPN vendido à pressa aos angolanos por 40 milhões. “Foi o negócio possível”
Mesmo antes da situação do BES e da criação do Novo Banco, já Maria Luís, enquanto secretária de Estado, tinha lidado com um problema no setor financeiro. O BPN, já então saneado dos problemas mais graves, era uma dor de cabeça para a Caixa que o continuava a gerir e acumulava perdas e polémicas desde a sua nacionalização em 2008. A troika deu um mês ao Governo de Passos Coelho para vender ou fechar o Banco Português de Negócios. Para conseguir fazer o negócio com o banco de capitais angolanos BIC, então liderado por Mira Amaral, o Estado teve de assumir uma parte das perdas futuras do BPN com processos judiciais. Do lado do Estado ficaram as sociedades que herdaram os ativos tóxicos do BPN e que continuaram a ter prejuízos milionários (ainda hoje penalizam as contas públicas) e que Maria Luís Albuquerque foi acusada de tentar esconder.
A operação de venda suscitou uma segunda comissão de inquérito relacionada com o BPN na qual a então secretária de Estado do Tesouro era a principal visada. Foi a primeira de muitas comissões de inquérito às quais Maria Luís Albuquerque viria se chamada, sobretudo por causa de decisões e processos relacionados com a sua passagem pela pasta das Finanças.
Apesar dos ataques à esquerda e das acusações de favorecimento ao comprador angolano, Maria Luís Albuquerque não foi especialmente penalizada pelo processo. “Se o Governo pudesse vender o BPN por 100 milhões não o vendia por 40 milhões. Foi o negócio possível”, justificou. O custo da nacionalização do banco foi estimado em mais de 6.000 milhões de euros.
Saída “limpa” tem o selo de Maria Luís
Depois da sua escolha para ministra das Finanças, após a saída de Vítor Gaspar e que motivou uma demissões irrevogável (por alguns dias) de Paulo Portas (que não concordava com a escolha), em maio de 2014 Pedro Passos Coelho, então primeiro-ministro, anunciava ao país a saída do programa de assistência financeira de forma “limpa”. No anúncio estava ladeado de Paulo Portas, vice do seu Governo de coligação, e Maria Luís Albuquerque, titular da pasta das Finanças. “Todos os portugueses sofreram os efeitos dolorosos. Foram tempos muito difíceis”, declarou, então, um Passos Coelho que ficou colado às medidas de austeridade aplicadas para corrigir as finanças públicas e as reformas impostas e prometidas à troika. “Estamos no caminho certo e o país está a recuperar com bases mais sólidas e sustentáveis do que tínhamos no passado”, declarava Passos Coelho para anunciar: “Hoje em Conselho de Ministros o governo decidiu que saíremos do programa de assistência sem recorrer a qualquer programa cautelar. Depois de uma profunda ponderação de todos os prós e contras, decidimos que é a escolha certa na altura certa. A escolha que defende mais eficazmente as escolhas de Portugal e dos portugueses”.
O programa de assistência terminou a 17 de maio de 2014.
Maria Luís Albuquerque ocupava o edifício do Terreiro do Paço, e, apesar desta libertação, estaria para breve uma decisão que mudaria a vida do país – chegaria, em agosto, a resolução do Banco Espírito Santo. A ex-ministra das Finanças recusou, sempre, depois de sair do Governo, que a decisão de Portugal optar pela chamada “saída limpa” tivesse levado ao adiamento de uma intervenção no BES.
“A questão do BES nunca se colocou como condicionando, ou manchando a saída limpa. Não era possível a ninguém ter essa perceção” na data, assegurou numa comissão de inquérito às perdas do Novo Banco realizada em 2021. Já antes, em 2016, logo a seguir a ter saído do Governo tinha declarado ao Negócios: “A ideia de que havia alguma informação e que o Governo ocultou parte, do meu ponto de vista, nalguns casos de uma profunda ignorância, noutros casos de uma coisa pior que é má fé. Não faz sentido”, e acrescentou: “A saída aconteceu no final do prazo do programa, com a razão que levou à existência do programa ultrapassada, ou seja, o país conseguiu voltar a emitir dívida no mercado e a financiar-se do mercado”.
O acompanhamento continuou com visitas regulares da troika, mas o Governo de Passos Coelho (o segundo) não passaria no Parlamento e pouco mais de um mês depois das eleições de 2015 caiu. António Costa chegava ao poder, com a primeira tarefa a determinar a resolução do Banif. Já Maria Luís ficaria no Parlamento e assumiria a vice-presidência do PSD em 2016. Passos Coelho defendia: “Depois de ter sido ministra das Finanças, onde fez um lugar notável, creio que tem todas as condições para fazer um lugar muito bom como vice-presidente do PSD. Tenho muito essa expectativa”.
Maria Luís recusa “romantismo” e “fantasias” no BES. Não foi por faltarem 600 milhões que correu mal
Queda do Banif. “Quando cessei funções nada faria prever um desfecho com este custo”
Nos dois anos muito intensos em que liderou a pasta das Finanças, o Banif terá sido pouco mais do que uma nota de rodapé nas preocupações. O protagonismo foi quase todo para o BES e para o sucessor, o Novo Banco. Foi já no segundo e efémero governo de Passos Coelho, que a então ministra das Finanças ter-se-á apercebido da intransigência de Bruxelas. O Banif tinha sido salvo em 2012 com um resgate do próprio Estado, e por decisão de Vítor Gaspar em resposta a um pedido do Banco de Portugal. Mas a ajuda pública tinha que ser devolvida através da venda do banco e a Comissão Europeia abriu uma investigação em 2015.
Poucas semanas depois de estar em funções, a bomba rebentou nas mãos de Mário Centeno que teve de lidar com a resolução do Banif. “Não desejo a ninguém vender um banco num fim de semana”, desabafou o sucessor de Maria Luís Albuquerque. A ex-ministra recusou as acusações de ter deixado arrastar o dossiê Banif. Citou centenas de reuniões em que participou para resolver a situação e os oito planos apresentados e chumbados pela Comissão Europeia para provar a diligência da atuação, numa altura em que o Novo Banco era claramente a grande preocupação para o Governo. “A pior coisa que poderia acontecer ao Banif era um processo de venda ficar deserto, desvalorizava o banco e mostrava que ninguém estava interessado”. Maria Luís Albuquerque reconheceu contudo que houve uma mudança em Bruxelas que se tornou mais exigente e antecipou em dois anos o prazo dado para resolver o problema. “A compressão do prazo é estranha porque é súbita”, afirmou, ligando-a à entrada de novas regras da União Bancária em 2016. Ainda assim, Maria Luís Albuquerque descartou responsabilidades. “Quando cessei funções, nada faria prever um desfecho com este custo (três mil milhões de euros) para os contribuintes”, mas recusou especular sobre factos que aconteceram depois.
Aceitou entrar na Arrow Global pouco tempo depois do Governo
Terminado o seu mandato governamental, não demorou muito até que Maria Luís Albuquerque ficasse envolvida em nova polémica. Em março de 2016 o Diário de Notícias avançou que a ex-ministra das Finanças tinha cargo novo. Tinha sido contratada pela Arrow Global para um cargo não executivo. Qual era a polémica? É que a Arrow Global é uma empresa inglesa especializada na gestão de carteiras de dívidas e imóveis e tinha no seu portefólio ativos adquiridos à banca portuguesa. Aliás, uma empresa adquirida pela Arrow Global, a Whitestar, tinha concorrido à compra de crédito malparado e imóveis do Banif – banco que foi alvo de resolução poucas semanas depois de o governo PS tomar posse.
No momento em que aceitou o cargo da Arrow, Maria Luís era deputada e, segundo então noticiou o Expresso, terá mesmo consultado Passos Coelho antes de aceitar a proposta.
Vários deputados da esquerda colocaram em causa a forma como esse processo decorreu, alegando até que Maria Luís Albuquerque teria incumprido com o chamado período de nojo dos titulares de cargos públicos – poucos meses antes, Maria Luís era ministra das Finanças.
Porque foi contratada Maria Luís? Porque sabe muito sobre mercados internacionais
Perto do final de março desse ano de 2016, um relatório enviado pelo governo (PS) à subcomissão de Ética do Parlamento sobre benefícios concedidos à empresa que contratou Maria Luís Albuquerque revelou que duas empresas que têm agora ligação à Arrow Global (ou subsidiárias desta) tinham recebido benefícios fiscais no valor de quase 424 mil euros em quatro anos (anteriores a 2015). Mas trataram-se de benefícios automáticos, que decorriam da lei, e as filiais em causa – a White Star Asset Solutions e a Gesphone – só foram adquiridas pela Arrow depois disso, em abril de 2015.
Assim, não tendo esses benefícios recebidos por via “contratual”, não se colocavam questões de incompatibilidade ou de violação do “período de nojo” a que os titulares de cargos públicos estão obrigados nos três anos após a saída.
Relatório do Governo descansa Maria Luís Albuquerque sobre possíveis incompatibilidades
Em viva voz, Maria Luís Albuquerque disse, em entrevista, à RTP que “nunca tinha ouvido falar” da Arrow até dezembro de 2015. Acabou a considerar que as críticas tinha sido “uma discussão inquinada desde o início”, em que políticos e comentadores falaram “com ignorância, populismo e má-fé”.
“Para mim, a ética não é uma questão de tempo. Se em algum momento eu tivesse enquanto governante dado a esta empresa algum tipo de tratamento privilegiado ou algum tipo de benefício, não iria trabalhar para esta empresa nem agora, nem daqui a três anos, nem daqui a cinco, nem daqui a seis”, afirmou Maria Luís Albuquerque, que acabaria por sair da Arrow em finais de 2021. Juntou-se no ano seguinte a Sérgio Monteiro no fundo de investimento Horizon Equity Partner e desde setembro de 2022 juntou-se ao conselho de supervisão e comissão de auditoria, risco e nomeações no Morgan Stanley Europe.