O ‘Bora Mulheres é um dos maiores programas de empreendedorismo feminino em Portugal, criado pela Coca-Cola e desenvolvido pelo Impact Hub Lisbon. Na 5º edição, centra-se num tour que reúne mulheres de negócios em três cidades: Porto, Coimbra e Lisboa.

“O Programa ‘BORA Mulheres é inspirado na resiliência, determinação e coragem das mulheres que todos os dias demonstram que o lugar da mulher é onde ela bem entende. Apesar dos avanços, ainda temos um longo caminho a percorrer em direção a uma sociedade justa, inclusiva e igualitária, na qual o valor económico das mulheres seja plenamente reconhecido”, sublinha Elena Anton, Gestora do programa ‘Bora Mulheres no Impact Hub de Lisboa.

O objetivo desta iniciativa é ir mais além, contribuindo para empoderar as mulheres e integrá-las no ecossistema empreendedor nacional. A gestora alerta para a necessidade de quebrar estereótipos: “Enquanto mulheres, crescemos a acreditar que os homens são os líderes e os autores de grandes feitos e que as mulheres são as mães. Vemos leis que afetam profundamente a vida das mulheres a ser debatidas e decididas por homens que, muitas vezes, não compreendem a realidade feminina. Por isso, é imperativo que a narrativa mude, reconhecendo o incrível valor e potencial das mulheres, independentemente da sua etnia, classe social ou nível de educação”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A missão do ‘BORA Mulheres, como explica Manuel Bastos, Sustainability Manager da Coca-Cola Europacific Partners em Portugal, é mesmo essa: “contribuir para o crescimento do empreendedorismo no feminino, dando-lhe a visibilidade merecida. Temos o maior orgulho em afirmar que o programa já conta com cerca de 2.000 empreendedoras, o que nos dá ainda mais motivação para continuarmos focados no seu progresso e no nosso compromisso de apoiar o desenvolvimento de competências, impulsionar a inclusão e combater a desigualdade no acesso ao mercado de trabalho”.

Juntas somos mais fortes

Mudar mentalidades é um dos objetivos, mas o programa tem também na sua génese a partilha de experiências, constituindo-se como rede de apoio. A frase “ser empreendedora é muitas vezes percorrer um caminho solitário” é de Elena Anton, que afirma ter acompanhado e vivenciado esta realidade junto de empreendedoras que admira muito. “Nos primeiros estágios, quando o projeto ainda é apenas uma ideia e um sonho, o empreendedorismo pode parecer uma jornada distante. Há uma miríade de dúvidas, tentativas e erros, e, sobretudo, uma série de obstáculos em diferentes áreas. Ter uma rede de apoio como a comunidade ‘BORA Mulheres constitui um papel crucial, evita que se sintam isoladas e proporciona um ambiente onde podem partilhar experiências e apoiar-se mutuamente. A perceção de que outras mulheres estão a enfrentar desafios semelhantes torna a jornada um pouco mais acessível e menos solitária.”

Catarina Guedes, CEO e Co-Founder da ISS Ínclita Seaweed Solution, empresa de biotecnologia marítima, conhece de perto as dificuldades de ser empreendedora em Portugal. A Embaixadora do ‘BORA Mulheres 2023 e vencedora da edição de 2022 sabe que “com a visibilidade vem a responsabilidade de dar força a uma causa tão importante como a luta pela igualdade de oportunidades num mundo ainda tão controlado e associado ao sexo masculino”. Os obstáculos aproximam as empreendedoras que, mesmo gerindo negócios diferentes, acabam por se deparar com questões transversais. “Talvez a lição mais importante que levei do programa é que não estou sozinha e que esta rede de mulheres, entende-me e tem os mesmos dilemas, são uma ótima rede de apoio para desabafar e obter força e ajuda para ultrapassar dúvidas ou dificuldades. E, sem dúvida, que uma das questões mais sentidas por nós é a dificuldade de gerir a vida familiar e a vida profissional e a pressão da própria sociedade para não falharmos como mães e esposas.”

Gerir tempo: vida profissional e família

A gestão de tempo torna-se para as mulheres um quebra-cabeças. É por isso que os temas das próximas paragens do tour ‘BORA Mulheres, depois do evento no Porto a 14 de outubro, abordam a necessidade de equilíbrio entre as diferentes áreas da vida de cada uma. Em Coimbra (28 de outubro) estará em destaque a “Gestão de Tempo para Família e Lazer” e no evento de Lisboa que celebra o Dia Mundial do Empreendedorismo Feminino (18 de novembro) vai estar em foco a temática “Work-Life Balance e Saúde Mental”, numa época em que tanto se debate o burnout ou síndroma do esgotamento profissional.

A empreendedora Catarina Guedes confessa ter ficado impressionada com mulheres de sucesso capazes de falar “sem tabus sobre a parte mais sombria deste mundo, não numa postura de provocar desânimo, mas de mostrar que todas somos humanas e que a vitória sabe especialmente bem quando somos capazes de ultrapassar uma série de obstáculos”. Para a embaixadora do ‘BORA Mulheres “a enorme pressão social e familiar, motivada pelo facto das mulheres ainda serem vistas como as principais cuidadoras, leva a expectativas irreais e níveis de frustração muito elevados”.

Também Joana Pereira, fundadora da Babs&Puffs e vencedora do programa ‘Bora Mulheres 2023, reforça a importância de cuidar da saúde mental e prevenir situações limite: “Conciliar o trabalho profissional com a vida familiar é um grande desafio para as mulheres que têm filhos, sobretudo para quem tem filhos pequenos que necessitam de atenção e cuidados. Devia haver maior flexibilidade para as mulheres que trabalham fora de casa, pelo menos enquanto têm crianças até aos 12 anos. A falta de equilíbrio entre a vida familiar e profissional, pode provocar problemas de cansaço, burnout e depressão. A OMS tem chamado a atenção para este problema, devemos estar atentos e investir na prevenção.”

Teletrabalho: um aliado ou nem por isso?

O teletrabalho pode ser um aliado na flexibilização das rotinas, mas como lembra Joana Pereira ainda não é consensual. “Para muitas empresas e trabalhadores a fase de adaptação ainda está em curso. A flexibilidade será, penso eu, a nova palavra de ordem em termos laborais. O ideal será encontrar um bom equilíbrio entre organizações e pessoas de modo que a qualidade do trabalho e o bem-estar resultem de forma harmoniosa.”

Catarina Guedes, a empreendedora da área da biotecnologia marítima, sublinha que o teletrabalho pode ajudar, mas lembra que nem tudo é um mar de rosas: “O teletrabalho facilita a gestão de horários. No entanto, temos de ser realistas e nem todas as atividades têm essa facilidade, nomeadamente na parte da produção. E teletrabalho não é trabalhar com os filhos pequenos em casa. O mau uso do teletrabalho tem levado a desconfianças.”

Já para Carina Vieira, fundadora da Play Slow, que conta com propostas de passeios para toda a família em bairros lisboetas, vencedora do programa ‘Bora Mulheres 2023, “o tempo perdido em deslocações apenas se traduz em maior cansaço para o trabalhador e menos tempo de qualidade em família. É agora necessário alterar a organização da maioria das empresas que ainda tem uma visão muito centrada no controlo, quando poderiam organizar-se melhor no planeamento e na distribuição de tarefas”.

“Foi-nos repetido que as mulheres podem ter tudo”

As representantes da WeCheffes, projeto vencedor do ‘Bora Mulheres 2023, Mafalda Lodewyckx e Olivia Bourkel consideram que ainda estamos muito longe de uma sociedade igualitária entre homens e mulheres. O sexo feminino continua a correr maior risco de desempenhar as responsabilidades familiares por inteiro. “Foi-nos repetido que as mulheres podem ‘ter tudo’; uma carreira bem-sucedida, uma família, uma vida social ativa e uma rotina saudável – na prática, isso é quase impossível. O mundo dos negócios ainda não está adaptado a essas responsabilidades adicionais que as mulheres enfrentam.” Ao liderar um serviço de catering com uma equipa de 14 mulheres chefs de todo o mundo Mafalda e Olivia colocam na prática a tão importante flexibilidade: “As mulheres com quem trabalhamos têm perfis e origens muito diversos. Para algumas delas, trabalhar connosco é a primeira experiência profissional aos 50 anos. Porquê? Porque connosco podem gerir os seus próprios horários, porque têm espaço para partilhar as suas necessidades e desejos, porque têm à sua volta uma rede de mulheres que as apoia, porque tentamos quebrar as barreiras linguísticas e administrativas e, acima de tudo, porque lhes mostramos que são capazes de muito e despertamos a sua confiança.”

Unânime entre todas as empreendedoras entrevistadas é a ideia de que é urgente igualar os salários entre homens e mulheres, tornando as estruturas organizacionais das empresas mais igualitárias e inclusivas, centradas em modelos de liderança inclusivos e baseados na interseccionalidade, uma ferramenta fundamental para tornar a sociedade mais justa e melhor para todos.