Discurso de André Ventura

no encerramento da VI Convenção do Chega

Nos últimos dias, muitos neste país têm perguntado quem vão afinal ser os candidatos do Chega às próximas eleições legislativas.  Nunca poderíamos, porque não devíamos, falar de candidatos antes deste Congresso. Os Congressos servem para isso mesmo, para eleger, para discutir e para legitimar democraticamente um Presidente, uma Direção e os órgãos. E por isso, eu queria deixar claro a todos que o ADN do Chega, a sua força disruptiva, o seu ADN de contestação ao estado de coisas a que o país chegou, a sua força disruptiva, o não ser politicamente correto, a capacidade de enfrentar os interesses instalados em qualquer momento, ninguém pense que eles ficarão em causa, que serão comprometidos ou que eu deixarei que este espírito morra por qualquer entrada neste partido a estas horas.”

André Ventura começa por admitir que foi propositado deixar de fora da Convenção o nome dos candidatos a deputados. Acabaram por ser conhecidos alguns nomes (mas integrados na estratégia de mostrar que a capacidade de recrutamento no PSD), mas ao deixar este debate de fora, o líder do Chega evitou problemas internos e possíveis guerras entre distritais. Assim, como sempre fez, decidirá as listas sozinho nos próximos dias e eventuais descontentes já não têm palco (como teriam na reunião magna) para contestar as escolhas do líder. Num outro sinal para dentro, Ventura fez também questão de dizer que todos os candidatos a deputados  serão venturinions: com o mesmo estilo e espírito do seu líder.

Nos últimos cinco anos houve pessoas de todos os partidos e movimentos que vieram para se juntar até ao Chega. Devíamos fechar-lhes a porta? Não. Porque este movimento foi sempre para vencer Portugal. Prova disso é a sala que temos aqui hoje, com centenas, milhares de pessoas que vieram do PSD, do CDS, de outros partidos e que são parte fundamental do nosso ADN (…) Gostava de saudar, em especial, pela coragem, pela afronta e pela determinação, o Henrique Freitas, antigo Secretário de Estado,  o Simões de Melo, que falou aqui da Iniciativa Liberal deste palco, o Diogo Prates, também ele um dos fundadores da Iniciativa Liberal, o Miguel Matos Chaves do CDS e o nosso António Pinto Pereira, que também se juntou ao Chega nos últimos tempos.

O líder do Chega prometia ter “antigos e atuais deputados do PSD” nas suas listas. Esperava-se que, entretanto, fossem conhecidos algumas dessas escolhas. Como o Observador tinha noticiado, Ventura recrutou um antigo secretário de Estado do PSD e, como já era conhecido há algumas semanas, membros-fundadores da Iniciativa Liberal. Mas não surgiu nenhuma surpresa, além destes. O secretário-geral do PSD, Hugo Soares, desvalorizou por completo a ligação de Henrique de Freitas ao PSD, lembrando que tinha sido “nomeado por Sócrates para um cargo europeu” e sido membro da comissão de honra de Manuel Alegre nas presidenciais de 2011. Pouco depois, Paulo Rangel também diria no Twitter que “a montanha pariu um rato”. De facto, os nomes não são sonantes nem em número significativo, o que ajuda o PSD a desvalorizar o tal recrutamento do Chega. Ventura pode, no entanto, alegar que ainda os vai anunciar. Para já vai justificando internamente o facto de incluir nas listas nomes oriundos de outros partidos, lembrando que muitos dos atuais militantes vieram do PSD e do Chega. Uma sondagem informal de António Tânger Correia — que do púlpito pediu que levantassem o braço os delegados que vieram de PSD e CDS — mostrou que dois terços da sala já tinha passado por esses dois partidos.

Porque este símbolo que está atrás de nós é já uma marca nacional. Mas a frase que nunca esqueceremos, também é ela de Francisco Sá Carneiro, que o que não posso, porque não tenho esse direito, é calar-me, seja sob que pretexto for para lutar contra a injustiça.”

André Ventura reivindicou para si o legado de Sá Carneiro. Sente-se o legítimo herdeiro da Aliança Democrática de 1979 e não deixou de fazer referências ao fundador do PSD. Esta foi a primeira de três vezes que o fez ao longo do discurso. O secretário-geral do PSD, Hugo Soares, acabaria por contestar dizendo que em nome do PSD lamentava a “usurpação infantil das citações e do nome de Sá Carneiro”. Um dado curioso: a frase de Sá Carneiro que Ventura citou neste caso (“o que não posso, porque não tenho esse direito, é calar-me, seja sob que pretexto for”) foi uma frase que Luís Montenegro disse há quatro anos (fevereiro de 2020) no mesmo pavilhão de Viana do Castelo enquanto estava a ser assobiado — pouco depois de perder as diretas do PSD.

Pedro Nuno Santos decidiu, num ato profundamente eleitoralista daqueles a que o PS nos habituou nos últimos anos, tentar vir meter-se no protesto das forças de segurança. E disse, o que cito, houve muitos avanços nas Forças de Segurança nos últimos oito anos, disse Pedro Nuno Santos. De ontem a hoje sindicatos, associações, corporações de agentes em todo o país mais não fizeram do que desmentir Pedro Nuno Santos.

O líder do Chega não fez qualquer referência a Luís Montenegro ao longo de todo o Congresso, elegendo como principal adversário o líder do PS. Tudo isso faz parte de uma estratégia de menorizar o PSD e vender o Chega como a verdadeira alternativa ao PS. Neste primeiro ataque do discurso a Pedro Nuno Santos, André Ventura acusou o líder do PS de fazer um aproveitamento eleitoralista dos protestos das Forças de Segurança. O secretário-geral socialista disse na Comissão Nacional de sábado que “os avanços” que o Governo fez “do ponto de vista remuneratório e das condições de trabalho foram muito importantes nos últimos anos”, elogiando José Luís Carneiro, seu ex-adversário interno e titular da pasta. Alguns sindicatos criticaram de imediato as declarações de Pedro Nuno Santos para dizer que o “avanço foi zero”.

Por isso, o nosso compromisso solene e incontornável de que a primeira coisa que a direita fará chegada a uma maioria é equiparar os suplementos da PSP, da GNR, da Guarda Prisional, de todas as forças de Segurança ao que foi justamente atribuído à Polícia Judiciária ao longo do último ano.”

André Ventura já tinha apresentado esta proposta no discurso do segundo dia de Congresso e até tinha ido mais longe: disse que só haveria governo de direita caso os salários das forças de segurança fossem equiparados aos da PJ, que teve recentemente aumentos. Agora, o presidente do Chega especifica que os beneficiários desses aumentos são a PSP, a GNR e a guarda prisional. Já não referiu foi o acordo. A promessa fica fechada com o compromisso solene.

Mas que autoridade tem um homem que atribuiu indemnizações de meio milhão de euros a funcionários claramente não qualificados para isso com o nosso dinheiro, que fazia negociatas com o Bloco e com o PCP para gastar dinheiro português em ações dos CTT que não valiam para nada. Que autoridade tem um homem que acordou um dia e disse que a localização do aeroporto ia ser uma e à tarde o primeiro-ministro desautorizou-o e disse que não era. Caro Pedro Nuno Santos, a mentira e a manipulação não cabem neste congresso, mas caem que nem uma luva em si e no Partido Socialista.”

Mais um ataque a Pedro Nuno Santos, integrado na lógica de bipolarizar a luta entre Chega e PS — que, à partida, beneficia esses dois partidos e prejudica o PSD. Neste caso, André Ventura tenta capitalizar aquelas que são consideradas as maiores falhas ou “trapalhadas” de Pedro Nuno Santos como ministro das Infraestruturas (a TAP, os CTT, o novo aeroporto de Lisboa). Já no primeiro discurso tinha levantado dúvidas sobre a credibilidade de Pedro Nuno Santos, dizendo não ter nenhuma garantia que não seria mais um “amigo do Espírito Santo”.

Sentimos que o país não tem mais ninguém. Não tem mais mudanças para fazer nem para dar. E chamam-nos a nós fascistas. Chamam-nos a nós radicais. Meus amigos, vocês não tenham dúvidas. Sou absolutamente radical. Absolutamente radical contra a corrupção. Absolutamente radical contra o compadrio. E por isso, sabendo que vamos ser uma força decisiva no próximo quadro parlamentar, eu quero anunciar, para que não haja dúvida, que o Chega vai propor na Assembleia da República que todos os políticos condenados por corrupção fiquem impedidos para sempre de exercer cargos públicos em nosso país.”

A corrupção voltou a ser um dos destaques do discurso de André Ventura, mas, neste caso, a crítica veio acoplada com uma proposta: que todos os políticos condenados por corrupção não possam nunca mais exercer cargos públicos. PS e PSD, no pacto contra a corrupção, aprovaram uma medida que impede esses políticos condenados de exercerem cargos públicos nos 10 anos seguintes a cumprirem a pena. Agora, o Chega sobe a fasquia: é uma proibição perpétua.

Nós não podemos ter medo. Estes professores são o futuro das nossas crianças e dos nossos jovens. Eles são o futuro da nossa escola, pública e privada. Todas, sem discriminação. O nosso compromisso é claro. Ao contrário de Pedro Nuno Santos, o nosso compromisso é que em quatro anos o Chega recuperará o tempo de serviço destes professores, porque eles merecem, a escola merece e a educação em Portugal.”

O Chega já tinha feito a proposta, a 12 de setembro de 2023, de fazer a reposição do tempo de serviço dos professores em quatro anos. Duas semanas depois, o líder do PSD, Luís Montenegro, avançou com a proposta de fazê-lo também de forma faseada em cinco anos. O Chega mantém, no entanto, a ideia inicial, ligeiramente menos gradual de repor tudo num espaço de quatro anos.

Aos que não conseguem pagar o lar, ou aos que não conseguem pagar medicamentos. Eu quero-vos dar esta garantia solene, em meu nome, com a minha total responsabilidade. E quero a vossa responsabilização, se assim não for. Em seis anos, se o Chega for Governo, não haverá em Portugal uma única pensão abaixo do salário mínimo nacional.

Também é uma proposta que foi feita de véspera e também há alguns meses. Ventura quer os pensionistas a receber, pelo menos, o salário mínimo. O líder do Chega prevê, como relevou no passado, que a medida custe entre 7 e 9 mil milhões de euros e chegou a sugerir que se utilizasse os fundos comunitários para pagar este valor. Luís Montenegro no encerramento do Congresso do PSD disse que tentaria “no espaço de duas legislaturas” (oito anos) que nenhum pensionista recebesse abaixo do salário mínimo. Estava aqui, de forma cautelosa e provavelmente involuntária, a aproximar-se da proposta do Chega. André Ventura reitera a necessidade de um ritmo mais acelerado para a medida: quer fazê-lo no espaço de “seis anos”.

Há quem diga que apesar de tudo isto nós somos uns radicais e somos os amigos dos poderosos e dos ricos. Então eu tenho para todos eles e para todos vós uma novidade.

Não são os portugueses comuns que vão ter de pagar  a ajuda ao crédito à habitação que nós não podemos negar (…) Serão os lucros excessivos da banca e daqueles que lucram dezenas de milhões por dia que pagarão aos portugueses o seu crédito à habitação. Sim, porque nós já lá pusemos dinheiro. Porque nós salvámos os bancos na última década. E eu ainda me lembro da conversa de que agora temos que fazer um sacrifício, para salvar o mercado financeiro. Dizia-se que é importante salvar a banca, para que o mercado não colapsasse. Dezenas, centenas de milhões de euros dos nossos impostos desperdiçados nos BESs, BPNs e outros desta vida. Então agora não é tempo. Pergunto com honestidade e objetividade. E perguntam quem nos vê: não será tempo de uma vez na vida, uma, a banca fazer um pequeno sacrifício e ajudar os portugueses a pagar o seu crédito à habitação?

André Ventura defende que sejam os bancos a ajudar a pagar o crédito habitação. E fá-lo de uma maneira que um marxista ou um socialista podiam aplaudir: o líder do Chega quer que sejam os lucros excessivos dos bancos a ajudar a pagar esses créditos. Em Itália, o Governo de extrema-direita liderado por Giorgia Meloni — que o Chega e Ventura admiram anunciou e que iria aplicar uma taxa única de 40% aos “lucros excessivos” dos bancos resultantes das subidas das taxas de juro decididas pelo BCE. No entanto, após várias críticas e a queda de ações dos bancos italianos, foi forçada a recuar e a alterar a proposta.

A imigração tornou-se hoje uma questão relevante para Portugal (…) Se vencermos as eleições de 10 de Março,  o Chega vai reverter a extinção do SEF levada a cabo pelo Partido Socialista.

E vamos reverter esta Lei da Nacionalidade para que ninguém, sublinho e assumo, possa entrar, estar ou ser português sem saber falar a língua e conhecer a cultura portuguesa.”

É um dos temas mais sensíveis no cenário político nacional, mas o Chega não abdica das bandeiras que mais tem levantado nos últimos meses — sendo este um tema que arrancou várias vezes aplausos da plateia. Tal como havia feito no outro discurso no congresso, André Ventura fez questão de comparar a imigração com a emigração, mas não o fez de forma tão aprofundada como no sábado, quando até se atirou a quem vem “de países árabes e tenta impor “burcas” às mulheres”. O Chega pretende controlar a imigração e, para isso, a proposta que tem é reverter a extinção do SEF e a lei da nacionalidade, impondo uma regra de ouro: quem não fala português não deve entrar. Sobre a proposta de impedir extinção do SEF, o PCP tem uma igual.

Eu quero deixar um compromisso solene em nome deste partido e do país. Que do dia 1 do nosso Governo, a fiscalização à subsidiodependência vai ser uma realidade em Portugal.

Na verdade para politicamente correto já temos o PSD. Não precisamos de mais. Eu quero dizer na cara, quero dizer aqui aos milhares, aos centenas de milhares de subsidiodependentes por este país todo, quero-vos dizer na cara: ‘Só terão [apoios] se verdadeiramente precisarem, porque senão trabalhem, como toda a gente tem que trabalhar em Portugal.”

Foi uma das raríssimas palavras dedicadas ao PSD em todo o discurso de encerramento. E foi justamente para mandar uma farpa aos sociais-democratas numa das questões em que Ventura quer sublinhar que existe diferença: o politicamente correto. O líder do Chega não abdica de ter um discurso mais certeiro, popular e capaz de ferir suscetibilidade se isso for capitalizado para um eleitorado descontente com o tema — é, outra vez, a ideia de que o Chega tem o discurso do café e que o próprio Ventura já considerou não ser pejorativo.

Mais uma vez, sem fugir ao que vimos, nós vamos revitalizar as PPPs na saúde. E vamos permitir que o público e o privado funcionem em harmonia. Não pelo privado, não pelo público. Vamos estabelecer uma regra vinculativa e não a palhaçada que há hoje sobre o tempo máximo de atendimento para consultas e para atos cirúrgicos. Não é admissível esperar-se três anos por consultas em Portugal.”

Uma nova promessa eleitoral, desta vez na área da saúde, e a certeza de que o Chega está apostado na complementaridade do SNS, desde logo revitalizando as Parcerias-público-Privadas (PPP) e através do estabelecimento de uma “regra vinculativa” para os tempos máximos de espera. Ao usar a palavra “palhaçada”, André Ventura não descola do discurso mais populista que lhe está colado à pele, principalmente para apresentar propostas para uma das áreas que mais tem dado que falar nas últimas semanas e que usa como arma de arremesso contra o PS.

 E eu quero vos dizer que sinto-me tão pronto hoje como sei que Sá Carneiro se sentia

para ser primeiro-ministro em 1979. E estou tão pronto a dar a minha vida por este país. Como ele estava para transformar Portugal. Estamos prontos. Vamos vencer. E vamos ganhar as eleições de 10 de Março.

Mais uma vez a referência a Francisco Sá Carneiro, que morreu numa queda de avião, em Camarate, em 1980, quando era primeiro-ministro. André Ventura encerra o discurso da convenção e diz que está pronto para dar a vida por Portugal, usando uma das suas maiores referências políticas — que cita nos discursos desde sempre — e comparando-se a ela: está pronto como Sá Carneiro estava em 1979. O PSD continua a contestar o que considera ser uma apropriação indevida do legado de Sá Carneiro.