Passaram-se três anos desde o último congresso do PS — com os habituais dois a serem alargados por causa da pandemia — que cai agora no pousio político de agosto e no centro das férias nacionais, o Algarve. Mesmo que com autárquicas já ali a menos de um mês, o PS tenta passar sem alarido, por entre o calor do verão. Da reunião de 28 e 29 em Portimão, espera-se mais do mesmo. Aliás, no exercício simples de traçar numa folha os nomes relevantes do momento socialista — e dos próximos tempos — conclui-se que poucos diferem dos encontrados no congresso da Batalha, em 2018. O PS está estagnado nos mesmos nomes, guerras internas e até em críticos.

António Costa. Papéis para a reforma continuam por meter

A melhor prova de que tudo vai na mesma é que a grande incógnita deste congresso é sobre a continuidade do líder (que já leva 7 anos de liderança) por mais uma temporada. Segundo os estatutos, o próximo congresso cairá em 2023, ano de legislativas, e o líder tem de dar sinal até lá se é para seguir para a terceira recandidatura nessas eleições ou se salta fora antes, dando tempo ao partido para organizar a sucessão. A convicção crescente no partido nos últimos tempos é que Costa está para bater o recorde de Aníbal Cavaco Silva como primeiro-ministro: dez anos.

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Em 2023, se o Governo se mantiver os quatro anos, António Costa chegará aos oito anos em funções. Mas essa decisão ainda não está fechada na sua cabeça, tudo depende do comportamento eleitoral do PS até lá, a forma mais direta de aferir a popularidade da sua gestão junto dos portugueses. A primeira medição será feita já nas autárquicas de 26 de setembro, com boa parte do PS — secretário-geral incluído — a acreditar que será possível atingir os objetivos de manter a presidência da Associação Nacional de Municípios e da Associação Nacional de Freguesias, ou seja, ter a maioria das presidências das autarquias. Se o resultado agitar a direita, mais tempo terá Costa para respirar e mais controlo pode ter sobre o seu próprio calendário.

Na moção que leva a este congresso, Costa deixou sinais de querer gerir a crise provocada pela pandemia até ao fim e ela ainda vai bem no adro. Não dá espaço a discussões sobre a sua sucessão, marcando o ritmo com o Plano de Recuperação e Resiliência que tem na manga para recuperar o país e ajudar autarcas em projetos na linha da transição verde e digital da economia. É Costa que está com a mão na massa e não dá sinais de querer largá-la. A menos que um cargo além fronteiras o cative, mas, para já, não há vagas.

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Pedro Nuno Santos

Quem o viu há três anos na Batalha não o reconhecerá em Portimão. Já fez saber que este não será o seu congresso, ao colocar-se de fora de intervenções políticas de fundo. Só mesmo se for chamado a fazê-las pelo líder, na qualidade de ministro — até porque é por ele que passa a execução do PRR. De qualquer forma, o que Pedro Nuno Santos não quer mesmo nesta altura é voltar a puxar os focos do congresso sobre si como fez há três anos, o que lhe valeu até um puxão de orelhas público de António Costa — quando avisou que ainda não tinha metido os papéis para a reforma.

Com Costa a continuar a deixar os papeis na gaveta, Pedro Nuno Santos não se aventura mais do que já fez. O seu campo político no PS está definido e a sua vontade de liderar também. Agora é aguardar, pacientemente, pelo momento certo. Já se conformou com esta posição e, nos últimos tempos, nem mesmo provocado pelos seus rivais socialistas reagiu de forma intempestiva. Controlou-se perante a crítica de Ana Catarina Mendes à sua contenda com a Ryanair e cingiu-se a um simples “sou incapaz de criticar em público um camarada”. Dias depois veio defender publicamente o outro seu rival nessa futura sucessão, Fernando Medina, no caso do envio pela CML de dados pessoais de três ativistas anti-Putin para as autoridades russas.

Com o PS em pousio, Pedro Nuno segue o estilo. Menos vistoso do que nos tempos em que era o pivot da “geringonça” no Parlamento, mais calculista em relação ao futuro. Nas estruturas locais do partido continua em marcha a sua operação de evangelização. O Pedronunismo não está morto, mas neste congresso vai fazer-se disso mesmo.

Fernando Medina

Neste congresso será figura de proa, como um dos candidatos autárquicos do PS com mais relevo. Volta a concorrer à Câmara de Lisboa e, depois de ter perdido a maioria absoluta de António Costa na autarquia, Fernando Medina não está especialmente pressionado pelo partido a conquistá-la, embora esse fosse um trunfo importante para a sua afirmação no interior do PS, onde não é propriamente um carismático entre as hostes.

Seja como for, a sua subida ao palco tenderá a ser um dos momentos altos de um congresso que está, nesta altura, mais empenhado na batalha autárquica — onde Medina é cabeça de lista do PS — do que em qualquer luta interna — uma lista que Medina tem resistido integrar. Para mais, em Lisboa Medina confronta-se com um eventual futuro desafiador de Rui Rio no PSD. Se o PS tem como objetivo ferir de morte o PSD de Rio nessas autárquicas, em Lisboa Medina tem a possibilidade de fragilizar logo à partida um dos sucessores do mesmo Rio à liderança social-democrata, Carlos Moedas.

Mariana Vieira da Silva

Há três anos descrevemos Mariana Vieira da Silva como “a sombra de Costa”, papel que continua a desempenhar hoje em dia sem tirar nem pôr, ainda que em 2019 tenha passado de secretária de Estado Adjunta a ministra de Estado e da Presidência do Conselho de Ministros. Subiu na estrutura governativa, mas já estava no topo da influência junto do primeiro-ministro que a considera a melhor preparada para um dia assumir o cargo. Mas para isso precisa de cumprir um trajeto partidário pelo qual Mariana Vieira da Silva não tem mostrado qualquer apetência. Ainda assim, em entrevista ao Observador em junho, a ministra não foi tão taxativa como noutro tempos sobre um futuro mais na primeira linha política.

É uma das vozes que mais conta dentro do Governo, tendo em conta a sua preponderância junto de Costa, mas só mesmo por isso. Não tem banda própria, é apenas a maestrina da orquestra em que o tema é composto por Costa, pelo que a sua palavra é mais tida em conta pela proximidade que tem do líder do que pelas suas próprias ideias para o país e o partido. Neste momento, o seu espaço dentro do partido é na sombra de António Costa, tanto que as hostes socialistas estranharam que não tenha descartado o seu nome da lista de possíveis futuros sucessores do atual secretário-geral.

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Carlos César

Se Costa não meteu os papéis para a reforma, do seu amigo Carlos César não dizem outra coisa. Desde que saiu da liderança da bancada parlamentar rumou às origens açorianas e por lá se tem mantido com pouca ou nenhuma ação política. Ainda recentemente, perante uma insistente teoria que o apontava como futuro vice do primeiro-ministro, Carlos César mandou uma nota das ilhas a colocar-se de fora dessas equações. Não está disponível para cargos de Governo, apenas para auxiliar Costa a partir do seu cargo de presidente do partido.

São amigos desde a JS e a cumplicidade entre os dois coloca-se em prática de forma frequente, em almoços ou jantares que os dois vão combinado de cada vez que Carlos César vem ao continente. É um dos poucos confidentes de sempre do líder socialista, mas tem voz própria — e mais direta, mordaz e provocadora do que a do líder. Foi para ele que, durante as campanhas eleitorais, Costa sempre deixou, por exemplo, o papel de polícia mau perante os parceiros de esquerda. Foi também para ele que deixou o ataque mais direto alguma vez feito no tempo da sua direção ao ex-líder José Sócrates. Ultimamente as suas achegas têm tido como destinatário mais frequente o PSD de Rui Rio.

Vai conduzir mais uma vez os trabalhos de um congresso.

Ana Catarina Mendes

Sempre que António Costa fala sobre a sua ainda longínqua sucessão, faz questão de frisar: ela pode ser protagonizada por um homem, mas também por uma mulher. E neste cenário não há muitas opções óbvias: nestas contas, além de Mariana Vieira da Silva — que, embora seja considerada por Costa como a mais bem preparada, não tem preparado terreno no partido — surge sempre o nome de Ana Catarina Mendes, líder parlamentar do PS desde 2019.

Desempenhar esse papel, que assumiu depois de ter exercido funções como a número dois do partido, não tem sido tarefa fácil. Em julho do ano passado, depois de uma discussão sobre o fim dos debates quinzenais que partiu a bancada do PS, Ana Catarina Mendes atirava aos jornalistas: “Acho extraordinária a ideia da fragilidade da líder parlamentar”. A resposta refletia bem mais do que uma irritação pontual: a líder parlamentar fazia questão de garantir contra todas as dúvidas e críticas que se mantinha firme no cargo que era antes ocupado por um dos homens fortes do PS, Carlos César.

Se é verdade que o nome de Ana Catarina aparece na lista de possíveis sucessores de Costa, este percurso no Parlamento nem sempre lhe tem facilitado a vida. Há meses, ouvia reparos e até ralhetes no partido por ter criticado o possível rival Pedro Nuno enquanto assumia o papel de comentadora, no programa Circulatura do Quadrado. Na bancada, houve quem questionasse a função de Ana Catarina como comentadora ao mesmo tempo que exerce um cargo tão institucional como o de líder parlamentar; já o partido não gostou do conflito extemporâneo entre delfins, pelo que será arriscado voltar a chegar-se à frente durante o congresso. Entretanto, também faz uma pequena participação na política local socialista: embora o desejo de Setúbal, distrito por onde se candidata sempre ao Parlamento, fosse contar com Ana Catarina como candidata à Câmara Municipal setubalense, entra na corrida de forma mais ‘soft’, para a Assembleia Municipal — uma forma de dar gás à candidatura socialista a uma das autarquias em que o PS aposta mais fichas sem pôr em risco o seu lugar na Assembleia da República.

Duarte Cordeiro

Há três anos, mostrava-se firme ao lado de Pedro Nuno Santos e assinava por baixo da mesma moção que o eterno camarada, deixando escrito na pedra o caminho que a ala esquerda do partido pretende seguir. Mas o cenário que se viu no congresso de 2018 não se repetirá em Portimão. Duarte Cordeiro segue discreto ao lado de Pedro Nuno e ainda no início do ano se voltou a mostrar em sintonia com o ministro socialista, quando decidiu apoiar publicamente Ana Gomes para as eleições presidenciais — ainda assim, este não deverá ser um congresso de afirmação para os pedronunistas.

Entretanto, outras coisas mudaram desde 2018: se Cordeiro é tantas vezes associado a Pedro Nuno, as eleições de 2019 trouxeram uma passagem de pasta direta no Governo. Pedro Nuno rumou ao ministério das Infraestruturas, fora do centro nevrálgico do Executivo e em direção a dossiês difíceis, e foi Cordeiro quem herdou a ‘sua’ secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares. Quer isto dizer que, três anos depois, dos dois amigos e aliados é mesmo Cordeiro quem tem a pasta mais política, encarregado de conduzir as negociações à esquerda no Parlamento e por isso envolvido em dossiês essenciais, como as conversações orçamentais.

À esquerda, não se ouvem queixas sobre o interlocutor: neste tabuleiro de xadrez, o PS continua a colocar os rostos mais esquerdistas nas conversas com os partidos vizinhos. E, apesar de as negociações não terem chegado a bom porto com o Bloco de Esquerda, no ano passado, o tom mais hostil para com o BE tem vindo mais do PS do que do Governo. Cordeiro tem ainda um outro papel relevante: é presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa (no fundo, a distrital de Lisboa do PS), pelo que no congresso também terá uma palavra a dizer sobre a estratégia autárquica do partido em Lisboa.

José Luís Carneiro

É uma das escassas mudanças que se verificaram na estrutura do partido desde 2018: o cargo de número dois do partido — ou seja, de secretário-geral adjunto — passou das mãos de Ana Catarina Mendes para José Luís Carneiro, que este ano, graças às eleições autárquicas, ganha com isso um papel de relevo acrescido junto do partido e das estruturas. O ‘homem do aparelho’ tem um passado segurista — era apoiante do líder que António Costa destronou em 2014, António José Seguro. Mas para Costa, que lhe entregou um dos cargos com maior importância no partido, isso não tem sido problema.

O mesmo não se pode dizer do resto do partido — foi precisamente esse passado que alguns lhe apontaram no PS quando mostrou vontade e disponibilidade para se candidatar nestas autárquicas à Câmara Municipal do Porto. Depois de um processo atribulado e de as bases não lhe terem mostrado apoio, foi o próprio quem se antecipou e se retirou da corrida. Assim, chega ao congresso como um dos rostos responsáveis por preparar uma eleição que se afigura confortável para o PS mas sem o peso nem a responsabilidade de ter às costas uma candidatura que os próprios socialistas dão, à partida, por perdida.

Tiago Barbosa Ribeiro

Quem se apresentará com esse mesmo peso às costas será o homem que, meses antes, parecia o mais improvável candidato à corrida. Tiago Barbosa Ribeiro, deputado de 38 anos e presidente da concelhia do Porto, era o preferido das bases. Mesmo assim, só foi escolhido depois de António Costa ter deixado claro que a sua preferência era pelo secretário de Estado da Mobilidade, Eduardo Pinheiro (que desistiu), e de não ter participado na apresentação da candidatura de Barbosa Ribeiro.

A missão parece, assim, duplamente difícil: Barbosa Ribeiro terá, menos de um mês depois do congresso, a tarefa de ir a votos numa cidade que os socialistas dão por perdida para Rui Moreira, enfrentando a perspetiva de poder ter uma percentagem baixa que dificulte o seu futuro político. E não é só o seu: é que o deputado, que coordena a Comissão do Trabalho no Parlamento, é outro dos rostos da ala pedronunista no partido. Lado positivo? As expectativas estão em baixo e Barbosa Ribeiro é um político jovem — na melhor das hipóteses, e se a eleição no Porto não for desastrosa, pode angariar alguma notoriedade, até porque a ideia seria sempre voltar a concorrer em 2025. Dependendo de quem liderar o PS na altura, claro.

Augusto Santos Silva

Há três anos, o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros chegava ao Congresso da Batalha posicionado como a voz centrista do PS, depois de semanas em que várias figuras — incluindo Pedro Nuno e o próprio Santos Silva — debateram a posição política do partido nas páginas de opinião do Público. Desta vez, a discussão ideológica parece arrumada e Santos Silva optou por não “malhar” em ninguém antes do congresso: na semana passada, voltou às páginas do Público mas em modo senador, para definir as prioridades do PS já com os olhos postos no futuro.

Das autárquicas à recuperação pós-pandemia, o ministro e dirigente socialista arrumou qualquer discussão interna e preferiu posicionar o PS como partido charneira, prevenindo também que outras vozes socialistas caíssem na tentação de abrir discussões paralelas. É um dos políticos em Portugal que passaram mais tempo em cargos executivos e continua a ser uma das vozes mais ouvidas no PS e no Governo: disse há semanas esperar que o PS o “deixasse” terminar a sua atividade profissional na Faculdade de Economia do Porto, mas esclarecendo que a saída não é para já. Por isso, aos inimigos pediu “paciência”: só sai deste Governo se o primeiro-ministro assim o “entender”.