Aberta a pré-campanha, com António Costa em exclusivo na liderança do PS e as negociações a começar entre PSD e CDS, para a primeira coligação pré-eleitoral desde 1979, como pensam as elites portuguesas o país e as escolhas que terão de ser feitas?
O Observador pediu a 18 dessas personalidades influentes, dos mais variados setores e atividades – e das mais diversas faixas etárias – que respondessem a quatro perguntas decisivas para o futuro coletivo do país: o que vai estar em causa nas legislativas; Que fatores irão determinar a sua escolha individual? Que políticas económicas e sociais são necessárias?; De que perfil precisamos na Presidência da Republica? Depois do enquadramento, dividimos as respostas em quatro blocos, juntando quatro/cinco personalidades em cada um. Este é o primeiro deles.
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A estabilidade governativa. É fundamental, no meu ponto de vista, que os portugueses votem democraticamente numa solução partidária em que, com um só partido ou em coligação, seja possível encontrar uma maioria parlamentar sólida e credível de forma a sustentar um Governo na próxima legislatura.
Irei, como todos os portugueses, avaliar as diferentes propostas e programas de Governo, de forma a realizar a minha escolha. Para mim, o mais importante é o relançamento do investimento produtivo do País, após o ajustamento muito forte que foi necessário realizar. O relançamento da economia é, para mim, um fator absolutamente fundamental para ser possível melhorar as condições de vida da maioria dos portugueses. Será necessário ter uma visão estratégica do relançamento do investimento no futuro programa de Governo.
As políticas económicas e sociais devem incorporar o aspeto fundamental de uma aposta total no relançamento do investimento produtivo e no relançamento da economia com a diminuição do desemprego, conforme já referido no ponto anterior.
Não me parece que seja o papel do futuro Presidente da República propor uma grande cirurgia ao regime, mas sim dos partidos políticos e do Parlamento. Os partidos políticos portugueses terão que se autoreformar e de se entenderem entre si para que se realizem as reformas constitucionais necessárias à modernização do nosso regime democrático.
Este é um momento determinante para Portugal. Está em causa o nosso futuro como país, não só no contexto europeu, mas também no contexto mundial. Acabámos de deixar para trás o olho do furacão da crise que nos tem assolado nos últimos anos e estamos a inaugurar um novo quadro de apoio comunitário, que nos pode trazer algum fôlego financeiro, essencial para esta fase de recuperação e retoma. Ou seja, em várias dimensões, que não só estas que aqui referi, tudo indica que estejamos a entrar num novo ciclo. Parece ser bom.
Ora bem, a meu ver a grande questão de Portugal – e que tem sido a sua maior incapacidade – sempre foi a de ser capaz de gerir bem os seus ativos – sejam eles vindos do passado ou tendo eles emergindo nas ultimas décadas – e de os rentabilizar de uma forma sustentável e socialmente justa. Ou seja, é acima de tudo, e antes do mais, um problema de gestão. Quando for chamada a votar estarei acima de tudo preocupada em escolher quem saiba gerir com visão, com rigor, com coragem, quem seja capaz de, tal como numa empresa, gerir o país extraordinário que temos. Quem saiba catalisar, mas acima de tudo olhar para lá das nossas fronteiras e definir um “business plan” de sucesso, que crie uma base de desenvolvimento para todos.
Tento, sistematicamente, e independentemente de qualquer cor partidária, reconhecer quem faz bom trabalho no campo político, quem se dedica, com altruísmo, mas também com realismo, ao nosso país. Reconheço e atribuo um valor inestimável a quem assim aja e a quem o faça com coerência e coragem. Prezo enormemente também os que têm capacidade de implementar mudanças, os que têm visão e capacidade de voo. E os que entendem que para mudar Portugal é essencial implementar-se uma alteração profunda e que só com todas as pessoas – e não apenas com uma elite – isso será possível. Se me perguntam por fatores internos, esses serão os que irei valorizar acima de tudo.
Estando a Europa no momento em que se encontra e sem de modo algum renegar a ligação que temos com a mesma, pelo contrário, gostaria que o próximo Governo definisse uma estratégia de forte posicionamento e interlocução com outras geografias. Que outro país Europeu tem, como o nosso, as redes internacionais que temos e a partir das quais podemos conquistar novos mercados e novas realidades? Não é um voltar costas à Europa, mas sim o assumir convicto de um protagonismo na relação desta com o resto do mundo que penso que Portugal pode e deve ter.
Este é um momento de redefinição expressiva, não só na Europa, mas no mundo, e é por isso mesmo um momento pleno de oportunidades. Por mais instáveis que alguns fatores internos possam parecer ser – a maior parte das vezes fruto de minudências e menoridade partidárias – Portugal é um país com uma base excelente em termos de recursos humanos e com vários ativos que têm um enorme potencial. Não irei determinar a minha escolha pelo passado, embora ele sirva sempre de aviso e de referência, nem pelo presente, pois ele já foi, mas sim pelo futuro.
Existem algumas políticas sociais que são estruturantes e que fazem parte do que acredito ser essencial: todas as medidas que valorizem o papel da mulher na sociedade e que permitam que ela ocupe o lugar que tem de ocupar, todas as políticas que protejam os mais velhos numa perspetiva do século 21, ou seja, numa integração ativa e útil, e não, apenas, numa proteção passiva; todas as medidas que contribuam para criar igualdade de oportunidades e para diminuir assimetrias sociais, todas aquelas também que ensinem a sermos exigentes e abertos aos outros. Políticas que prevejam e contemplem as grandes alterações que estamos a viver em relação à forma como as famílias se organizam hoje em dia, multiculturais, homo ou bissexuais, de pais separados ou de pais sozinhos. A família continua a ser a grande célula da sociedade, mas mudou de formato, de dinâmica, parece-me prioritário entender esta mudança e fazer dela uma vitória.
Em termos económicos, parece-me essencial a desburocratização do nosso sistema legal, de forma a torná-lo mais eficaz, criando um contexto francamente aberto ao empreendedorismo e ao investimento privado, nacional ou internacional; apoiaria um sistema que premiasse do ponto de vista fiscal as empresas e os indivíduos que criam efetivamente emprego para os portugueses e que operam de uma forma socialmente justa e apoiaria também todas as iniciativas que permitam a atração de investimento financeiro estrangeiro, com um crivo exigente em relação ao mesmo.
Não posso deixar, como é claro, a cultura de lado, que situo alicerçada no âmbito das políticas socio-económicas de fundo e a longo prazo. Apoiaria em definitivo quem implementasse em Portugal, por exemplo, a famosa Lei Rouanet, que marca positivamente o território cultural brasileiro desde há tanto tempo, quem decidisse ter como disciplinas obrigatórias as artes visuais – o que somos nós sem saber ler imagens? – e a música a partir da primeira classe, quem implementasse um programa de formação e estímulo cultural para a população no ativo e para a população reformada.
O perfil de um Presidente capaz de efetuar uma grande cirurgia ao regime é complexíssimo e, muito sinceramente, acho que é muito difícil de encontrar no contexto atual. É também difícil de compatibilizar com a relação Governo/Presidente prevista na nossa Constituição. Independentemente disso, confesso que não sou defensora de um Presidente com um grande poder interventor; prefiro o modelo em que o Presidente é um garante ético, um diplomata, um árbitro e alguém que nos represente de forma digna, culta, cosmopolita e serena.
Não é mudando o perfil do Presidente que se vai dar mais saúde ao regime; é mudando toda a forma como os partidos se estruturam e evoluem e como construímos a nossa classe política. É criando mais espaço para a sociedade civil avançar para esse território que todos agora parecemos considerar pantanoso e a evitar. A grande novidade deste século, com a diluição do poder e alteração dos grandes centros de decisão, com a democratização da informação e a velocidade de acontecimentos que acontecem num período de tempo diminuto, é que mesmo que não queiramos, essas alterações vão acontecer e o sistema, exausto, que ainda assistimos e que esbraceja, vai inexorável – e rapidamente – transformar-se.
A capacidade dos candidatos de – conjugando audácia e realismo – darem continuidade a uma certa austeridade e, ao mesmo tempo, conseguirem implementar uma estratégia desenvolvimentista para o país. Será crucial focar a atenção e os esforços dos portugueses na necessidade de criação de riqueza material. Ao longo dos últimos 20 anos o país teve uma bem-sucedida política de Ciência que lhe permitiu acumular muito conhecimento nas Universidades e nas instituições de I&D. Mas não teve capacidade para transferir esse conhecimento para o mercado, através de novos produtos e serviços competitivos à escala global.
Os programas Portugal 2020 e Horizonte 2020 parecem reunir condições para impulsionar as empresas a assumirem uma postura mais inovadora, porém, em minha opinião, não bastará. Será necessário que as Universidades, a banca, a Administração Pública, as autarquias e o país em geral percebam a importância da criação de riqueza material. Só assim se poderá redinamizar a nossa economia, criando condições para o pagamento da enorme dívida que o país ainda tem e também proporcionando um futuro melhor aos nossos filhos e aos nossos netos.
A minha escolha terá, sobretudo, que ver com as pessoas, as suas capacidades de gestão, a sua honestidade e a sua disponibilidade para servirem os interesses do país. Desejarei seres humanos competentes e íntegros. Considero que precisamos de ser criteriosos e exigentes nas escolhas que fazemos, quer sob o ponto de vista das competências políticas e de gestão, quer sob o ponto de vista do caráter dos candidatos. Uma boa equipa governamental saberá ultrapassar as dificuldades internas e externas.
Gostaria de ver desenhado um plano de desenvolvimento económico e social de longo prazo. Serem definidos objetivos a 10 ou 15 anos de distância, que nos colocassem nas médias europeias, naturalmente baseados na transferência do conhecimento acumulado nas Universidades e nos institutos de investigação em produtos e serviços verdadeiramente competitivos. Mas também aproveitando a riqueza de conhecimento das nossas áreas económicas tradicionais e as riquezas naturais da nossa terra e do nosso mar.
Obviamente que será também necessário definir metas intercalares e montar sistemas de controlo do seu cumprimento e de ajuste no resto do plano, para que o cumprimento dos grandes objetivos não falhe.
Tudo isto envolvendo os nossos jovens doutores, mestres, engenheiros e outros profissionais: conquistando os que cá estão e os que saíram e que poderão regressar com uma experiência enriquecida. Temos uma nova geração muito bem preparada, muitas vezes com estágios e doutoramentos pagos pelos portugueses e feitos em Universidades e em empresas de grande qualidade, nos países de economias mais fortes. Impõe-se criarmos condições para que esses jovens retribuam agora ao país o bom investimento que neles foi feito.
Penso que existem nos partidos políticos pessoas com grande capacidade para presidir aos destinos do país de uma forma equilibrada, pugnando por um clima de grande exigência e de rigor, aproximando as partes na busca de soluções que sirvam apropriadamente os interesses de todos ou, pelo menos, da grande maioria. Pessoas como António Guterres, Rui Rio, Maria de Belém Roseira ou Durão Barroso poderão ser excelentes presidentes. Parece-me mais difícil que alguém da sociedade civil consiga reunir condições apropriadas para fazer uma boa presidência, mas não coloco essa hipótese de parte.
Dada a frágil situação económica e social do país, a escolha de um novo Governo é crítica para o país. Independentemente da avaliação feita aos passos que foram dados nos últimos anos, é fácil de compreender que um conjunto de políticas erradas numa próxima legislatura pode ter consequências muito negativas, fazendo regredir rapidamente o progresso limitado que foi possível fazer no país durante os últimos anos.
Assim, diria que está quase tudo em causa: O ponto de partida, o ponto de chegada, e o caminho preconizado para chegar ao destino escolhido.
O ponto de partida é o reconhecimento da atual situação que o país vive e os constrangimentos que afetam o nosso desenvolvimento. Sendo evidente que o país tem que crescer para que seja possível reequilibrar nas nossas contas, é inevitável reconhecer a necessidade de continuar o processo de consolidação orçamental, que está neste momento parado. Isso significa necessariamente menos Estado, mas desejavelmente também melhor Estado. Um projeto político capaz de mobilizar o meu voto reconhece por isso a necessidade de mudar o nosso modelo económico e social e a organização das funções do Estado em particular.
Isso leva ao ponto de chegada: que Estado que nos parece melhor servir o presente e o futuro do país? Um projeto político apelaria mais fortemente ao meu voto se defendesse de forma clara o imperativo de usar a próxima legislatura para repensar o modelo do nosso Estado, incluindo uma necessária revisão constitucional. Temos que evoluir para um modelo em que, continuando a garantir de que todos os cidadãos têm acesso, com equidade, aos vários serviços e funções que um Estado democrático de direito deve assegurar, não é necessariamente o próprio Estado o melhor e mais qualificado agente para oferecer diretamente esses serviços. Veria com simpatia um projeto politico que apresentasse de forma clara e objetiva as suas prioridades e perspetivas sobre estas reformas.
Finalmente existem também as prioridades que o projeto político venha a apresentar como sendo o caminho para chegar ao destino. Muitas vezes fala-se e discute-se o que é que o Estado deve fazer mais, ou que novas iniciativas que deve lançar. Gostaria de encontrar uma perspetiva política próxima do que em inglês eu designaria como “lean government,” Governo/Estado enxuto ou magro. Esta perspetiva de “lean manufacturing” (produzir mais com menos) revolucionou a gestão da produção faz duas décadas, tem estado a ter um enorme impacto nos serviços mais recentemente, e vale a pena usar a mesma lógica ao Governo. A ideia é racionalizar, simplificar, inovar, descentralizar, fazendo menos atividades, e apenas as que oferecem valor ou dão resposta aos cidadãos de forma clara e direta. É um grande desafio, mas também uma oportunidade única que advém da pressão económica e orçamental no país.
Em sumário, gostaria de encontrar uma força política que defenda um estado aberto, fiável e enxuto, e concomitantemente uma sociedade civil forte, e por isso, mais livre e dinâmica.
Além das questões acima referidas, existem (pelo menos) dois outros fatores relevantes.
O primeiro é a ideia e lógica de um Estado aberto e participado pelos cidadãos. Em todas as áreas da economia e da sociedade moderna temos um crescente envolvimento dos utilizadores individuais, muitas vezes em larga escala, no que apelidamos de “crowd,” ou multidão. Isso acontece com negócios, empresas, fundações, e pessoas. É também uma realidade crescente na política, ver por exemplo o processo de mobilização da última campanha eleitoral do Presidente Obama. Veria por isso com grande agrado e entusiasmo uma iniciativa política capaz de fazer um apelo e ter um envolvimento mais direto dos cidadãos. Isso deve ser parte da campanha, mas deve fazer essencialmente parte de um projeto político com uma perspetiva de maior abertura e envolvimento dos cidadãos.
O segundo é a equipa, a capacidade de um projeto político trazer para as suas linhas pessoas com competência, experiência e trajeto muito para além do percurso político; pessoas com provas dadas nos vários setores, económico, social, científico e cultural do país. Existe um crescente alheamento do processo político por parte de muitas pessoas competentes e experientes, com enormes custos para o país. Seria muito atrativo o surgimento de um projeto que, pela força das suas ideias e dinâmica das suas lideranças, fosse capaz de fazer esta mobilização de talento.
Dentro das profundas reformas nas principais áreas de intervenção do Estado, parece-me de importância central a Justiça, a Educação e Ciência, bem como a Saúde e Segurança Social. Naturalmente que existem outras áreas importantes, como sejam a Habitação, o Ambiente, Laboral, ou mesmo a Segurança. Mas aquelas parecem-me centrais para a evolução do país, quer a curto prazo, quer a mais longo prazo, e por isso merecem uma atuação e enfoque especiais. Os princípios para estas reformas seriam o que sugeri acima – racionalizar, simplificar, inovar, descentralizar!
Do ponto de vista de apostas, as duas áreas críticas que deveriam merecer a atenção de um projeto político ganhador são, por um lado o apoio à iniciativa, em especial o empreendedorismo.
Muitas vezes se refere que precisamos de alterar o padrão empresarial do país. Para isso precisamos de novas empresas, com estruturas, ambição, organização e posicionamento diferentes das empresas existentes; empresas mais orientadas para mercados internacionais, capazes de inovar, e com bastante mais intensidade de conhecimento. Só assim iremos ser capazes de estabelecer de forma consistente um processo de crescimento económico e criação de emprego.
A segunda aposta é no conhecimento, e na ciência em particular. Portugal não tem recursos naturais, tem uma demografia em declínio, e um mercado próximo (o europeu) em estagnação. Por isso, apenas se poderá desenvolver com base em conhecimento, especialmente a médio e longo prazo. Pensar e desenvolver esta dimensão deve por isso ser uma prioridade importante num projeto político para um próximo Governo.
No nosso regime político, o Presidente da República tem sobretudo um papel de estabilizador, de repositório de confiança e de equilíbrio. Não me parece razoável ou possível que um novo Presidente vá ser o líder de um processo de mudança. Assim, parece-me que a capacidade de ouvir, entender, equilibrar, estabelecer plataformas e promover coesão são e serão os atributos que mais valorizo e irei valorizar num próximo candidato a Presidente da República.