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Salvador de Mello preside ao histórico grupo desde 2021 — mas a quinta geração estará pronta para o suceder, diz
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Salvador de Mello preside ao histórico grupo desde 2021 — mas a quinta geração estará pronta para o suceder, diz

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Salvador de Mello preside ao histórico grupo desde 2021 — mas a quinta geração estará pronta para o suceder, diz

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Salvador de Mello em entrevista: "Temos tido um modelo económico errado. Não se consegue distribuir o que não se produz"

Os outros 11 irmãos escolheram-no para presidir ao histórico Grupo José de Mello. Em entrevista a Maria João Avillez, Salvador de Mello fala da família, da empresa e do país (com críticas ao governo).

É sóbrio, discreto, contido. Cauto no verbo e pródigo nas boas maneiras. Foge quanto pode das luzes e palcos mediáticos. Só quando a função o reclama — e mesmo assim. Ou seja um perfil inversamente proporcional à sua folha de serviços. Salvador de Mello, 57 anos, 4 filhos, licenciado em Ciências Económicas e Administração de Empresas por uma universidade suíça, preside hoje ao Grupo José de Mello.

Após ter assumido em 2001 a liderança executiva da José de Mello Saúde, agora CUF — deixando assinatura no modo como a estruturou, dinamizou e ampliou — foi eleito Presidente Executivo do Grupo José de Mello em 2021, pelos seus onze irmãos. São hoje a quarta geração em linha direta de um grupo familiar fundado pelo bisavô Alfredo da Silva no final do século XIX, com a geração abaixo, a quinta, já no ativo.

Uma história que conta nesta entrevista. Indispensável aliás para se entender que o melhor deste grupo vem de “casa”. Nasceu do exemplo e da iniciativa de uma sólida estrutura familiar e do cultivo “natural” de alguns valores – o país antes do mais; trabalho, noção de serviço, a fulcral importância de uma unidade familiar sem fissuras. Eis o que muito os define e pode explicar uma invulgar durabilidade e qualidade no seio de uma mesma família. É certo que o pai, José Manuel de Mello, era um visionário de excelência: olhava alto e longe, criava, inovava e crescia, sem conjugar o verbo desistir e sobretudo sem medo. Coisa pouco portuguesa. “Penso muito no exemplo do meu pai”, diz hoje este seu filho.

Depois da nacionalização revolucionária de 1975, recomeçaram do “zero”, dois anos depois. Inter muros: “Eram portugueses”. Renasceu e voltou a crescer ”uma história de “resiliência e adaptabilidade”, como eles dizem. Nem sempre estão de acordo com os governos e embora prefira invariavelmente a discrição à critica pública, Salvador de Mello considera que “o nosso modelo económico está errado, não se pode distribuir o que não se produz”. Ou que “falta um desígnio estratégico para sair do estado onde estamos”; ou ainda que “não se vive só do turismo ou dos serviços”.

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Quase cinquenta anos depois, numa escala infinitamente maior e assente em três grandes pilares — saúde, setor químico e participação na Brisa —, o Grupo José de Mello mantém intacta a energia, a noção de serviço, a ambição. Talvez por isso, quando o seu atual líder também diz que o seu grupo trabalha para “maior desenvolvimento, mais investimento, novas oportunidades, mas tudo a partir de Portugal”, percebe-se que é verdade.

[Veja aqui o vídeo da entrevista na íntegra]

Desde 2021 preside ao grupo José de Mello, após ter liderado duas das suas empresas: a Lisnave e a José de Mello Saúde (hoje Saúde CUF). Um grupo económico familiar, como é o seu, tem naturalmente uma cultura diferente, outras regras e procedimentos?
O grupo José de Mello foi fundado pelo meu bisavô, Alfredo da Silva, no final do século XIX. Era uma pessoa muito empreendedora, com uma enorme capacidade de trabalho, que a partir de uma atividade industrial, ligada aos óleos e aos adubos, criou um grupo muito grande e diversificado. Depois do 25 de Abril, o grupo foi nacionalizado e a seguir foi reconstruido.

Mantendo-se sempre na família?
Sim. É um grupo vivo, que foi refundando e alterando o seu perfil, adaptando-se ao mundo de hoje. Sou parte da quarta geração, em linha direta: o meu bisavô, Alfredo da Silva; o meu avô, Manuel de Mello; o meu pai, José Manuel; e os meus tios, Jorge, Maria Cristina e Maria Amélia; e nós, os doze irmãos, hoje os acionistas do grupo José de Mello.

Somos doze irmãos, temos quarenta sobrinhos, os mais velhos têm já uma posição acionista no grupo. Todos os que contam mais de 18 anos estiveram, durante dois anos, a trabalhar naquilo que era a proposta de um novo protocolo para vigorar para os próximos vinte anos, tendo como horizonte a geração deles. levou a abordar um conjunto de temas normais dos negócios familiares: o emprego, a propriedade, a estratégia de desenvolvimento do grupo.

São doze irmãos, o que significa que houve onze que confiaram em si, elegendo-o para a presidência. Sei, aliás, que recentemente reestruturaram os processos de sucessão e de eleição interna. Como se chegou a si, como foi esse processo?
O nosso pai sempre cultivou em nós algo de muito importante: um espírito empreendedor e de união, temos de estar juntos e unidos no “empreendimento” que é o grupo José de Mello. Há um histórico de partilha já de há muitos anos: tomamos as decisões essenciais e fundamentais em conjunto, de forma muito natural, há mais de vinte anos. Na altura não se falava em protocolos familiares, mas nós já tínhamos o nosso.

Em que consiste um protocolo familiar?
Trata-se de um conjunto de princípios e regras que regem a nossa relação como acionistas do grupo. Gostamos de nos referir como quarta geração, mas em simultâneo também como segunda geração: o meu pai reconstruiu o grupo praticamente do zero a seguir às nacionalizações.

Já lá vamos…
… e temos hoje um protocolo que rege as nossas relações enquanto acionistas do grupo e a relação que temos com o próprio grupo José de Mello. Estamos, nesta fase, a passar para a quinta geração — a geração abaixo da nossa está já hoje a entrar como accionista no grupo. Somos doze irmãos, temos quarenta sobrinhos, os mais velhos têm já uma posição acionista no grupo. Tivemos, aliás, um processo muito interessante nos últimos anos: pedimos aos mais velhos da quinta geração para que, numa base zero, sem nenhum compromisso com o passado, e atendendo a que vão ser eles os futuros acionistas, nos propusessem a sua opinião sobre como deveria ser organizado o grupo.

E assim aconteceu?
Todos os que contam mais de 18 anos estiveram, durante dois anos, a trabalhar naquilo que era a proposta de um novo protocolo para vigorar para os próximos vinte anos, tendo como horizonte a geração deles. Esse trabalho culminou com a assinatura de um novo protocolo e com o compromisso total da próxima geração em fazer crescer e perdurar o grupo José de Mello por mais 100 anos. Foi um processo muito interessante que os levou a abordar um conjunto de temas normais dos negócios familiares: o emprego, a propriedade, a estratégia de desenvolvimento do grupo… propondo-nos como é que o grupo se organizaria daí para a frente. Em junho de 2020 assinámos esse novo protocolo com o envolvimento e o compromisso de toda essa geração, e a partir daí passaram também eles a ser acionistas.

Como se reage ao ser eleito por onze irmãos?
Temos desde sempre regras muito claras e fazemos uma gestão muito profissional destes assuntos. Fui eleito pelos acionistas do grupo — na altura ainda eram só os doze — para ser o líder executivo do grupo José de Mello.

Penso muito no exemplo do meu pai. Diria que o principal é o desassombro. Era muito corajoso, muito determinado — uma locomotiva! —, muito empreendedor. Quando penso nele, penso na vontade de construir, de concretizar, de fazer mais e melhor. É isso que transporto e é algo de que gosto também muito.

Não o surpreendeu?
Não fiquei surpreendido. Achei que era uma possibilidade, entre outras — felizmente temos talento na família. Não pensei que tivesse de ser eu, consideraria a hipótese de serem outros. Mas não foi uma surpresa total, até porque gosto do que faço.

Suceder ao seu irmão Vasco, que tinha (tem) um nome, uma sólida reputação, que deixou assinatura no vosso grupo, pesou?
O meu irmão fez um trabalho excecional, respeito muito a liderança que teve à frente do grupo José de Mello. Fomos educados para servir os interesses da família, portanto encaro este meu exercício de liderança como um serviço: não só à família, evidentemente, mas aos nossos colaboradores e às nossas empresas. Não, não tive essa dificuldade, ou esse peso de suceder ao meu irmão Vasco. Tenho uma enorme honra pelo legado que transportamos, que queremos cultivar e fazer crescer. Mas esse legado, repito, vem de trás. Encaro o peso do meu bisavô, do meu avô, do meu pai e dos meus tios — não diria peso, diria responsabilidade — como uma grande oportunidade.

José Manuel de Mello, seu pai, era um homem enérgico, ousado para o seu tempo. Foi um grande empreendedor, um empresário no melhor sentido do termo. O que aprendeu? Pensa nele, por exemplo, quando toma uma decisão?
Penso muito no exemplo do meu pai. Diria que o principal é o desassombro. Era muito corajoso, muito determinado — uma locomotiva! —, muito empreendedor. Quando penso nele, penso na vontade de construir, de concretizar, de fazer mais e melhor. É isso que transporto e é algo de que gosto também muito.

Como descreve o grupo que dirige?
É um grupo de base portuguesa e familiar, com uma estrutura acionista estável, a caminho da quinta geração e com uma intervenção diversificada na economia: temos presença no setor químico, na fileira do cloro e da anilina, no tratamento de águas e também em novas fontes de energia; estamos na saúde, através da CUF, que tem uma presença no país, em hospitais e clínicas, e lidera o setor em Portugal.

Quantas unidades hospitalares são?
Temos vindo a crescer. Há cerca de vinte unidades neste momento, e vamos continuar a crescer no setor da saúde. Para além da Bondalti [empresa do setor químico] e da CUF, temos 17% da Brisa, numa parceria com um consórcio liderado por um fundo de pensões holandês, a APG, que inclui também sul coreanos e suíços. E embora com uma participação minoritária, temos presença no Conselho de Administração — do qual o meu irmão Vasco é o presidente — e temos outros administradores. Foi uma parceria estratégica feita com vista ao desenvolvimento da Brisa.

Salvador Mello entrevistado por Maria João Avillez nos estúdios do Observador

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Justamente: já lhe é possível fazer um balanço, a partir do momento em que passaram a ter uma posição minoritária na Brisa ? A parceria corre como esperavam ?
Faço um balanço muito positivo. Quando se inicia uma nova parceria, há sempre a incerteza de como ela vai correr. Temos tido um entendimento excelente, uma visão estratégica totalmente partilhada e uma equipa de gestão que tem feito um bom trabalho, liderada pelo António Pires de Lima. Estes três — a Bondalti na área química, a CUF na saúde e a Brisa na área das infraestruturas rodoviárias e da mobilidade — são os nossos principais negócios em equivalência.

Nenhum deles é maior ou mais relevante?
Não, não há nenhum mais importante do que outro. Para além dos três que mencionei, há ainda dois negócios, embora mais pequenos. Produzimos vinho, é um setor para que olhamos com interesse.

Em que zona do país?
Neste momento no Alentejo. E temos também uma atividade de residências para seniores. Tratam-se de negócios mais pequenos, mas há um ponto muito importante: queremos crescer a partir daqui, do nosso país. Quando estivemos a rever o nosso protocolo e a visão estratégica do grupo para a próxima década, um dos temas essenciais foi esse: a vontade de querermos continuar a crescer a partir de Portugal. Continuando a investir nos negócios que lideramos e que temos neste momento, queremos internacionalizar as nossas atividades a partir de Portugal e a partir daquilo que somos hoje.

A propósito de internacionalização: há uma frase vossa, uma espécie de lema do grupo, que diz “cada vez melhor, para mais pessoas, em mais lugares”. Quais lugares, como, quando?
É um processo contínuo. Já começamos a ter presença em Espanha. Na Bondalti, investimos numa fábrica na área do cloro, há cerca de três anos, comprando uma antiga fábrica do grupo Solvay, e está a correr muito bem. Investimos também no setor das águas em Espanha e abrimos recentemente um escritório em Madrid. Ou seja, o percurso de internacionalização já está a acontecer no grupo.

Tivemos que sair de Portugal em 1974, os meus pais consideraram que não havia condições de segurança para nos mantermos no país e saímos, os doze irmãos, para a Suíça. Mas o meu pai nunca desistiu de Portugal. E aliás incutiu-nos isso de forma muito clara.

Não pode adiantar mais? Citar por exemplo um projeto ou iniciativa mesmo que esteja ainda por concretizar?
Não está nada na calha. Como lhe disse, estamos a reforçar os nossos investimentos nos negócios que já temos. Na área da saúde, por exemplo, temos feito investimentos muito significativos. A abertura do hospital CUF Tejo foi um marco muito importante; anunciámos um novo hospital, em Leiria, que está em construção. Já lá tínhamos aberto uma clínica, estamos agora a construir um novo hospital. E o nosso objetivo é alargar a cobertura geográfica e chegar a cada vez mais pessoas na área da saúde.

Têm presença nas ilhas, Madeira e Açores?
Estamos em processo de adquirir um hospital nos Açores, em São Miguel.

Há pouco disse-me que os três setores se equivalem e que as coisas estão bem em qualquer deles. Insisto: o vosso ativo mais forte é a Saúde ? Ou é porque a CUF Saúde tem maior visibilidade que pode haver essa impressão?
Em termos de dimensão diria que são os três mais ou menos equivalentes. Sim, a CUF, como é um negócio que está presente no território e está ligado ao consumidor, é mais visível do que a área química, ou até a Brisa. Mas os três equivalem-se em dimensão e também em oportunidades de crescimento.

Há neste momento alguma área que apesar disso lhe cause alguma apreensão?
Vivemos num contexto global muito incerto, com enormes desafios. As coisas estão a correr bem, mas estamos inseridos num mundo de enorme incerteza e não podemos esquecer que vivemos nesse contexto: grande inflação, subida das taxas de juro, enorme incerteza geopolítica. Ninguém sabe como nem quando vai acabar a guerra na Ucrânia.

Mas ouvindo-o, fica-se com a ideia de que há uma imensa solidez no seu grupo, e passos dados com segurança. Qual a receita? Trabalho, disciplina, exemplo?
Julgo que fizemos um trabalho bem feito, no sentido da robustez do grupo. A venda da posição na Brisa, por exemplo, foi muito importante para isso. Reforçámos muito a nossa solidez financeira e hoje temos autonomia estratégica para decidir o nosso futuro: para tomar decisões e para capturar as oportunidades que estiverem ao nosso alcance. Mas nunca esquecemos que vivemos num contexto de enorme incerteza.

No passado houve mais que incerteza, houve momentos duros como as nacionalizações que em 1975, abrangeram o grupo. Lembro-me, aliás, do dr. Mário Soares um dia me ter contado que após ter formado governo procurou o seu pai e julgo que também o seu tio, Jorge de Mello, para virem falar com ele a S. Bento. Era preciso “conversar”. Subentendido: era preciso que regressassem ao país e recomeçassem. Que impressão tem da caminhada que foi preciso fazer na família para que hoje esteja aqui, a falar comigo, como presidente do grupo?
Era muito novo quando foi o 25 de Abril, tinha nove anos…

… há-de saber alguma história de família?
Sim, claro. Aquilo que me lembro de ouvir o meu pai falar foi do ano de 1976, que voltara a trazer alguma esperança a Portugal. Antes disso tinham-se passado dois anos difíceis e muito tumultuosos. Tivemos que sair de Portugal em 1974, os meus pais consideraram que não havia condições de segurança para nos mantermos no país e saímos, os doze irmãos, para a Suíça. Mas o meu pai nunca desistiu de Portugal. E aliás incutiu-nos isso de forma muito clara.

Fomos educados pelo meu pai que é no ser, e não no ter, que uma pessoa se revela. O ter é muito circunstancial: às vezes podemos ter e outras vezes não. É no ser que temos de nos focar. Fomos educados assim e portanto aquilo que gostamos de fazer é de ser, é de empreender — é na obra que nos realizamos.

Há pouco falou da “noção de serviço”.
Claramente. Uma noção de serviço. A partir de 1976, associado às eleições e ao primeiro governo liderado por Mário Soares, iniciaram-se as condições para o regresso da atividade económica a Portugal. E o meu pai, logo a partir daí, começou a empreender de novo e a ter novas iniciativas em Portugal. Não tenho conhecimento concreto desse encontro, mas imagino que possa ter acontecido, e associo-o a esta vontade do pai de querer voltar a Portugal, de nunca ter desistido de Portugal. E de logo a partir de 1976/77, ter reiniciado atividade em Portugal, comprando algumas empresas e formando outras. Lembro-me, por exemplo, de por volta de 1977, o meu pai comprar umas empresas no norte de Portugal, já na altura ligadas ao setor químico, e outras no setor têxtil; lembro-me da constituição de uma sociedade financeira, a MDM (Mello-Deutsche-Morgan), uma parceria entre o meu pai, o Deutsche Bank e o Morgan. Algumas dessas iniciativas correram bem, outras correram mal. O têxtil correu muito mal, e hoje não temos qualquer atividade nesse sector. E o investimento na área química acabou por resultar, de certa forma, naquilo que é hoje a Bondalti.

Há uma frase que costumam dizer: “A nossa história, já com 100 anos, foi feita de resiliência e adaptabilidade”. Ainda há pouco dizia que tiveram de se adaptar àquilo que pedem os tempos e à evolução das sociedades, da vida e do mundo. Para trás, além da noção de serviço que assume e em que afirma ter sido formado, que mais houve na vossa formação? Alguém os preparou para a adversidade que pode ter sido a nacionalização do vosso grupo económico?
Diria que sim. E diria sobretudo que fomos educados pelo meu pai (e pela minha mãe, que foi uma figura essencial na nossa educação e formação) que é no ser, e não no ter, que uma pessoa se revela. O ter é muito circunstancial: às vezes podemos ter e outras vezes não. É no ser que temos de nos focar. Fomos educados assim e portanto aquilo que gostamos de fazer é de ser, é de empreender — é na obra que nos realizamos.

Como é avançar, crescer e inovar num país que está a recuar? Completando a pergunta, havia uma coisa que caracterizava muito o seu pai: intervinha, fazia ouvir a sua voz, a sua crítica. Não me lembro de ter ouvido muito — ou o suficiente — o seu irmão, Vasco de Mello, quando presidia ao grupo, nem o oiço muito a si hoje a falar, intervir, criticar. Não lhes parece que Portugal recua enquanto vocês avançam?
O país tem problemas muito sérios e um dos principais é uma enorme falta de ambição. Essa falta de ambição tem a sua primeira responsabilidade nos políticos e no governo. Portugal, de facto, satisfaz-se com pouco, tem vindo a empobrecer — e não podemos ficar satisfeitos com isso. Falta-nos um desígnio estratégico para sairmos do estado em que estamos, e diria que a primeira responsabilidade é de facto do governo, que tem condições únicas para reformar e apresentar uma ambição e um desígnio ao país. O que não o vemos fazer. É evidente que a sociedade civil também tem responsabilidade.

Exatamente, e eu estou a falar com um membro proeminente da sociedade civil.
Nós todos elegemos os políticos que nos governam, e naturalmente que temos todos responsabilidade nisso, mas Portugal, nas últimas décadas, tem seguido um modelo económico que, comprovadamente, é errado e não leva à prosperidade.

O que é que considera “as últimas décadas”? Desde que começou a Democracia? Desde o pós-Cavaco Silva?
Diria nas últimas duas décadas, enfim, com altos e baixos, mas temos tido um modelo económico errado, que não traz o desenvolvimento e a prosperidade e a riqueza que os portugueses merecem.

Temos Estado a mais, temos um nível de impostos que nem é possível nem é sustentável. É mesmo um desincentivo ao investimento e ao trabalho. E diria também que o nosso serviço público não corresponde aos impostos cobrados. Repito: o nosso modelo económico está errado.

Se lhe coubesse agora a responsabilidade de colaborar, ou mesmo de liderar, o pensamento estratégico de um novo modelo económico, qual era a sua prioridade?
Produzir riqueza em Portugal. Temos um modelo muito baseado na distribuição de rendimentos e menos na produção de riqueza. É necessário o contrário: um modelo mais baseado na produção de riqueza do que na distribuição. Não estou a dizer que a distribuição não é importante — digo até que é indispensável. Mas não se consegue distribuir aquilo que não se produz. Ou então começa-se a distribuir cada vez menos e com uma base cada vez mais pequena.

Está a falar da necessidade de uma maior e mais ativa atenção à atividade económica privada e ao empresariado?
Estou. Temos Estado a mais, temos um nível de impostos que nem é possível nem é sustentável. É mesmo um desincentivo ao investimento e ao trabalho. E diria também que o nosso serviço público não corresponde aos impostos cobrados. Repito: o nosso modelo económico está errado. São precisas reformas profundas que permitam ao país produzir mais, atrair investimento, atrair indústria para Portugal. Claro que é muito bom o setor do turismo ter um desempenho tão positivo, mas necessitamos da capacidade de criar outra especialização, não viver apenas do turismo e dos serviços. A indústria é absolutamente crítica para o futuro de Portugal.

Há uns anos a palavra “indústria” ressoava de outra maneira, significava uma realidade forte, mas hoje…
Hoje não se pode falar de indústria com escala. É preciso uma muito maior aposta nas empresas e um contexto mais favorável ao seu ganho de escala. Falamos muitas vezes nas grandes empresas, mas em Portugal ainda são mal vistas e pouco apoiadas, quando afinal são elas que têm a capacidade de pagar melhores salários, de trazer mais inovação, exportar mais e melhor. Insisto: precisamos de escala e de incentivos ao ganho de escala às empresas para podermos competir internacionalmente. Passando a fronteira, as grandes empresas portuguesas, mesmo as maiores, são pequenas ou médias empresas à escala europeia. São precisos incentivos e políticas públicas que apoiem as empresas a ganhar essa escala e a competir internacionalmente. Mais: atrair investimento, e investimento produtivo, parece-me absolutamente crítico.

Atrair investimento não tem sido uma prioridade? Não tem sido “tratado”?
É aí que digo que temos um modelo económico errado, muito baseado no curto prazo. Não há uma orientação de longo prazo para que Portugal seja um país mais competitivo e capaz de gerar mais riqueza. Só essa produtividade e essa riqueza permitirão pagar melhores salários e continuar a reter talento em Portugal.O talento jovem está a sair do país. É preciso uma visão de médio e longo prazo, e não tão de curto prazo. E é preciso um modelo económico diferente.

Já lhe ocorreu, por exemplo, pegar num telefone, pedir uma chamada para o primeiro-ministro e convidá-lo para almoçar para “conversarem”? O dr. Mário Soares convidou o seu pai, percebeu que o país precisava dele. Salvador de Mello convidaria António Costa para lhe manifestar o que o país precisaria que ele fizesse?
Penso que o primeiro-ministro sabe muito bem o que as empresas e os empresários pensam. Não é por falta de conhecimento e de informação.

Então, na sua opinião, porque é que o chefe do Governo não os ouve ou pouco ouve? Porque não cabem no seu modelo governamental? Por razões ideológicas? Por escolha de alguém cujo Governo até já não depende de comunistas e radicais?
Vou responder-lhe de forma diferente: há condições para que o modelo seja diferente, assim haja vontade política para que o seja.

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

O que lhe estou a perguntar é a que atribui que não haja essa vontade?
Há uma orientação diferente da que lhe estava a referir. O modelo que defendo não é o privilegiado.

Dois modelos que chocam?
Sim. Há um choque de modelos que tem impedido que Portugal cresça de forma sustentada. Andamos muitas vezes satisfeitos porque estamos uma décima acima da média europeia — o nosso problema não é de décimas, é muito mais significativo. Nos últimos vinte anos crescemos a 1% ao ano, quando deveríamos estar a crescer a 3 ou 4% para poder, de facto, fazer a diferença e a aproximarmo-nos do nível de vida dos melhores países da Europa. Há um desígnio que me parece importante, uma ambição, que é Portugal crescer ao nível dos melhores crescimentos europeus.

Uma prova concreta desse choque foi o fim das parcerias público-privadas (PPP) na área da saúde, um sector que conhece bem?
É muito evidente que, nesse caso concreto, se seguiu um caminho ideológico ao pôr fim às PPP na saúde com resultados que são mais do que evidentes. Tínhamos tido resultados muito positivos, em qualidade e poupança para o erário público, e foi possível a hospitais que não tinham um desempenho positivo passarem a tê-lo ao nível dos melhores do país. O que levou ao fim das PPP foi um tema ideológico. Uma escolha.

Uma vez que o primeiro-ministro é o mesmo há sete anos, e que o país tem crescido muito pouco, é possível que um dia pessoas como Salvador de Mello e outros protagonistas da sociedade civil tomem uma atitude pública mais forte, que façam ouvir a sua voz?
O nosso papel é de empresários…

… portugueses.
Somos portugueses e estamos a fazer muita coisa por Portugal nas atividades que desenvolvemos. E sempre o fizemos. Investimos em Portugal de forma muito significativa: nos últimos cinco anos investimos mais de 850 milhões de euros nas diversas atividades e iremos continuar a investir no país. Naturalmente que gostaríamos de ter um país mais favorável ao investimento e à criação de emprego, mas fazemos aquilo que nos compete, que é desenvolver as nossas atividades empresariais. Não somos políticos — temos obviamente um dever de cidadania, e exercemos esse dever de cidadania a diversos níveis. Somos um dos membros fundadores do Business Roundtable Portugal (BRP)…

Mas também pouco se ouve sobre a criação desse grupo e dos seus objetivos.
Mas vai ouvir-se, vai. Haverá uma conferência, dia 20 de março, em que o BRP irá, no fundo, discutir o modelo de crescimento para Portugal. Estão a ser feitas muitas coisas, em três pilares: o pilar das qualificações das pessoas, que é absolutamente crítico para atrair e reter talento em Portugal; o das empresas, para que as empresas possam ter condições para se desenvolver; e o do Estado, onde também é preciso e necessário reformas, para que tenhamos um Estado mais eficiente, ao serviço da população e das empresas. Exercemos a nossa cidadania de forma muito clara. O BRP é apenas um exemplo.

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