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Sem as mulheres, Donald Trump não é nada

Emmy reza todas as noites para que Trump perca. Tiffany jura que ele respeita as mulheres. E Risslah deixou de desculpá-lo. As sondagens dizem que Donald Trump vai perder graças às mulheres.

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Foi como daquelas vezes em que um filme inofensivo cortou inesperadamente para uma cena sexo escaldante, obrigando a família a assistir ao deboche alheio como se nada se passasse. Foi mais ou menos isso que Emmy Brien, de 20 anos, sentiu quando viu pela primeira vez, e ao lado dos pais, o vídeo em que Donald Trump se gabava de tocar nas partes íntimas de mulheres sem permissão. Estavam todos juntos, num agradável serão de família, a aproveitar o facto de Emmy ter voltado da universidade naquele fim-de-semana, até que, de repente, um homem que quer ser Presidente dos EUA diz com um ar fanfarrão que agarra as mulheres pela…

… não é preciso repetir, pois não?

“Ficámos em choque”, recorda Emmy, ao Observador, numa entrevista por telefone. “Era inacreditável. Eles censuraram as palavras, por isso tivemos todos de usar a nossa imaginação. A sério, estar com os meus pais e ver aquele homem, que pode ser o nosso líder, a dizer uma coisa daquelas é muito desconfortável.”

A família de Emmy é extremamente religiosa e conservadora — e, por isso, sempre votou no candidato presidencial do Partido Republicano. É andar para trás no tempo e ver que não falharam nenhum. Mitt Romney, John McCain, George W. Bush, Bob Dole, George H. W. Bush, Ronald Reagan… Sempre. Por isso, nunca lhe passou pela cabeça não votar noutra opção senão a escolha do Partido Republicano nas suas primeiras eleições presidenciais. Mas, depois, apareceu Donald Trump (que na madrugada desta quinta-feira, às 02h00, enfrenta Hillary Clinton no terceiro e último debate antes das eleições presidenciais de dia 8 de novembro).

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“A minha opinião sobre Donald Trump foi sempre a mesma, já desde os tempos em que ele era um homem de negócios, quando passou a ter um reality-show, ou quando entrou na política. Em todas estas fases, eu nunca estive com ele”, garante, para depois usar o seu principal argumento: a religião. Emmy é evangélica e estuda na Liberty University, no estado da Virginia. Além de ser conhecida por ser a maior universidade cristã do mundo, e uma das mais conservadoras dos EUA, é também um ponto de peregrinação indispensável para qualquer candidato republicano, que esteja seriamente empenhado em vencer as primárias do seu partido — Trump passou por lá, claro, em janeiro.

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Emmy Brien, 20 anos, estuda psicologia na Liberty University, uma das mais conservadoras dos EUA

Desde essa altura, Emmy foi ganhando razões para não apoiar Donald Trump. À noite, antes de se deitar, reza pelo seu país. “É a única coisa que posso fazer com todas as preocupações que eu tenho. Eu sei que Deus está a controlar tudo nesta nação e no fim tudo estará por sua conta. Tenho de confiar inteiramente em Deus para trazer toda a glória até Ele nestas eleições”, diz. Ou seja, evitando uma vitória de Trump. Algo que Emmy já está pronta para aceitar: “Se ele ganhar eu vou continuar a rezar a Deus e toda a minha glória será para Ele. Ele vai tornar tudo melhor, no final”. Por “Ele” entenda-se Deus, e não Donald Trump.

Até porque, para Emmy, Deus e Donald Trump são dois conceitos demasiado distantes. “Como republicana, é muito difícil sequer pensar que alguma vez estaria do lado de Trump. E como cristã, ainda mais. Sempre o vi do lado mau, sem se preocupar com os outros, sempre a olhar apenas por ele. Eu não confio nele. Porque ele não tem respeito por ninguém. Pelas mulheres, pelas minorias, por ninguém”, queixa-se. “Nós precisamos de alguém que nos ame e que se preocupe connosco, independentemente da maneira como eles se aparentam, de onde são ou da profissão que têm. Como cristã, isso é importantíssimo para mim.”

"Como republicana, é muito difícil sequer pensar que alguma vez estaria do lado de Trump. E como cristã, ainda mais. Sempre o vi do lado mau, sem se preocupar com os outros, sempre a olhar apenas por ele. Eu não confio nele. Porque ele não tem respeito por ninguém. Pelas mulheres, pelas minorias, por ninguém."
Emmy Brien, 20 anos, estudante de psicologia na Liberty University

Depois de ter tomado a decisão de não apoiar Donald Trump, Emmy ainda não decidiu em quem é que vai votar. E, aqui, a cruz pode muito bem cair no nome de Hillary Clinton. “Eu tenho lutado muito com esta questão e tenho tentado procurar as respostas às minhas perguntas com Deus, para tentar perceber isto tudo”, começa por dizer. “Ela não é republicana, está longe de ter as nossas ideias, mas eu olho para esta questão do ponto de vista militar. Nesse campo, ela tem muito mais experiência e cabeça fria do que Donald Trump, que é alguém que simplesmente não pode ter acesso aos códigos nucleares.”

A guerra dos sexos

Emmy Brien não é um caso isolado. No meio de todas as incertezas que hoje pautam a política norte-americana, são cada vez mais as mulheres que têm pelo menos uma certeza: em Donald Trump não votam.

O resultado prático disso foi sublinhado por Nate Silver, jornalista especializado em análise de sondagens e diretor do site FiveThirtyEight — isso, o site que nas presidenciais de 2008 acertou nas previsões do vencedor em 49 dos 50 estados do país; e que em 2012 fez o pleno. Depois de ter juntado todas as sondagens onde o sexo dos inquiridos era considerado, Nate Silver partiu o eleitorado em duas metades: homens e mulheres. E, depois, tentou perceber como é que seriam os resultados das eleições se apenas uma daquelas metades votasse.

Ora, se o voto fosse apenas permitido às mulheres, o país seria praticamente todo azul — isto é democrata, ou seja, por Hillary Clinton, que seria eleita com extrema facilidade. Além dos estados onde o domínio do Partido Democrata é óbvio — Califórnia, Nova Iorque, Massachusetts, entre outros —, Hillary Clinton também venceria em estados que nas últimas décadas têm sido fortalezas inquestionáveis do Partido Republicano, desde o gigante Texas até aos menos conhecidos e habitualmente conservadores Kansas, Montana ou South Dakota.

Porém, o outro lado da moeda também aponta uma conclusão clara: se apenas votassem os homens, o país escolheria predominantemente Donald Trump para ser o 45º Presidente dos EUA. Além das fortalezas republicanas, o magnata nova-iorquino também sairia vitorioso de estados como o Michigan e a Pennsylvania, ambos democratas desde 1992, e até o Minnesota, onde o Partido Democrata vence desde 1960, com a única exceção das eleições de 1972.

Na verdade, nada disto é relativamente novo — desde as eleições de 1996 que as mulheres votam maioritariamente no candidato democrata e os homens escolhem o Partido Republicano simultaneamente. A única exceção entre as últimas cinco eleições é a de 2008, em que Barack Obama conseguiu mais 1% dos homens do que John McCain.

Mas foi nas eleições seguintes, de 2012, que o eleitorado feminino conquistou um nível de protagonismo que até então não tinha tido numas eleições norte-americanas. Naquele ano, e depois de um rol de tiradas controvérsias — desde as mais inofensivas até às que tocavam em temas como a violação, o aborto e a contraceção — o candidato republicano Mitt Romney e outros conservadores foram acusados pelos democratas de estarem a fazer “A Guerra Contra As Mulheres”.

No dia das eleições, tudo isto se virou de forma irreversível contra os republicanos. É verdade que conseguiram o voto dos homens, com Romney com mais 7% do que Obama. Já do lado das mulheres, Obama ficou à frente com 8% de vantagem. A diferença pode parecer pequena, mas ganha outra dimensão quando se olha para os números da participação eleitoral. É que naquele ano, 47% dos eleitores eram homens e 53% eram mulheres. Logo, Obama venceu por 4%.

Em 2012, Barack Obama ganhou as eleições graças aos votos das mulheres

JIM WATSON/AFP/GettyImages

Ora, em 2016, fazendo fé nas sondagens, e em Nate Silver, a mesma realidade vai repetir-se nestas eleições. Mas com uma diferença importante — a escala poderá ser muito maior.

É que se Romney venceu nos homens com 7%, Trump fá-lo-á apenas com 5% de vantagem. E se Obama ganhou junto das mulheres com 8%, Clinton poderá fazê-lo com 15% de vantagem. “É essa a diferença entre umas eleições renhidas — como se lembram, as sondagens nacionais no final das eleições de 2012 mostravam uma corrida ombro a ombro — e umas eleições que estão a assemelhar-se cada vez mais a um estrondo”, escreveu Nate Silver a 11 de outubro, sobre sondagens cujas previsões até hoje tem sido reforçadas. Atualmente, o modelo do FiveThirtyEight atribui 87,6% de probabilidade a uma vitória de Hillary Clinton, contra 12,4% para Donald Trump. A ajudar está o facto de a democrata ter uma vantagem de 7% sobre o seu adversário e de ter as contas cada vez mais facilitadas em estados cruciais como a Pennsylvania, a Carolina do Norte, a Florida e o Ohio.

Entretanto, os apoiantes mais acérrimos de Donald Trump no Twitter já criaram o hashtag #RepealThe19th. Ou seja, a pedir a abolição da 19ª emenda da Constituição, que consagra desde 1920 o direito das mulheres ao voto.

Em média, as sondagens prevêem uma vantagem de 15% para Hillary Clinton entre o eleitorado feminino

LOGAN CYRUS/AFP/Getty Images

“Não é uma questão de género, é uma questão de caráter”

Para Elizabeth Simas, professora de ciência política na University of Houston, que se debruça sobre o comportamento eleitoral e o papel do género nas eleições, diz ao Observador que Donald Trump está a falhar “porque ignora conceitos básicos das campanhas políticas tradicionais”. Um destes, explica numa entrevista por telefone, é o de que “nunca se pode excluir setores alargados da população”. Para ilustrar este ponto, a académica recorda várias declarações polémicas de Donald Trump sobre imigrantes mexicanos, muçulmanos ou sobre uma família de origem paquistanesa, e de fé islâmica, cujo filho morreu no Iraque ao serviço do exército dos EUA.

Até aqui, Donald Trump conseguiu a antipatia de grande parte de alguns setores de reduzida importância eleitoral, como os muçulmanos (0,9% da população), ou outros em clara expansão, especialmente os latinos, ou hispânicos, que em 2015 já representavam 17,6 da população norte-americana.

Pelo meio, o candidato republicano foi também atingindo algumas mulheres, abrindo alas para que fosse hostilizado por vários setores entre o público feminino — que compõe 53% do eleitorado e 50,8% da população. Só nesta campanha, as polémicas com mulheres começaram com a jornalista da Fox News, Megyn Kelly, e foram até à ex-miss Universo de 1996, Alicia Machado. E, enfim, ficou conhecido o vídeo que fez Emmy Brien e a sua família passar um dos serões mais desconfortáveis de que têm memória, ao qual se seguiram múltiplas denúncias de mulheres que dizem ter sido abusadas por Donald Trump.

“Isto vai muito para lá de ser uma questão de género, isto agora é apenas uma questão de caráter”, diz Elizabeth Simas. “Em 2012 estávamos a falar dos temas, discutiu-se muito o aborto, a contraceção… Agora não. Agora estamos a falar da personalidade dele”, explica, referindo-se a Donald Trump.

É mesmo esse o tema de conversa no campus da Liberty University, de Emmy Brien, onde um grupo se insurgiu contra Donald Trump e contra o presidente da universidade, Jerry Fallwel Jr..

"Nós não queremos defender Donald Trump, nós apenas queremos ser defensores de Cristo."
Comunicado de grupo de estudantes anti-Trump da Liberty University

Depois do vídeo de Donald Trump ter sido conhecido, Jerry Fallwel Jr. não retirou o seu apoio público ao candidato republicano, acabando por dizer que “somos todos pecadores” e que “nunca vamos ter o candidato perfeito a não ser que Jesus Cristo concorra”. Em reação, um grupo de estudantes juntou-se para se demarcar da posição do seu presidente, sublinhando que o apoio a Trump era uma opção dele e não da universidade. “Enquanto o nosso presidente convenceu o mundo de que a Liberty University apoia Donald Trump, nós estudantes temos de tornar claro que Donald Trump é o oposto daquilo em que acreditamos e não tem o nosso apoio”, escreveram em comunicado. “Nós não queremos defender Donald Trump, nós apenas queremos ser defensores de Cristo.”

O movimento foi lançado no dia 12 de outubro. Até dia 18, num universo de 15 mil estudantes, 3200 já assinaram por baixo daquela declaração. Emmy Brien foi uma das primeiras pessoas a dar o nome. “Eu não queria que nós fôssemos rotulados como apoiantes de Trump”, explica a estudante de psicologia de 20 anos. “Como as coisas estão agora, se virem um carro com um autocolante da Liberty University, as pessoas vão logo achar que o condutor é apoiante de Trump”, queixa-se. “E isso é uma coisa horrível.”

A porta de dormitório pró-Trump

Neste caso, a vergonha de uns é o orgulho de outros. Se as sondagens demonstram que as mulheres, sobretudo as jovens, não apoiam Donald Trump, Tiffany Boguslawski é uma das exceções a esta regra estatística. Aos 18 anos, esta estudante de ciências ambientais da Loyola University, de Chicago, identifica-se ao Observador como “uma forte apoiante de Donald Trump”. Para entender isso, basta ver a porta do quarto que divide com a sua colega, também ela uma apoiante do candidato republicano. No início de outubro, para contrariarem a tendência liberal do campus da universidade, decidiram fazer da porta do seu quarto um monumento anti-Clinton e pró-Trump.

“O Grande Governo É Uma Treta”, “Vai, Trump” e outros dizeres foram colados na porta. No meio, deixaram um envelope aberto. Traduzido, e adaptado à realidade portuguesa, diz algo como: “Ponham o cheque do Rendimento Social de Inserção aqui”. Depois de terminarem as colagens, alguém lhe juntou, à socapa, umas quantas fotografias da candidata democrata. Tiffany acredita que foi um gesto provocatório, mas acabaram por deixá-las estar. “Nós é que nos ficámos a rir, porque ela ficou mal na maior parte das fotografias, portanto não as tirámos”, diz. “São engraçadas.”

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Poucos dias depois de Tiffany ter dado a conhecer as suas posições políticas através da sua porta, o polémico vídeo de Donald Trump em 2005 foi divulgado. A estudante estava precisamente dentro daquele quarto quando o viu pela primeira vez. “Fiquei desiludida”, admite. “Acho que para se ser um eleitor consciente é preciso sabermos admitir quando o nosso candidato erra. E o que ele disse é errado e eu nunca vou concordar com aquilo.”

Mas há sempre um “mas” e este é o “mas” de Tiffany: “Mas isso nunca me fez ponderar o meu voto”. Até, porque, segundo Tiffany, “Trump respeita as mulheres”. Até porque, como explica a estudante de 18 anos, “ele contrata-as para as posições mais altas na sua empresa e a diretora de campanha dele é uma mulher”. E fazendo uso do argumentário do próprio Donald Trump, responde: “Se queremos falar de alguém que não respeita as mulheres, então devemos começar a falar de Bill Clinton, que durante o tempo em que foi Presidente traiu a mulher várias vezes e foi acusado de violar várias mulheres”.

"Se queremos falar de alguém que não respeita as mulheres, então devemos começar a falar de Bill Clinton, que durante o tempo em que foi Presidente traiu a mulher várias vezes e foi acusado de violar várias mulheres".
Tiffany Boguslawski, 18 anos, estudante de ciência ambientais na Loyola University

Ainda assim, não é disso que Tiffany quer falar. “Eu quero falar dos temas que importam”, refere, elaborando de seguida uma lista de prioridades de Donald Trump que ela partilha: “A imigração, o terrorismo, a segurança nacional e a nossa economia”. Para Tiffany, é isso que interessa. “Não estou a dizer que as questões de género não são importantes”, salvaguarda. “Mas temos de ir mesmo para os temas que interessam.”

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Tiffany Boguslawski

A verdade é que o ciclo noticioso não tem ajudado Donald Trump. A relação do republicano com as mulheres já tinha sido tema de especial menção no final do primeiro debate presidencial, a 26 de setembro, com Hillary Clinton a acusar o seu adversário de ter chamado “porca”, entre outros impropérios, a uma ex-miss Universo, depois de ela ter engordado. A 8 de outubro, quando esta mini-polémica já tinha sido praticamente apagada, e a dois dias do segundo debate, o Washington Post divulgou o polémico vídeo de 2005. Desde então — e com um pedido de desculpas imediato de Trump, que mais tarde negou ter feito as coisas de que se gaba no vídeo — várias mulheres divulgaram histórias onde contam terem sido vítimas de violação ou de assédio sexual por parte de Donald Trump.

Tiffany desvaloriza estas denúncias. “Só acredito nestas histórias quando os candidatos falam delas”, justifica. “Ainda noutro dia havia por aí alguém a dizer na internet que tinha um vídeo do Bill Clinton a violar uma rapariga de 13 anos. Eu não acredito enquanto não vir. E rezo para que nada seja verdadeiro, tanto de um lado como do outro”, acrescenta. E torna a lamentar o estado do debate: “O nosso país está a discutir o que é o Trump e o Bill [Clinton] fazem e deixam de fazer a mulheres. Isto irrita-me”.

“O meu irmão também é um porco misógino da pior espécie, mas…”

Já Risslah Andrews-Nich, dona de casa de 36 anos e apoiante de Donald Trump desde o primeiro momento, quer falar da gravação de Donald Trump. Até porque, para lá daquilo que encontra de reprovável naquela conversa de há 11 anos, Risslah só vê pontos a favor do homem que Donald Trump é hoje, em 2016.

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Risslah Andrews-Nich é apoiante de Donald Trump desde o primeiro dia de campanha. Mas agora pode estar a mudar de ideias sobre o seu candidato.

“Se Trump pedir desculpas, se for honesto e humilde sempre que magoar alguém ou cometer falhas, se quando as suas palavras forem ofensivas ele souber que tem um lado duro e um lado suave, mas sem ser politicamente correto, então ele é o meu Presidente”, resume ao Observador por telefone, a partir de Lafayette, no Indiana. “Ele sabe que esteve mal e admitiu isso mesmo. Isso é honestidade!”

Quando viu a gravação, Risslah lembrou-se imediatamente do irmão. “Eu defendi logo o Trump porque reconheci nele o meu irmão, que também é um porco misógino da pior espécie”, disse. “Mas o meu irmão, mesmo sendo o porco misógino que é, nunca iria admitir que alguém me magoasse. Se alguém se puser no meu caminho, ele vai magoá-los à séria. E para mim Trump é precisamente isso. Ele não vai deixar que ninguém se meta à frente dos americanos.”

Risslah desfia ideias a um ritmo alucinante, apenas abrandando quando os pós que enchem os ares do Indiana durante a colheita de soja a obrigam a tossir de forma demorada. Quando falou com o Observador, estava ainda a recuperar de uma sinusite que a obrigou a ficar de cama e a reduzir a sua atividade ao mínimo. Durante um par de dias, não viu televisão (o canal preferido é a Fox News) nem leu notícias (costuma informar-se no jornal digital Breitbart, do qual o diretor executivo da campanha de Donald Trump foi diretor, e no InfoWars) e nem passou pelo Twitter, onde costuma partilhar informações com outros seguidores acérrimos do candidato republicano.

"O meu irmão, mesmo sendo o porco misógino que é, nunca iria admitir que alguém me magoasse. Se alguém se puser no meu caminho, ele vai magoá-los à séria. E para mim Trump é precisamente isso. Ele não vai deixar que ninguém se meta à frente dos americanos."
Risslah Andrews-Nich, 36 anos, dona de casa

Refeita da tosse, atira críticas aos Clinton. “Eles é que têm feito mal às mulheres deste país”, começa. “O Bill Clinton anda nisto há muito tempo. Eu estava no 6º ano quando fui obrigada a ver a tomada de posse dele”, recorda a mulher de 36 anos. “Durante este tempo todo, tem feito mal a muitas mulheres. E Hillary Clinton só tem feito a vida dessas mulheres um inferno”, diz, referindo-se indiretamente a Monica Lewinsky, com quem Bill Clinton teve um caso durante o seu segundo mandato e que foi consumado dentro das paredes da Casa Branca; e às três mulheres que publicamente acusam o 42º Presidente dos EUA de violação e assédio sexual: Juanita Broaddrick, Kathleen Willey e Paula Jones. “Eu posso dizer uma coisa com toda a certeza: uma mulher de classe não humilha outra mulher de maneira absolutamente nenhuma”, garante.

“Temos de perceber uma coisa aqui: é que Donald Trump disse palavras, Bill Clinton agiu”, disse Risslah, parafraseando o pedido de desculpas que o candidato republicano fez de forma quase imediata a seguir ao lançamento do vídeo de 2005. “E o Donald Trump disse claramente no debate que nunca tinha feito nada daquilo que disse naquele vídeo, que era apenas conversa de balneário.”

Entre os convidados de Donald Trump para o segundo debate presidencial, estiveram as três mulheres que acusam Bill Clinton de violação

PAUL J. RICHARDS/AFP/Getty Images

Até hoje, nem Bill Clinton nem Donald Trump foram condenados por assédio sexual ou violação. Destes dois homens, o mais perto que algum deles esteve de sê-lo foi Bill Clinton, que foi formalmente acusado por Paula Jones. Depois de um juiz de instrução não dar seguimento ao caso, que na altura já levava quatro anos, a queixosa interpôs um recurso. O caso ficou encerrado sete meses depois, em novembro de 1998, com um acordo extra-judicial, no qual o então Presidente se comprometia a pagar 850 mil dólares a Paula Jones mas onde sublinhava que as suas acusações era “infundadas”.

Além deste caso em particular — que, strictu sensu, nem pode ser chamado um caso de tribunal porque nunca lá chegou — Bill Clinton e Donald Trump têm sido alvo de várias acusações de violação e assédio sexual. Por isso, perguntamos a Risslah porque é que valoriza as acusações contra Bill Clinton ao mesmo tempo que não faz caso das três mulheres que, depois do segundo debate presidencial, acusaram publicamente Donald Trump de ter abusado delas.

Do outro lado da linha, apenas silêncio. Nem tosse, nem voz, nada. Até que Risslah responde: “Estou em choque. Estou perplexa. Ainda não tinha ouvido falar disso”. Disso, isto é, das acusações contra Donald Trump, que se seguiram ao debate. Bastaram dois dias de cama e sem acesso ao mundo exterior para que Risslah perdesse o fio à meada dos escândalos desta campanha ímpar. “Estou chocada, chocada, chocada”, vai dizendo.

"É uma traição. É como se um homem me tivesse dito 'amo-te muito, quero casar contigo e estar contigo até ao fim da minha vida' e depois no dia seguinte quando vamos à casa de banho vemos que a escova de dentes dele desapareceu."
Risslah Andrews-Nich, 36 anos, dona de casa

1 ano, 3 meses e 28 dias. É a conta final do tempo que passou entre o anúncio de candidatura de Donald Trump e a data em que o Observador falou com Risslah. Durante esse período, esta dona de casa de 36 anos tinha a certeza de que ia votar no magnata nova-iorquino. Porém, bastou ficar a par das acusações de violação contra Donald Trump para mudar de ideias, praticamente um ano e meio depois.

“Agora consigo perceber porque é que tantas pessoas se sentem traídas neste momento”, diz, ainda com o tom de quem ainda está a encaixar as notícias mais recentes. “Quer dizer, ele disse à frente de toda a gente que não fez nada daquilo, mas agora aparecem essas mulheres?… É uma traição”, refere. “É como se um homem me tivesse dito ‘amo-te muito, quero casar contigo e estar contigo até ao fim da minha vida’ e depois no dia seguinte quando vamos à casa de banho vemos que a escova de dentes dele desapareceu.”

E agora? Vai deixar de votar em Donald Trump?

“Muito provavelmente já não voto nele”, aventa. “Na Hillary não voto, de certeza. Mas assim também não voto nele. Acho que vou ficar em casa e… pronto, fico em casa.”

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