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Samuel Marques foi o autor do pontapé que valeu a Portugal a primeira vitória de sempre num Mundial de râguebi

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Samuel Marques foi o autor do pontapé que valeu a Portugal a primeira vitória de sempre num Mundial de râguebi

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Um raio-x ao râguebi português depois do histórico Mundial: o que falta aos Lobos para terem um futuro melhor

Reter os boomers, levar o râguebi às escolas, subir o nível das competições internas, expandir a modalidade além de Lisboa, mais jogos contra seleções de topo: eis o caminho após a campanha em França.

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O cenário em que a Seleção Nacional de râguebi aterrou em Lisboa não estava preparado para a quantidade de gente que esperava os jogadores. Entre a multidão frenética encontrava-se a mulher de Francisco Bruno, acompanhada pelo filho. Caetano, nome do bebé, tem dois meses e o nascimento foi planeado pelos pais para acontecer antes de os Lobos partirem para o Mundial. “O pai esteve três dias com ele e foi para França. Agora, já sorri, já interage”, disse a mãe, Sofia Revés, depois de o marido ter sacrificado a vida pessoal para jogar nove minutos no palco dos sonhos.

O regresso dos Lobos a Portugal dá-se depois de três meses e meio entre os quais se dividiu a preparação e a fase de grupos do Mundial. Os jogadores “trabalharam da mesma forma que os profissionais, a diferença é que os amadores não descansam depois”, disse o presidente da Federação Portuguesa de Râguebi, Carlos Amado da Silva. Alguns dos internacionais portugueses continuam a não viver exclusivamente do râguebi e a ter que se desdobrar entre o desporto e o trabalho que lhes garante a sobrevivência. Durante o período em que se dedicaram apenas à modalidade, os jogadores não profissionais, além dos sacrifícios que afetam a vida pessoal, abdicaram dos seus salários. “Os jogadores põem em risco a carreira, porque se podem magoar”, reconheceu o dirigente.

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Portugal festejou de forma efusiva a primeira vitória de sempre num Mundial contra Fiji por 24-23

AFP via Getty Images

Portugal alcançou no Mundial de 2023 a melhor prestação de sempre na competição. Não foi inédita a presença do Lobos no maior certame do râguebi, mas na primeira vez que isso aconteceu a modalidade não aproveitou para crescer mesmo quando parecia ter todos os ingredientes reunidos para esse salto. Apesar de tudo, muitos dos jogadores que estiveram presentes em França e conseguiram a vitória inédita contra Fiji foram inspirados pela geração que em 2007 tinha disputado a prova (no caso de Jerónimo Portela, seguiu os passos do pai, Miguel). Os boomers do râguebi nacional conseguiram superar os antecessores, mas, 16 anos depois, as condições não mudaram substancialmente e, por isso, é altura de pensar no futuro.

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Jerónimo Portela, o herdeiro de 2007 que foi homem do jogo no dia em que superou o pai

Mundial de 2007, o ensaio para que os erros do passado não se repitam

Para que a primeira vitória de sempre num Mundial não seja apenas uma folha que cai no colo mas deixa a árvore vazia, há trabalho a fazer em relação ao desenvolvimento da modalidade. Vasco Uva, capitão da Seleção em 2007, ano da primeira participação nacional na competição, disse ao Observador que é necessário aprender com o passado. “Em 2007, houve um incremento no número de jogadores. Se calhar, os clubes é que não estavam preparados para um boom tão grande e não se souberam organizar. Aprendemos com os erros, passaram 16 anos. Os clubes e a Federação têm que dar a possibilidade de não perdermos nenhuma oportunidade. Temos que conseguir ao máximo tirar partido disto, apostar nos clubes, apostar nos jogadores para que consigamos passar de 6.000 atletas inscritos para 15.000 ou 20.000 no mais curto espaço de tempo possível”.

Vasco Uva refere dois aspetos que diz serem “fundamentais” para esse desenvolvimento. Primeiro, as infraestruturas, pois considera que “existem poucos campos de râguebi em Portugal”; depois, a formação para que os jovens “consigam ganhar as bases para serem bons jogadores”, sendo que “à Federação se pede uma estratégia e organização para o râguebi nacional”. Tomaz Morais, treinador em 2007, alinha na visão do antigo pupilo. “O que é que não se conseguiu fazer? Aquilo que é mais difícil, que é a massificação do jogo e, ao mesmo tempo, o aumento das infraestruturas. O jogo de râguebi é um jogo em campo aberto, joga-se no mesmo espaço que se joga futebol e é muito complicado fazer-se”, apontou o antigo selecionador. “Esse é o grande desafio, aumentarmos a prática, aumentar o número de jogadores. Acho que isso vai acontecer, mas depois temos que retê-los. A retenção vai ser fundamental. A fidelização desses jogadores e jogadoras ao râguebi é o passo a seguir. Em 2007, não o conseguimos fazer”.

"Em vez de apostarmos no râguebi XV, podemos apostar nos Sevens. É muito mais fácil formar uma equipa".
João Paulo Bessa, antigo selecionador nacional

Há quem aponte outras formas para capitalizar o entusiasmo criado em torno da prestação dos Lobos no Mundial. João Paulo Bessa, antigo selecionador nacional, olha para os Sevens como uma possível estratégia para aumentar o nível de Portugal. “Em vez de apostarmos no râguebi XV, podemos apostar nos Sevens. É muito mais fácil formar uma equipa. Fazer equipas de Sevens pelo país é relativamente fácil. Com os Sevens, podemos ter mais gente a falar de râguebi, mais gente a gostar de râguebi e, no meio disto tudo, há de aparecer um ou outro jogador que vai fazer nome no XV”, disse ao Observador, sugerindo a criação de uma espécie de circuito nacional.

Um dia após o regresso dos Lobos a Portugal, Luís Vaz, antigo analista da Seleção portuguesa e investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, apresentou o livro Rugby – Análise do jogo que assina em conjunto com Tomaz Morais. Depois do sucesso da equipa, o professor universitário assume que “terá necessariamente que haver râguebi na escola para começarmos a pensar num desenvolvimento estruturado, aproveitando os resultados e o legado que os Lobos felizmente nos deixaram”, defendeu, assumindo lacunas na “formação de técnicos capazes de dar respostas a muitas das questões que são estruturantes”.

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Um momento para a história: a imagem do ensaio de Rodrigo Marta, cuja conversão possibilitou a Samuel Marques dar a vitória contra Fiji

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A utopia do profissionalismo (como a maioria lá fora consegue ter)

“Todos os jogadores da Seleção vão ter portas abertas para o râguebi profissional”. Pelo menos, foi essa a perspetiva que o capitão dos Lobos durante o Mundial 2023, Tomás Appleton, assumiu no programa “Nem tudo o que vai à rede é bola”, da Rádio Observador. “Qualquer jogador português que ambicione ser profissional vai ter que passar pelo estrangeiro. Portugal ainda não tem uma estrutura suficientemente grande e profissional para se conseguir jogar râguebi ao mais alto nível. O caminho vai passar muito por lançar jogadores lá para fora. Começámos a fazer isso nos últimos anos. Nos últimos três, quatro anos, lançámos muitos jogadores para os campeonatos franceses”. O fenómeno migratório acentuou-se após o assumir de funções por parte Patrice Lagisquet, selecionador nacional desde 2019 que abandonou o cargo por vontade própria após o Mundial. No lote de 33 jogadores convocados pelo treinador gaulês para o Mundial 2023, 17 atuam em França.

"Acho muito bem que os jogadores vão para fora jogar. Eu também fui e foi uma grande experiência. O que peço aos que assinam contratos profissionais é que não abdiquem da Seleção. Quando assinei contrato em 2007, o clube [Montpellier] queria obrigar-me a não jogar pela Seleção e eu disse que não".
Vasco Uva, antigo internacional português

Apesar de tudo, a vaga de emigrantes, mais uma vez, não é inédita. Vasco Uva considera que continua a ser benéfico que os atletas adquiram experiência no estrangeiro. “Acho muito bem que os jogadores vão para fora jogar. Eu também fui e foi uma grande experiência. O que peço aos que assinam contratos profissionais é que não abdiquem da Seleção. Quando assinei contrato em 2007, o clube [Montpellier] queria-me obrigar a não jogar pela Seleção e eu disse que não. Quis continuar a jogar pela seleção e acho que eles têm que fazer o mesmo”. No entanto, o jogador mais de 100 vezes internacional por Portugal reconhece ser preciso que também exista qualidade nas competições nacionais. “Para o jogadores de cá, têm que melhorar o ritmo interno, têm que treinar mais para estarem na máxima forma para o gap ser menor. Há espaço para todos”.

“Temos de aproveitar, mesmo que os frutos só apareçam daqui a uns anos”: entrevista a Tomás Appleton, capitão da Seleção de râguebi

Não há ninguém que arrisque apostar numa data para que o râguebi se torne num desporto profissional em Portugal. Inclusivamente, há internacionais portugueses que descartam essa possibilidade num futuro próximo. Antes do Mundial, o jogador português Nuno Sousa Guedes contava que ser profissional “não é um objetivo pelo qual vá morrer”.

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Nuno Sousa Guedes, um dos jogadores não profissionais da Seleção, realizou a segunda parte da partida contra a Austrália com uma fratura no antebraço

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O Campeonato Nacional que é quase um Campeonato de Lisboa

Em 2022/23, disputaram a Divisão de Honra, o escalão mais elevado no râguebi nacional, dez equipas, sendo que sete delas estão concentradas na região de Lisboa (Direito, Cascais, Belenenses, CDUL, São Miguel, Benfica e Agronomia) e apenas três fora da capital (Académica, Lousã e CDUP). Médico dentista Tomás Appleton joga no CDUL e aponta a que as competições nacionais não podem ser esquecidas no crescimento do râguebi. “Acho que tem que haver um foco brutal no desenvolvimento do râguebi português, numa melhoria do Campeonato Nacional e vai ter que ser este equilíbrio que vai continuar a trazer e a alimentar jogadores para as seleções nacionais. Se Portugal continuar sempre dependente dos campeonatos estrangeiros vai continuar a ter algumas limitações”, referiu o capitão.

Em 2022/23, disputaram a Divisão de Honra, o escalão mais elevado no râguebi nacional, dez equipas, sendo que sete estão concentradas na região de Lisboa (Direito, Cascais, Belenenses, CDUL, São Miguel, Benfica e Agronomia) e apenas três fora da capital (Académica, Lousã e CDUP).

Perante a evidente concentração geográfica dos clubes portugueses, Vasco Uva reconhece que também existem “bons clubes por esse Portugal fora”. No entanto, Luís Vaz indica que “temos que criar competições internas mais competitivas para que alguns jogadores se possam fixar”, o que “não passa por isolar a modalidade em Lisboa”, mas sim “pelo desenvolvimento do râguebi na sua vertente nacional”. Vasco Uva sugere que se encontrem soluções para as pausas de modo a que os jogadores possam competir o mais possível. “Em muitos casos, quando existem folgas no campeonato nacional, fazerem-se seleções regionais que permitam que os jogadores que não estão presentes na seleção nacional tenham ritmo com bons jogos que lhes permitam subir de nível enquanto jogadores”.

João Paulo Bessa reconhece que “tornar a Divisão de Honra mais competitiva e mais equilibrada” é um passo necessário na reformulação do râguebi nacional. “Temos uma seleção que pode jogar a bom nível. Temos que ter em atenção a nossa realidade e organizarmo-nos de maneira a podermos competir um nível acima”.

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17 dos internacionais portugueses convocados por Lagisquet para o Mundial de 2023 jogam em França, os restantes 16 são amadores

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Contra os canhões, competir, competir

No Mundial de 2023, os adversários de Portugal estavam todos melhor colocados ao nível do ranking. Na última atualização, os Lobos conseguiram ascender ao 13.º lugar, mas à entrada para a competição, a seleção era a 16.ª melhor do mundo atrás dos adversários do grupo C, País de Gales (sétima), Ilhas Fiji (oitava), Austrália (décima) e Geórgia (13.ª). O rendimento desportivo apresentado perante equipas profissionais e, na teoria, de maior valor, abrem o apetite a um cenário onde Portugal consiga competir mais vezes com seleções de topo.

O presidente da Federação Portuguesa de Râguebi, Carlos Amado da Silva, revelou à agência Lusa que estão previstos jogos contra Samoa, Fiji e Tonga em 2024. “O difícil é manter, mas nós queremos manter e aumentar, porque este padrão de jogo é invejado por toda a gente. Talvez falte um pouco de objetividade, de experiência. Isso implica outras coisas, mais competição, sobretudo interna, porque metade desta equipa fica em França, são profissionais, vão continuar a um nível alto. Os outros voltam em Portugal e, infelizmente, a competição doméstica não é do mesmo nível, portanto a tendência é para baixar”, afirmou o dirigente.

O diretor do Mundial, Michel Poussau, foi questionado sobre como é que a competição podia proporcionar mais surpresas como a de Portugal. “Estamos todos a tentar reduzir a diferença [entre seleções], tentando ajudar as equipas a terem mais jogos no futuro e a poderem jogar mais contra mais países do que jogam atualmente. Então, isso é parte do que nós, World Rugby, estamos a fazer para ajudar”, disse citado pelo The Guardian. “Para todos os participantes o World Rugby deve e vai proporcionar-lhes maior certeza e maiores oportunidades de melhorar no contexto mundial”.

"Nos últimos quatro anos, fizemos um jogo contra uma equipa de top 10 e é difícil, de repente, chegarmos a um Mundial e estarmos a jogar contra a Austrália e País de Gales e os nosso jogos internacionais não serem contra equipas suficientemente competitivas".
Tomás Appleton, capitão da Seleção Nacional

Tomás Appleton garante que preencher o calendário internacional com jogos frente a equipas mais fortes é o caminho para a modalidade progredir. “Se o râguebi quer ter este crescimento mundial, se quer começar a expandir-se para estas seleções ditas mais pequenas e não ficar só fechado naquela bolha das seleções mais fortes, acho que o caminho é esse mesmo. Nos últimos quatro anos, fizemos um jogo contra uma equipa de top 10 e é difícil, de repente, chegarmos a um Mundial e estarmos a jogar contra a Austrália e contra o País de Gales e os nosso jogos internacionais não serem contra equipas suficientemente competitivas. Eu sei que muitas vezes existe um distanciamento entra as equipas de tier 1 [as seleções com mais estatuto] e tier 2, mas a verdade é que se não se tentar equilibrar o pratos da balança, vai ser muito complicado. A reestruturação das janelas internacionais vai ter que existir e esse vai ser o caminho para seleções como Portugal, como o Uruguai, como o Chile, como a Geórgia, como Japão irem mais longe”.

Uma das primeiras coisas que o capitão dos Lobos assumiu logo depois do jogo contra Fiji foi que Portugal queria estar no Mundial 2027, que se disputa na Austrália e vai ser alargado a 24 equipas. A ambição nunca fez mal a esta Seleção. A prestação em 2023 foi o que foi e, como no râguebi parece não existir o cliché do “jogo a jogo”, já se olha em frente. Beneficiando do aumento do número de seleções, Portugal, ao ter terminado no quarto lugar do grupo C pode desde já ter garantido a presença na próxima edição. “Parece que a ideia é os quatro primeiros de cada grupo serem apurados diretamente e depois ficavam oito lugares para os apuramentos regionais”, explicou, Carlos Amado da Silva. “Era importante fazer um ponto de bónus para ficar à frente da Geórgia, porque o quarto lugar nos poderia dar a presença direta na Austrália. Mas se não for direta, vamos lá estar na mesma, porque vamos à Austrália”.

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