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O que é a Perturbação Obsessivo-Compulsiva (POC)?

É uma doença psiquiátrica caraterizada por pensamentos recorrentes, incontroláveis e desagradáveis (obsessões) e por comportamentos repetitivos e ritualizados (compulsões). Quem sofre da doença não consegue evitar ou controlar uns ou outros e reconhece que as suas obsessões e compulsões são irracionais e excessivas, mas não tem domínio sobre elas. De uma forma geral, a Perturbação Obsessivo-Compulsiva (muitas vezes também conhecida por OCD, a sigla da expressão em inglês: Obsessive Compulsive Disorder) tem início na adolescência e afeta rapazes e raparigas, embora nos primeiros tenda a manifestar-se mais cedo.

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É uma doença comum?

“É uma doença crónica relativamente comum”, diz diz Joana Ribeiro, psiquiatra e especialista em POC. “Os dados mais recentes apontam para que cerca de três por cento da população mundial seja afetada por esta doença ao longo da vida, sendo que em Portugal, os estudos epidemiológicos indicam um valor mais elevado: 5,3%.”

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Que relação existe entre a compulsão e a obsessão?

Embora em casos raros possa existir apenas obsessão e ainda mais raramente apenas compulsão, na maioria dos casos obsessão e compulsão coexistem e há uma razão para isso. “Os dois sintomas têm uma relação íntima entre si”, diz a psiquiatra. “A obsessão é a componente primária. Pode ser um pensamento, uma imagem, um impulso que a pessoa não controla e que lhe causa ansiedade e angústia. A compulsão é um comportamento ritualizado e surge de forma a compensar e aliviar essa ansiedade e desconforto.”

O alívio é sempre transitório e o ciclo vai-se repetindo, agravando e ocupando cada vez mais tempo na vida da pessoa. “É um ciclo que se alimenta a si próprio e quanto mais vezes se repete, maiores proporções toma.”

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Quais são as obsessões mais comuns?

Podem ser de vários tipos, mas as mais comuns estão relacionadas com o medo da contaminação, da sujidade, de contrair uma doença ou, por outro lado, as dúvidas e o receio de cometer um erro que possa provocar uma tragédia (deixar o fogão ligado, o gás aceso, a porta aberta).

“Existem outras, relacionadas com pensamentos ou imagens intrusivas de conteúdo agressivo ou sexual que geram grande angústia, porque as pessoas não se reveem moralmente nelas, sentindo-se culpadas e envergonhadas. Por exemplo, uma ideia recorrente de poder fazer mal a alguém, que têm até dificuldade de verbalizar connosco, psiquiatras.”

Além disso, a maior parte das pessoas tem vários tipos de obsessões em simultâneo. “A POC pode classificar-se em vários subtipos de acordo com o tipo de obsessão e compulsão, mas a maioria das pessoas tem quadros mistos. Tanto têm ideias de contaminação, como dúvidas obsessivas ou pensamentos de conteúdo trágico. Na maioria dos casos, é muito difícil para a própria pessoa conseguir gerir.”

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E as compulsões mais comuns?

As compulsões são uma resposta às obsessões. Por isso, se a obsessão tem que ver com medo de contaminação, a compulsão tem que ver com limpeza (lavar repetidamente as mãos é uma das mais frequentes). Se a obsessão tiver que ver com dúvidas obsessivas, o ritual será de verificação constante (se fechou a porta, se deixou o gás desligado, se deixou tudo apagado).

Mas, muitas vezes, esta lógica não existe, explica Joana Ribeiro. “Por exemplo, pensamentos intrusivos e obsessivos de que os pais vão morrer ou de que vai acontecer uma tragédia. Como é que se anulam estes pensamentos que causam grande ansiedade? Podem surgir compulsões encobertas, como fazer contagens, fazer listas de palavras ou repetir frases que acreditam que evitará a tragédia.”

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Então, quem tem estes comportamentos tem necessariamente um diagnóstico de POC?

Um diagnóstico de POC é feito quando as obsessões e compulsões interferem significativamente com as rotinas normais do indivíduo e ocupam uma parte considerável do seu dia. Todos podemos ter esses momentos, mas a obsessão é um pensamento, uma imagem ou um impulso intrusivo e recorrente de que a pessoa não se consegue abstrair, que não consegue controlar e que surge contra a sua vontade.

“Se tiver dúvidas de que deixou a porta aberta, uma pessoa sem POC,  volta atrás uma vez para verificar ou, se estiver muito longe, nem sequer volta”, explica a psiquiatra. “Isso é impossível para uma pessoa com POC, que tem necessidade de verificar sucessivas vezes, o que se torna incompatível com uma vida funcional.”

“Por outro lado, uma pessoa com POC tem noção de que quer as obsessões, quer as compulsões têm um quê de absurdo. É algo de que se envergonham e que lhes causa sofrimento, daí que seja das doenças mentais com maior atraso no diagnóstico – desde o início dos sintomas à procura de ajuda e o início do tratamento.”

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Além das obsessões e das compulsões, quais os outros sintomas de Perturbação Obsessivo-Compulsiva?

Ansiedade, isolamento, irritabilidade, quadros depressivos, que mais do que sintomas, são sinais ou consequências da doença.

“Quando o quadro se arrasta já há alguns anos, podem surgir todos estes sinais, que muitas vezes são o que leva a procurar ajuda médica. Por exemplo, como a pessoa tenta evitar fazer os rituais à frente dos outros, é frequente o isolamento, as crises de ansiedade e alguma irritabilidade. Depois vem, também, a sintomatologia depressiva e alterações do sono”.

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Quais são as causas e os fatores de risco da POC?

“Como para todas as doenças mentais, ainda há muito por descobrir, mas aquilo que sabemos é que existe uma carga genética associada. Os familiares de pessoas com POC têm maior risco de desenvolver a doença. No caso dos familiares de primeiro grau, estamos a falar de um risco quatro vezes superior ao da população geral”, diz Joana Ribeiro.

No entanto, a predisposição genética não significa que se desenvolva sempre a doença. A interação com o meio ambiente também pesa e fatores como o stress extremo, uma educação muito rígida, castradora e culpabilizadora ou episódios traumáticos na infância podem acrescer o risco de desenvolver uma POC na adolescência ou início da idade adulta.

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Quais são os tratamentos mais eficazes para a POC?

O tratamento considerado mais eficaz é a associação de medicação com psicoterapia cognitivo-comportamental.

“O tratamento com antidepressivos vai permitir, inicialmente, diminuir a ansiedade e a intensidade e recorrência das obsessões e a psicoterapia vai trabalhar as questões comportamentais, ensinando a pessoa a lidar com a ansiedade provocada pelas obsessões, ajudando a identificar e reduzir as compulsões e interrompendo aquele ciclo. Em situações ligeiras, numa fase inicial, pode tentar-se apenas a psicoterapia, mas em situações moderadas a graves, habitualmente é preciso associar medicação.”

Em casos em que os doentes não respondem a este tratamento de primeira linha, ou seja, em que não melhoram (POC resistente ou refratária), coloca-se a hipótese do tratamento através de técnicas de neuromodulação, como a estimulação cerebral profunda [colocação de elétrodos, que funcionam como um pacemaker, em áreas do cérebro que já foram identificadas como estando envolvidas na POC, para modular a atividade cerebral], ou a estimulação magnética transcraniana, que é mais recente, não está tão estudada, mas tem menos efeitos secundários e não implica os riscos de uma cirurgia, como a estimulação cerebral profunda.

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É possível ter uma boa qualidade com um diagnóstico de POC?

Sim. Cada caso é um caso, mas um número significativo de doentes responde bem ao tratamento com medicação conjugado com psicoterapia e conseguem ter uma vida igual à das pessoas que nunca tiveram POC.

No entanto, como explica a psiquiatra Joana Ribeiro, não se pode falar de cura. “Mesmo nos casos que respondem muito bem à terapêutica e conseguimos remissão completa dos sintomas (há pessoas que conseguem ter largos períodos sem qualquer sintoma), situações de maior stress podem fazer surgir novos episódios”, diz a médica.

A maioria das pessoas com POC vai conviver sempre com alguma sintomatologia, mas aprende a geri-la sem causar sofrimento extremo.