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De quanto é a dívida pública portuguesa?

No final de abril, segundo as contas do Banco de Portugal, a dívida pública portuguesa atingia 225.897 milhões de euros.

As contas feitas em percentagem do produto interno bruto, na ótica de Maastricht (o critério do Programa de Estabilidade e Crescimento), apontavam para que estivesse nos 132,9% da riqueza produzida em Portugal durante um ano.

 

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Quanto subiu a dívida pública portuguesa durante a crise?

Usando os números da Comissão Europeia, em 2010 a dívida pública atingia 94% do produto interno bruto (PIB).

O grande salto deu-se entre 2010 e 2012. No ano que antecedeu o resgate e no primeiro ano sob supervisão da troika (a partir de maio), a dívida passou de 94%, um número em si já consideravelmente alto, considerando que o limite do PEC é de 60% do PIB, para 124,1%.

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Por que subiu tanto a dívida pública?

O aumento do rácio de dívida pública deve-se a um vasto número de fatores.

Um dos mais importantes é, desde logo, a forte recessão que se fez sentir no país durante estes anos de resgate – a economia só deve voltar a crescer em termos anuais este ano -, a que se junta baixa inflação instalada nestes últimos anos (e que deve continuar). Estes dois fatores fazem descer o valor de base, que é o PIB, que serve para calcular o rácio.

Em segundo lugar, com a injeção de dinheiro vinda do empréstimo da troika, o Estado começou a fazer uma reserva de depósitos considerável. No final de 2010, a administração central tinha em depósitos 3.737 milhões de euros. Agora, no final de abril, o valor dos depósitos atingiu 23.621 milhões de euros, quase mais 20 mil milhões de euros que se acrescentam à dívida. Destes, 6,4 mil milhões de euros ainda são da parte do empréstimo da troika que é destinada a apoiar a banca, em caso de dificuldades. Para já, este dinheiro não pode ser usado.

Em terceiro lugar, e tão ou mais importante do que os outros, há a óbvia questão do défice. Portugal tem tido défices muito elevados ao longo dos últimos anos e estes défices são financiados com dívida. Tendo mais gastos do que receitas, as dívidas vão-se acumulando. Para além das despesas muito acima das receitas, situação agravada com a queda das receitas do Estado, há também reclassificações de empresas que passaram a contar para a dívida, devido aos maus resultados, e que anteriormente estavam fora das contas do Estado. E há, ainda, o apoio aos bancos, o reforço de capital dos hospitais EPE e muitas outras responsabilidades.

O elevado valor dos juros que são pagos com dívida pública todos os anos também contribui para o crescimento da dívida pública, mas a lista de fatores é muito mais vasta do que aquela que é aqui apresentada.

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Quando é que a dívida pública portuguesa começa a descer?

Alegadamente, em 2015. Mas a verdade é que muitas das projeções do Governo e da troika para a dívida pública, tanto em termos de valor como de ano em que começaria a descer, falharam redondamente.

No acordo inicial, esperava-se que a dívida nunca passasse de 108% do PIB. Os resultados estão muito aquém. E a resposta habitual a esta pergunta também tem sido: “No próximo ano a dívida começa a descer”. O resultado é que nem por isso.

Segundo o Ministério das Finanças, o ano em que a dívida atinge o mais alto registo de sempre face ao PIB será 2014, com 130,2% do PIB. Mas ainda vem aí uma mudança nas regras das contas nacionais do Eurostat que pode fazer aumentar ainda mais o rácio da dívida pública. Para já, está em 132,9% do PIB, de acordo com os dados de abril de 2014.

No próximo ano, se as projeções (finalmente) estiverem certas, a dívida deve descer para 128,7% do PIB, ainda de acordo com as contas do Governo.

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Uma dívida pública tão alta é sustentável?

Não é uma questão fácil. As autoridades defendem, naturalmente, que sim, já que a opção por uma reestruturação é sempre um mau sinal a dar aos mercados, a quem Portugal tem voltado agora a pedir emprestado.

O FMI, na mais recente análise à sustentabilidade da dívida pública portuguesa, incluída no último relatório produzido sobre o programa de ajustamento, diz que a dívida é sustentável, mas os cálculos são feitos com base na continuação e agravamento das medidas de austeridade para o próximo ano, assim como a aplicação de mais reformas estruturais que consigam aumentar o crescimento da economia.

Ainda assim, o FMI deixa o aviso: a dívida é muito alta e pode aumentar muito mais caso se concretizem alguns cenários negativos – como o aumento dos juros no mercado ou novas reclassificações -, algo que dizem ser possível.

 

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O que é reestruturar a dívida pública?

Reestruturar a dívida pública pode envolver uma, ou mais, de três principais opções:

1) Pode ser decidido ou negociado um ‘haircut’. Isto quer dizer um corte no valor da dívida que tem de se pagar aos investidores (sejam privados ou oficiais, como o FMI e o fundo europeu), por decisão de quem tem de a pagar ou por acordo. A dívida é normalmente cotada em preços (um dólar por cada dólar de dívida se estiver ao par). O devedor pode decidir que irá pagar apenas 50 cêntimos por cada dólar, o que na prática quer dizer um corte de 50% no que deve, por exemplo. Isto envolve não só o capital em dívida, como também os juros e outros custos relacionados.

2) Pode ser pedida uma extensão dos prazos de pagamento, sem reduzir o valor a pagar. O devedor pode pedir para pagar mais tarde, por exemplo, ao longo de mais dez anos a dívida que teria de pagar durante os próximos cinco anos. Isto permitiria ao devedor ter mais tempo para conseguir o dinheiro para pagar a dívida.

3) O devedor pode, ainda, tentar reduzir a fatura de juros a pagar com a dívida que tem. Isto acaba por envolver uma redução na fatura final com a dívida pública e, apesar de em menor escala, implica sempre um corte no rendimento esperado pelos investidores quando decidiram investir na dívida em causa.

Em qualquer destes casos, o devedor pode tentar negociar com os seus investidores ou impor diretamente estas perdas se não chegar a acordo. Os credores não são obrigados a aceitar o acordo, e combater judicialmente a decisão, como é o caso da Argentina.

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O que é renegociar a dívida?

Na verdade, renegociar a dívida é uma das maneiras de reestruturar a dívida. O termo é sobretudo político e tem sido usado de forma a tentar retirar a conotação mais negativa associada a uma reestruturação.

Em Portugal, este tem sido usado sobretudo pelo PS que tenta, assim, dizer que defende que sejam reduzidos os pagamentos com juros e/ou alargados os prazos de pagamento da dívida pública portuguesa, sem cortar no capital, isto é, no valor do empréstimo.

Nestes termos, a opção até já foi usada quando os credores oficiais de Portugal na Europa (União Europeia e zona euro) reduziram os juros do empréstimo feito ao abrigo do pedido de ajuda externa e estenderam os prazos de pagamento da dívida. Isto aconteceu em 2012.

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O que é um perdão de dívida?

“Perdoar” a dívida quer dizer, na verdade, impor perdas aos investidores que compraram a dívida pública nacional. Os credores não têm qualquer acesso de bondade decidindo perdoar a dívida a Portugal. Há uma decisão do país que os credores podem ou não aceitar. Muitos aceitam porque é a única perspetiva de recuperarem algum do investimento feito.

Quando se fala num empréstimo, há sempre capital e juros. O capital, o valor emprestado, que devia ser devolvido no fim do prazo do empréstimo, ficaria mais reduzido por decisão do devedor, negociada com os investidores. Não aceitando uma reestruturação, os credores podem forçar o país a entrar em bancarrota.

Os investidores que aceitam perdoar a dívida partem do pressuposto que, ao aceitar, a dívida fica mais sustentável e o país passa a ter capacidade de pagar, pelo menos, essa parte da dívida e que a outra opção resultaria em perder por completo o dinheiro que tinham investido.

PCP e Bloco de Esquerda têm defendido esta opção e já apresentaram propostas legislativas neste sentido, todas elas rejeitadas no Parlamento.

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Então, são todas a mesma coisa?

Depende de quem as classifica. O termo reestruturação abrange, por princípio, estas três opções. Para os investidores e no léxico económico, a distinção é feita entre ‘default’ (incumprimento) ou reestruturação, nos seus vários modelos. Qualquer uma das outras opções é apenas uma forma diferente e, mais ou menos gravosa, de reestruturar a dívida pública.

As agências de ‘rating’ classificam, por princípio, todas as opções explicadas como uma reestruturação, o que não quer dizer que tenham todas o mesmo tratamento por parte tanto das agências, como dos investidores. Uma extensão de maturidades nunca será vista da mesma forma que um corte nos juros que deviam ser pagos e, muito menos, como um corte no capital, ou seja, no valor emprestado.

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Quais são as consequências de reestruturar a dívida?

As consequências são sempre difíceis de estimar, porque dependem muito da perspectiva externa dos mercados.

Reestruturar a dívida não é necessariamente visto como uma má opção. No caso de países com demasiadas dificuldades em fazer o pagamento da respetiva dívida, até pode ser visto como um fator positivo, já que lhes dá a perspetiva de devolver, pelo menos, parte do que devem aos credores. Uma empresa falida não consegue gerar rendimentos para pagar as suas dívidas e a falência de um país traz consigo problemas bem mais profundos.

Mas, em muitos casos, as reestruturações têm consequências muito gravosas. Uma delas pode ser a perda da confiança de quem investe.

Independentemente da forma escolhida para reestruturar a dívida, os investidores emprestam dinheiro com certas condições (juros mais altos para empréstimos mais arriscados, ou mais baixos para aqueles que à partida representam menos risco de não pagarem) sempre a pensar que vão receber o dinheiro de volta.

A partir do momento em que quem emprestou dinheiro sabe que não vai receber o dinheiro nas condições em que acordou e que não o irá receber na data prevista, estará muito mais relutante em voltar a emprestar.

Daqui resulta, quase automaticamente, um aumento considerável dos juros exigidos pelos investidores para comprar dívida pública ou o país não conseguir financiamento no mercado para pagar os seus défices, o que gera problemas ainda maiores, como não conseguir pagar a restante dívida pública no caso de países que continuam deficitários.

É sempre difícil prever consequências, mas os investidores nunca olham da mesma forma para quem não paga a dívida – como os bancos dificilmente voltam a dar um empréstimo à habitação a quem no passado não conseguiu pagar empréstimos que contraiu.

As agências de ‘rating’, por exemplo, consideram qualquer corte no pagamento dos juros ou do empréstimo uma reestruturação, haja ou não um acordo prévio com os credores, e cortam o ‘rating’ para o nível mais baixo da sua escala, o D de ‘default’.

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Portugal já está ao nível da Grécia para fazer uma reestruturação?

Não. Quando a dívida pública grega foi reestruturada, por duas vezes, em 2012, o país tinha terminado o ano anterior com um relação entre dívida e produto interno bruto (PIB) de 170,3% do PIB e tinha perspetivas de chegar quase a 200% nesse ano.

A reestruturação permitiu à Grécia reduzir a dívida pública para 157,2%. Isto não impediu que a dívida voltasse a subir para 175,1% em 2013 e, segundo a Comissão Europeia, possivelmente para 177% em 2014.