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Como é que tudo começou?

A recente escalada de tensão verbal entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte começou depois de um novo pacote de sanções a Pyongyang ter sido aprovado pelas Nações Unidas, por unanimidade, no dia 5 de agosto, em resposta aos testes de mísseis balísticos realizados durante o mês de julho.

Nikki Haley, embaixadora dos Estados Unidos para a ONU (à direita), e Matthew Rycroft, embaixador do Reino Unido (à esquerda) votam as sanções à Coreia do Norte. (Foto de Eduardo Munoz Alvarez/AFP/Getty Images)

É o sétimo pacote de sanções da ONU ao regime de Pyongyang e são consideradas as mais pesadas. Estas sanções poderão privar o país de um terço das receitas geradas com a exportação de carvão, peixe e marisco — cerca de mil milhões de dólares anuais (cerca de 845 milhões de euros) — e ainda proibir o envio de trabalhadores norte-coreanos para o estrangeiro.

Foram os Estados Unidos que propuseram este pacote e contaram com o apoio imediato da França, Reino Unido, Japão e Coreia do Sul. A Rússia e a China poderiam ter travado estas sanções, mas não o fizeram.

A eficácia das sanções sobre a economia norte-coreana depende, quase completamente, da sua implementação pela China, algo que não tem acontecido. A maior parte das exportações norte-coreanas é comprada pela China, em especial carvão. Sem estas vendas, dificilmente a economia norte-coreana conseguiria continuar a funcionar.

Aprovadas por unanimidade novas sanções à Coreia do Norte

Há quem defenda que o problema podia ter sido evitado se estas sanções, que mostraram a sua “ineficiência”, não tivessem sido aplicadas, como é o caso de John Delury, especialista sobre assuntos da Coreia do Norte na Universidade de Yonsei, na capital sul-coreana de Seoul, em declarações ao The Guardian. Delury diz que a mensagem dos Estados Unidos para Kim Jong-un deveria ser de inclusão e não de exclusão.

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Quais foram as ameaças concretas e o qual o seu significado?

A resposta da Coreia do Norte às sanções da ONU não se fez esperar. “No dia em que os Estados Unidos se atreverem a provocar a nossa nação com armas nucleares ou com sanções, o território norte-americano ficará submerso num inimaginável mar de fogo“, escrevia o editorial do jornal estatal Rodong Sinmun, publicado no dia 6 de agosto, um dia depois da sua aprovação. Pyongyang acusou ainda os Estados Unidos e os seus aliados de terem uma política “hostil” em relação à nação liderada por Kim Jong-un.

Coreia do Norte ameaça responder a novas sanções com um “mar de fogo”

O presidente dos Estados Unidos não gostou e respondeu na mesma moeda: “É melhor que a Coreia do Norte não faça mais ameaças aos Estados Unidos. Sofrerão fogo e fúria como o mundo nunca viu“, afirmou Donald Trump no dia 8 de agosto — diretamente do resort do campo de golfe em Bedminster, Nova Jérsia, onde está de férias.

Estas declarações surgiram depois de um artigo do Washington Post, que citava um relatório dos serviços de inteligência do Departamento de Defesa norte-americano, onde se lia que o regime de Pyongyang teria conseguido diminuir o tamanho de uma bomba nuclear o suficiente para a integrar num míssil intercontinental.

Coreia do Norte tem capacidade de incorporar bomba nuclear em mísseis

Ainda no mesmo dia, a Coreia do Norte voltou a fazer ameaças ainda mais concretas: um ataque a Guam, a ilha no Pacífico que pertence aos Estados Unidos e onde os norte-americanos têm uma importante base militar.

Guam, a paradisíaca ilha norte-americana que a Coreia do Norte quer bombardear

A resposta dos EUA chegou através do secretário da Defesa norte-americana. James Mattis disse ao regime de Pyongyang para “parar de ponderar ações que possam levar ao fim do regime e à destruição do seu povo“. Trump reforçou a ideia no dia 10: “Ou [a Coreia do Norte] se acalma ou vai ter problemas como poucas nações tiveram“.

Apesar de não revelar se o país está a considerar um ataque militar preventivo, o Presidente dos Estados Unidos referiu ainda que, se efetivamente ocorrer um ataque em Guam, “acontecerá na Coreia do Norte algo nunca antes visto”. “Isto não é uma provocação, é um facto.”

Trump ameaça Coreia do Norte com “fogo e fúria” como o mundo nunca viu

Trump. Ou a Coreia do Norte se acalma ou vai ter problemas “como poucas nações tiveram”

Esta sexta-feira, o jornal estatal norte-coreano considerou que “os comportamentos “imprudentes e histéricos” dos Estados Unidos podem reduzir os EUA “a cinzas a qualquer momento”.

Desta vez a resposta de Trump chegou pelo Twitter: “Soluções militares estão inteiramente posicionadas, prontas e carregadas, no caso de a Coreia do Norte agir imprudentemente em Guam. Esperançosamente, Kim Jong-un vai escolher um caminho diferente!”

Pouco depois Trump garantia as ameaças que tinha feito e fazia novas: se Kim ameaçar ou atacar os EUA ou os seus aliados “vai arrepender-se rapidamente!”

Trump faz nova ameaça. Kim “vai arrepender-se rapidamente”

As ameaças sucessivas de Trump podem ser encaradas de duas formas, pelo menos para Robert Kelly, professor na Universidade Nacional de Pusan, na Coreia do Sul. A mais otimista é a de que o presidente norte-americano está a tentar “pressionar os chineses para mostrar que a paciência estratégica acabou”. A mais pessimista é a de que “Trump está a falar da boca para fora”.

Qualquer que seja o significado, as provocações de Donald Trump — via Twitter na maior parte das vezes — chegam ao norte da península coreana e Kim Jong-un sabe como aproveitá-las, exercendo uma política do medo. As ameaças do presidente Trump são usadas pelo seu homólogo norte-coreano como forma de fazer o seu povo acreditar “que os Estados Unidos continuam a ameaçar a própria existência da Coreia do Norte”, defende Jean Lee, que liderou a cobertura da Associated Press na Península Coreana, em declarações ao The Guardian.

“Este medo justifica o desvio de recursos preciosos para a construção de bombas nucleares e mísseis balísticos” explica Lee.

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Guam: o que é e por que foi escolhido como alvo?

Esta ilha tem cerca de 544 quilómetros quadrados e, em 2015, estimava-se que a população rondava os 162 mil habitantes. Localizada a cerca de 3,400 quilómetros de Pyongyang, é acima de tudo um local estratégico para os Estados Unidos porque é onde se encontram as bases norte-americanas mais próximas da Coreia do Norte.

Cerca de um terço de Guam é controlado pelos Estados Unidos e, de acordo com o jornal inglês The Guardian, à volta de seis mil militares norte-americanos estão estacionados na ilha — a presença militar norte-americana, seguida do turismo, é aquilo que põe a economia da ilha a mexer. Território norte-americano não incorporado desde 1950, Guam foi utilizada já por diversas vezes como ponto de partida dos militares norte-americanos para outros países.

A ilha de Guam localiza-se no Oceano Pacífico

Esta segunda-feira, refere o Guardian, dois bombardeiros B-1B partiram de Guam para se juntarem à Coreia do Sul e ao Japão para participar numa missão na península coreana, em que ensaiaram uma série de manobras. No final do mês haverá um exercício, que ocorre todos os anos em março e em agosto, entre os Estados Unidos e a Coreia do Sul, lê-se na CNN.

Foi também desta ilha que, no mês passaram, saíram dois bombardeiros que passaram por cima da península coreana depois do lançamento de mísseis por parte da Coreia do Norte.

O CNN diz que a ilha tem um Terminal High Altitude Area Defense (THAAD), um sistema de mísseis anti-balísticos instalado em 2013.

Guam, a paradisíaca ilha norte-americana que a Coreia do Norte quer bombardear

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Qual é o plano de ataque da Coreia do Norte para Guam?

Logo depois da ameaça, a Coreia do Norte explicou como planeava atacar Guam. O ataque irá ocorrer em meados de agosto e bastará uma ordem de Kim Jong-un para o país lançar quatro mísseis contra Guam.

Serão utilizados mísseis Hwasong-12 — criados pela Coreia do Norte e mostrados ao mundo num desfile militar em abril — e serão lançados por cima do Japão. Segundo a agência noticiosa norte-coreana KCNA, os mísseis demorarão cerca de 14 minutos a atingir o alvo e farão um percurso no ar de cerca de 3,4 mil quilómetros até caírem no mar, entre 30 a 40 quilómetros de Guam.

O plano da Coreia do Norte para atacar os Estados Unidos

David Kang, diretor do Instituto de Estudos Coreanos da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos, em declarações ao The Washington Post, destacou um facto interessante. Nos meios de comunicação é sempre dado destaque a apenas uma parte da ameaça norte-coreana, que são na sua essência: “Se os Estados Unidos nos atacarem primeiro, nós atacamos depois”. Kang realça que a primeira parte da frase é ignorada. Na opinião do diretor, isso faz com que o eventual ataque a Guam não seja “absolutamente uma ameaça” mas uma “ameaça preventiva”.

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Quais são os riscos para o Japão e para a Coreia do Sul?

A Coreia do Sul e o Japão são os países mais próximos da Coreia do Norte e, por isso, sob maior risco.

No primeiro caso, viver sob ameaça é quase tão normal como o céu ser azul. Um dos grandes objetivos da Coreia do Norte, desde a sua fundação, é a reunificação das Coreias, sob a liderança da do Norte. Por essa razão, os dois países têm lutado por influência no estrangeiro para limitar o outro e a Coreia do Norte ameaça constantemente a sua vizinha do sul que são o seu primeiro alvo.

A Coreia do Sul — que recentemente elegeu um governo mais aberto a negociações com o regime norte-coreano — não parece estar muito preocupada. “Atualmente não há movimentações fora do normal que possam ser relacionadas com uma provocação direta”, afirmou um responsável do governo sul-coreano, citado pela CNN.

A verdade é que, até hoje, as ameaças não passaram disso mesmo. Ainda assim, segundo a CNN, o presidente da sul-coreano tem dado uso à sua também relação com os Estados Unidos para aumentar a segurança no país.

Segundo o New York Times, a Casa Branca concordou em informar a Coreia do Sul antes de qualquer ação na península coreana. “Tanto a Coreia do Sul como os Estados Unidos reafirmaram a promessa de que, à medida que avançam com medidas para garantir a segurança das suas populações, vão coordenar-se um com o outro de forma próxima e transparente”, afirmou o porta-voz do presidente sul-coreano.

No caso do Japão, a preocupação aumenta de dia para dia. A cidade japonesa de Oga, por exemplo, fica apenas a 300 quilómetros de local onde caíram os últimos mísseis norte-coreanos, já no mar do Japão.

Míssil da Coreia do Norte atinge zona económica exclusiva do Japão

Os mísseis que a Coreia do Norte tenciona lançar contra a ilha de Guam irão sobrevoar o Japão. Além de que o ataque poderá atingir cidadãos japoneses. Só no ano passado, mais de 750 mil japoneses visitaram o território americano da ilha.

O Japão está desde o início do ano a ensinar a sua população o que fazer em caso de ataque, através dos jornais, dos canais de televisão, de panfletos, de brochuras ou até de simulações.

Japão faz simulacros de preparação para a guerra: não acontecia desde a II Guerra Mundial

Um correspondente da BBC em Tóquio mostra, através de um vídeo, algumas das simulações que têm vindo a ser feitas.

Segundo a CNN, estas ameaças estão a trazer de volta as memórias de um passado recente: as bombas nucleares de Hiroshima e Nagasaki — fez esta semana 72 anos.

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Porquê a Coreia do Sul e o Japão?

Estes dois países são um alvo preferencial por vários motivos.

No caso da Coreia do Sul, para além do objetivo de reunificação das Coreias, há a questão da aliança com os Estados Unidos. A sua proximidade com o regime norte-americano é vista como uma ameaça ao regime dos Kim desde sempre.

A Coreia do Norte assume-se como não alinhada e anti-imperialista, e tem tentado conquistar apoios pelo mundo dos países na mesma situação, na sua maioria ditaduras ou países de tradição comunista.

No caso do Japão, também a aliança com os Estados Unidos é um motivo fulcral, mas também há um outro motivo histórico. A Coreia foi uma colónia japonesa desde 1910 até ao final da Segunda Guerra Mundial em 1945. Milhares de mulheres coreanas foram usadas como “mulheres de conforto”, basicamente escravas sexuais que tinham de estar à disposição dos japoneses, enquanto os homens eram enviados para campos de trabalhos forçados e para a guerra lutar pelos japoneses.

Os dois países tornaram-se aliados dos japoneses depois da Segunda Guerra Mundial e também por isso nunca desenvolveram um arsenal nuclear próprio que pudesse impor medo à Coreia do Norte. No caso do Japão, a sua Constituição ainda do tempo do pós-guerra, impede-o de construir um exército mais forte e de obter armas com maior capacidade de destruição.

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Qual o papel da China nesta escalada de tensão?

A China é um dos aliados mais próximos da Coreia do Norte, e certamente o mais poderoso. No entanto, a estratégia tem mudado mais recentemente.

Começou logo com a aprovação do pacote de sanções da ONU. A China podia ter vetado a proposta dos EUA e assim inviabilizar a implementação das sanções, mas não só não o fez, como participou ativamente na sua redação.

A relação entre Pequim e Pyongyang não é a melhor desde que Kim Jong-un chegou ao poder. Só a título de exemplo, desde que Xi Jinping está na liderança da China, os dois líderes nunca se reuniram. A China estará também a reforçar a segurança nas fronteiras, o que torna mais difícil que a Coreia do Norte leve a cabo algumas das suas atividades criminosas mais lucrativas para o regime, como o trágico de droga, e está a levar mais a sério as limitações à importação de carvão da Coreia do Norte, uma das maiores fontes de receita do regime.

De acordo com o jornal chinês Global Times, citado pela Reuters, em caso de guerra, a China terá posições diferentes consoante fará o ataque inicial. Se for a Coreia do Norte a atacar os EUA, a China ficará neutra. Caso sejam os Estados Unidos a atacar primeiro e, juntamente com a Coreia do Sul, tentar pôr fim ao regime de Pyongyang, a China tentará impedi-los.

China deve manter-se neutra caso Pyongyang ataque os EUA primeiro

Ainda esta sexta-feira, o governo chinês voltou a pedir calma às duas nações, apelando à Coreia do Norte e aos EUA para “mostrarem prudência”.

“Apelamos a todas as partes para mostrarem prudência nas suas palavras e ações e a fazerem mais para atenuar as tensões”, declarou Geng Shuang, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, num comunicado, citado pela Lusa.

China pede moderação a Washington e a Pyongyang

Os receios da China com o despoletar de uma guerra na península coreana é não só a onda de refugiados que poderão chegar ao país, mas também com a possibilidade de que o país unido possa aliar-se aos Estados Unidos.

O jornal chinês refere mesmo que o país irá opor-se a “qualquer mudança no status quo em áreas em que o interesse da China esteja em causa”.

Como a jogada de Trump na Coreia do Norte pode reforçar o poder da China

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Estaremos à beira de uma guerra nuclear?

Este é sem dúvida um dos períodos de maior tensão na história destes dois países e um dos mais tensos desde que os países têm arsenais nucleares.

No entanto, não é a primeira vez que os Estados Unidos ponderam um ataque contra a Coreia do Norte. Em 1994, Bill Clinton pediu ao Pentágono para preparar um plano de ataque contra a Coreia do Norte, que envolvia um ataque cirúrgico ao reator nuclear de Yongbyon. O plano caiu devido às estimativas do número de vítimas: 100 mil em resultado direto do primeiro ataque cirúrgico. Pelo menos um milhão nos ataques subsequentes.

Nesta altura, os riscos são consideravelmente maiores. Kim Jong-un é um líder mais instável que o seu pai, Kim Jong-il, e a Coreia do Norte é agora uma potência nuclear com um míssil balístico intercontinental que pode ser capaz de transportar uma ogiva nuclear e fazê-la chegar, inclusivamente, a território norte-americano.

Os especialistas, acreditam que tudo não passa de uma troca de provocações temporária. Jean Lee, que liderou a cobertura da Associated Press na Península Coreana, defende que ninguém — nem os Estados Unidos, nem a Coreia do Norte — querem outra guerra. Kim Jong-un quer apenas que Donald Trump reconheça a Coreia do Norte como uma potência nuclear “capaz de defender a sua população”, explicou Lee em declarações ao The Guardian.

“Kim Jong-un vai exercer pressão até ao limite para conseguir o que quer”, diz Jean Lee.

Também Jiyoung Song, especialista de assuntos relacionados com a Península Coreana na Universidade de Melbourne, partilha da mesma opinião, acrescentando que a Coreia do Norte quer “estabelecer relações diplomáticas com os EUA”.

“Existe uma probabilidade muito pequena de conflito”, garante Andrei Lankov, diretor do NK News e um dos maiores especialistas sobre o regime norte-coreano. Lankov defende que esta troca de provocações irá terminar assim que a Coreia do Norte conseguir desenvolver uma “força nuclear capaz de atingir o território continental dos Estados Unidos”. Por essa altura, Kim Jong-un poderá até falar de um congelamento nuclear e de mísseis, acredita Lankov.

É um dos países mais isolados do mundo. Como é que a Coreia do Norte se tornou uma potência nuclear?

Lee também não se mostra preocupada com a troca de ameaças entre os dois líderes mas receia que uma guerra nuclear desencadeie quando outros países da região se sentirem forçados a agir como a Coreia do Sul ou o Japão.

A Associated Press adiantou mesmo que os EUA e a Coreia do Norte têm tido contactos regulares há meses. E que a administração de Donald Trump reabriu um canal antigo de comunicação com o regime, através de um diplomata norte-coreano na ONU.

Estados Unidos e Coreia do Norte têm tido contactos regulares