O primeiro-ministro falou, na quarta-feira, pela primeira vez sobre o grande incêndio de Monchique, quando este já lavrava há cinco dias. Numa conferência de imprensa realizada pouco depois da 13h00 de 8 de agosto, António Costa disse que o fogo de Monchique foi a “exceção que confirmou a regra do sucesso da operação que decorreu ao longo de todos estes dias”.

Após a conferência de imprensa, muitos dos artigos jornalísticos sobre a conferência de imprensa tinham essa frase no título (era o caso, aliás, do Observador). Os excertos escolhidos nas peças televisivas também incluíam a frase e o mesmo aconteceu com peças de rádio. A frase foi, naturalmente, polémica, e, como habitual, ganhou expressão nas redes sociais.

Perante a polémica, o gabinete do primeiro-ministro enviou uma nota à comunicação social a afirmar que, no entender do primeiro-ministro, as suas declarações foram “descontextualizadas e deturpadas”.

[Veja o nosso fact-check em vídeo]

O que está em causa?

É preciso perceber, de facto, se as declarações do primeiro-ministro foram descontextualizadas ou se os títulos e a frase refletem aquilo que o primeiro-ministro disse em toda a conferência de imprensa. A frase sugere que o primeiro-ministro relativizou a situação de Monchique, tendo dito que o incêndio acabou por ser uma exceção que confirmou o sucesso da globalidade da operação no combate aos incêndios por todo o país. Terá sido mesmo isso que disse o primeiro-ministro?

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O gabinete do primeiro-ministro insiste que não e começou por destacar o seguinte:

Foram descontextualizadas e deturpadas as declarações que o Primeiro-Ministro proferiu ontem, 8 agosto, na Autoridade Nacional da Proteção Civil (declarações que se publicam na íntegra em anexo)”.

O gabinete do primeiro-ministro dá, assim, conta que envia em anexo as declarações de António Costa na íntegra em anexo, mas já lá vamos. A nota continua, a explicar que o primeiro-ministro sublinhou que “foram registadas 582 ignições nestes cinco dias mais críticos, destas 582 ignições só foram registados 26 incêndios e desses apenas um, o de Monchique, teve esta dimensão. Ou seja, este, obviamente, é uma exceção. É a exceção que confirma a regra do que aconteceu no conjunto do País.” Ora exatamente é isso que os títulos jornalísticos sugerem.

A mesma nota diz ainda que “o primeiro-ministro não só não procurou desdramatizar ou desvalorizar a gravidade da situação em Monchique como disse, pelo contrário, que a situação era alarmante e ia agravar-se”.

Quais são os factos?

Em primeiro lugar, é preciso perceber se António Costa disse de facto essa frase. E, não só disse, como repetiu uma muito parecida alguns minutos depois. A primeira vez que o faz é às 13h14:

Mas dirão: Bem, se tudo isso é assim, porque é que o incêndio não foi apagado no primeiro minuto. De facto, este incêndio podia ter sido apagado como os outros 25, como poderia também ter ocorrido como com as 581 ignições que aconteceram, mas por circunstâncias próprias, que tem a ver com a dificuldade do terreno, que tem a ver com as condições climatéricas que existem, com a composição de floresta que temos no local, certamente por outros fatores que, no final, desta ocorrência poderão ser devidamente apurados. Este foi aquele exemplo… Esta exceção confirmou a regra do sucesso da operação que decorreu ao longo de todos estes dias”.

Na transcrição na íntegra que enviou para as redações, o gabinete do primeiro-ministro não enviou a totalidade das palavras ditas pelo primeiro-ministro.

Na transcrição enviada pelo gabinete do PM às redações foi retirada a expressão: “Este foi aquele exemplo…”

É que, na verdade, antes de dizer que Monchique foi a exceção, o primeiro-ministro disse mesmo “este foi aquele exemplo…“. Mas retificou para exceção, como se pode ver no final do vídeo abaixo.

Se dúvidas existissem do que o primeiro-ministro queria dizer, um minuto meio depois o primeiro-ministro voltaria a repetir a expressão da “exceção que confirma a regra”. Assim, às 13h16 disse o seguinte:

É por isso necessário que continuemos empenhados, como temos estado nestes dias, nesta frente de combate, continuar a fazer no resto do território o que tem estado a ser feito, ações de prevenção para evitar novas ocorrências. Evitar comportamentos de risco para que não haja novas ignições. Temos os meios e o dispositivo preparado para responder, na primeira intervenção, com eficácia que todos desejamos, de forma a que Monchique possa ser, efetivamente, a exceção que confirme a regra.

Isto mesmo é possível verificar em novo excerto em vídeo da conferência de imprensa:

Depois disto, o primeiro-ministro volta a dizer que é “cedo para fazer um balanço”. Mas antes das declarações há todo um contexto. Resta saber se esse contexto aponta para as frases em que fica evidente um relativo sucesso nas operações de combate aos incêndios nos dias de onda de calor.

Ora, as declarações do primeiro-ministro que antecederam as polémicas frases vão, precisamente, nesse sentido. António Costa disse, por exemplo, o seguinte:

O conjunto de instituições que têm de responder em situações de socorro, deram a sua resposta. E o facto de termos tido mais de 582 ignições nestes cinco dias mais críticos. Dessas 582 ignições só termos tido 26 incêndios. E desses 26 incêndios só verdadeiramente este incêndio de Monchique ter concentrado a atenção, quer da comunicação social, quer das populações, quer das autoridades, demonstra que o sistema respondeu à altura do desafio que estava colocado.”

Ao dizer que houve 582 ignições, que só 26 deram em grandes incêndios e que só um correu mal, falando a seguir em sucesso, o primeiro-ministro quis claramente fazer uma análise quantitativa da situação. Ou seja: quis destacar que em 582, só uma ignição correu mal, que só no Algarve correu mal e que no resto do país o sistema funcionou. Fica, portanto, claro  que queria isolar Monchique como um caso isolado. Como a exceção que confirma a regra. E ainda lhe acrescentou a palavra “sucesso”.

Foi, aliás, sempre essa a linha das declarações do primeiro-ministro ao longo de toda a conferência de imprensa na sede da ANPC, em Lisboa. É certo que o primeiro-ministro também destacou que a situação ainda era grave e que ainda ia demorar “vários dias” até que o incêndio fosse extinto.  Utilizou até uma analogia para explicar a complexidade de Monchique: “A vela de um bolo de aniversário todos nós o apagamos com um sopro, mas quando a chama se alarga e os incêndios ganham uma escala com esta dimensão, não basta os sopros nem alguns dias de trabalho”. E avisou: “Ainda temos vários dias pela frente até o incêndio ser extinto.”

Conclusão

As declarações de António Costa, quando referiu que Monchique era a exceção que confirmava a regra do sucesso, não foram deturpadas nem descontextualizadas. O primeiro-ministro disse mesmo o que queria dizer. E duas vezes. Além disso, toda a conferência de imprensa foi no sentido de tratar Monchique como um caso isolado no sucesso de toda a operação. Um caso único em 582 ignições e em 26 incêndios que se tornaram grandes nos dias de onda de calor. Já esta sexta-feira, Costa insistiu na ideia de que, ao referir Monchique entre o total das ignições no país (582), não pretendia desvalorizar a dimensão do fogo na região algarvia, mas sim enfatizar a sua gravidade.

É verdade que o primeiro-ministro também disse que Monchique ainda estava numa situação grave e alarmante, mas isso significa, apenas, que Costa nunca desvalorizou o estado em que estava o fogo na quarta-feira. É justo dizer que também disse duas vezes que era cedo para fazer balanços. É, no entanto, uma certeza que classificou (e quis classificar) como sendo de sucesso a operação da Proteção Civil a nível nacional nos cinco dias em que o incêndio de Monchique lavrou. Fez uma análise quantitativa para desvalorizar uma situação que foi muito grave. É certo que foi só um incêndio grave em 582 ignições, mas consumiu mais de 20 mil hectares de terreno, feriu 41 pessoas e uma delas com gravidade.

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